Sua estreia na poesia data de 1940, com a publicação de "A rua dos cataventos". O livro obtém ótima repercussão e seus poemas logo passam a figurar em manuais escolares e antologias. Trata-se de um livro de sonetos, onde a cadência prosaica, cheia de informalidade e de índices afetivos, programaticamente ressaltados pelo poeta, são moldados pela métrica, pelo ritmo e pelas rimas, produzindo um contraste inusitado entre forma e fundo, entre a matéria (movente) e o tratamento artístico (fixo) que Quintana lhe dedica.
Informações retiradas da edição impressa no verão de 2006:
Coleção L&PM Pocket, volume 71
Este livro foi editado originalmente com o título de Antologia Poética. Em 2004 o título foi modificado para Quintana de bolso, sem nenhuma modificação no seu conteúdo.
Primeira edição na Coleção L&PM Pocket: agosto de 1977
Os poemas incluídos nesta Antologia foram selecionados de vários livros, todos editados pela Editora Globo.
I was born in Alegrete, on the 30th of July 1906. I believe that was the first thing that happened to me. And now they have asked me to speak of myself. Well! I always thought that every confession that wasn’t altered by art is indecent. My life is in my poems, my poems are myself, never have I written a comma that wasn’t a confession. Ah! but what they want are details, rawness, gossip...Here we go! I am 78 years old, but without age. Of ages, there are only two: either you are alive or dead. In the latter case, it is too old, because what was promised to us was eternity. I was born in the rigor of the winter, temperature: 1 degree °C; and still I was premature, which would leave me kind of complexed because I used to think I wasn’t ready. One day I discovered that someone as complete as Winston Churchill was born premature - the same thing happened to Sir Issac Newton! Excusez du peu... I prefer to cite the opinion of others about me. They say I am modest. On the contrary, I am so proud that I think I never reached the height of my writing. Because poetry is insatisfaction, an affliction of self-elevation. A satisfied poet doesn’t satisfy. They say I am timid. Nothing of the sort! I am very quiet, introspective. I don’t know why they subject the introverts to treatment. Only for not being as annoying at the rest?
It is exactly for detesting annoyingness, the lengthiness, that I love synthesis. Another element of poetry is the search for the form (not of the form), the dosage of words. Perhaps what contributes to my safety is the fact that I have been a practitioner of pharmacy for five years. Note that the same happened with Carlos Drummond de Andrade, Alberto de Oliveira, Erico Verissimo - they well know (or knew) what a loving fight with words means.
"... Mas eu escrevo é para o João e a Maria, Que quase sempre estão em situação crítica! E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão nosso de cada dia E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão."
Isso é justamente o que me encanta em Quintana: a forma como ele trata de grandes temas e sentimentos com as mais simples palavras. Vou voltar a muitos desses poemas!
Mário Quintana já falava do viés de confirmação muito antes de os cientistas cognitivos abraçarem o mundo:
"DOS SISTEMAS Já trazes, ao nascer, tua filosofia. As razões? Essas vêm posteriormente, Tal como escolhes, na chapelaria, A fôrma que mais te assente..."
Quintana de Bolso é uma compilação abrangendo poesias selecionadas das principais obras de Mário Quintana. Este é um ótimo ponto de partida para quem nunca teve contato com um livro do autor e finalmente decidiu conhecê-lo melhor. Por ser uma coletânea de diversas obras, ainda há a vantagem de auxiliar o leitor a escolher o seu próximo livro de acordo com o que mais lhe apetecer.
Dizer que os textos de Quintana são capazes de hamornizar com perfeição o erudito com o cotidiano já se tornou lugar-comum. Para que tentar descrever sua poesia, se ele mesmo já o fez de forma notável?
"DEDICATÓRIA Quem foi que disse que eu escrevo para as elites? Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond? Eu escrevo para a Maria de Todo o Dia. Eu escrevo para o João Cara de Pão. Para você, que está com este jornal na mão... E de súbito descobre que a única novidade é a poesia, O resto não passa de crônica policial - social - política. E os jornais sempre proclamam que "a situação é crítica"! Mas eu escrevo é para o João e a Maria, Que quase sempre estão em situação crítica! E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão nosso de cada dia E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão."
É a mesma ruazinha sossegada, Com as velhas rondas e as canções de outrora... E os meus lindos pregões da madrugada Passam cantando ruazinha em fora!
Mas parece que a luz está cansada... E, não sei como, tudo tem, agora, Essa tonalidade amarelada Dos cartazes que o tempo descolora...
Sim, desses cartazes ante os quais Nós às vezes paramos, indecisos... Mas para quê?... Se não adiantam mais!...
Pobres cartazes por aí afora Que inda anunciam: - ALEGRIA - RISOS Depois do circo já ter ido embora!...
XVII
Da vez primeira em que me assassinaram Perdi um jeito de sorrir que eu tinha... Depois, de cada vez que me mataram, Foram levando qualquer coisa minha...
DA AMIZADE ENTRE MULHERES Dizem-se amigas... Beijam-se... Mas qual! Haverá quem nisso creia? Salvo se uma das duas, por sinal, For muito velha, ou muito feia...
Alguém tem um livro de poesia feminista pra me indicar?
O gaúcho Mario Quintana (1906/1994) foi tradutor, escritor e poeta. Era conhecido como o poeta das “coisas simples” mas essa simplicidade era apenas aparente sendo seu estilo eivado de malícia, ironia, profundidade e, de acordo com especialistas, marcado por perfeição técnica. Teve grande atuação como jornalista por toda a sua vida profissional. Como poeta produziu obras primas como “A rua dos cataventos” (1940), “O aprendiz de feiticeiro” (1950) e “Espelho mágico” (1951) e traduziu mais cento e trinta obras da literatura mundial entre elas os clássicos “Em busca do tempo perdido” de Marcel Proust e “Mrs. Dalloway” de Virginia Woolf Este pequeno livro, parte integrante da bela coleção chamada “L&PM POCKET é uma bela oportunidade de conhecer a obra poética desse grande mestre da poesia. Confesso preferir a literatura em prosa à poesia mas, de tempos em tempos, faço questão de conferir os clássicos como uma forma de me aproximar um pouco do gênero. A qualidade da poesia presente nesse pequeno e objetivo livro chama a atenção e nos cativa de cara. Vale a pena reproduzir alguns exemplos do impecável e brilhante trabalho do mestre Mario Quintana presentes nessa obra.
Esses inquietos ventos
Esses inquietos ventos andarilhos Passam e dizem: “Vamos caminhar. Nós conhecemos misteriosos trilhos, Bosques antigos onde é bom cismar…
E há tantas virgens a sonhar idílios! E tu não vieste, sob a paz lunar, Beijar os seus entrefechados cílios E as dolorosas bocas a ofegar…”
Os ventos vêm e batem-me à janela: “A tua vida, que fizeste dela?” E chega a morte: “Anda! Vem dormir…
Faz tanto frio… E é tão macia a cama…” Mas toda a longa noite inda hei de ouvir A inquieta voz dos ventos que me chama!
O umbigo
O teu querido umbiguinho, Doce ninho do meu beijo Capital do meu Desejo, Em suas dobras misteriosas,
Ouço a voz da natureza Num eco doce e profundo, Não só o centro de um corpo, Também o centro do mundo!
Soneto póstumo
– Boa Tarde… – Boa Tarde! – E a doce amiga E eu de novo, lado a lado vamos! Mas há um não sei quê, que nos intriga: Parece que um ao outro procuramos…
E, por piedade ou gratidão, tentamos Representar de novo a história antiga. Mas vem-me a idéia… nem sei como a diga… Que fomos outros que nos encontramos!
Não há remédio: é separar-nos pois. E as nossas mãos amigas se estenderam: -Até breve! – Até breve! – E, com espanto
Ficamos a pensar nos outros dois. Aqueles dois que a tanto já morreram… E que, um dia se quiseram tanto!
Espelho mágico (livro publicado em 1951 em que o mestre tece “pérolas de sabedoria”.
DAS BELAS FRASES Frases felizes... Frases encantadas... Ó festa dos ouvidos! Sempre há tolices muito bem ornadas... Como há pacóvios bem vestidos.
DAS UTOPIAS Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que triste os caminhos, se não fora A presença distante das estrelas!
Das Ilusões Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. Com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entretanto, após cada ilusão perdida… Que extraordinária sensação de alívio!
Dos Nossos Males A nós nos bastem nossos próprios ais, Que a ninguém sua cruz é pequenina. Por pior que seja a situação da China, Os nossos calos doem muito mais…
Da Eterna Procura Só o desejo inquieto, que não passa, Faz o encanto da coisa desejada… E terminamos desdenhando a caça Pela doida aventura da caçada.
Do Pranto Não tente consolar o desgraçado Que chora amargamente a sorte má. Se o tirares por fim do seu estado, Que outra consolação lhe restará?
Da amizade entre mulheres Dizem-se amigas… Beijam-se… Mas qual! Haverá quem nisso creia? Salvo se uma das duas, por sinal, for muito velha, ou muito feia…
Da Felicidade Quantas vezes a gente, em busca da ventura, Procede tal e qual o avozinho infeliz: Em vão, por toda parte, os óculos procura, Tendo-os na ponta do nariz!
Do Amoroso Esquecimento Eu, agora – que desfecho! Já nem penso mais em ti… Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci?
Da discrição Não te abras com teu amigo Que ele um outro amigo tem. E o amigo de teu amigo Possui amigos também…
Da Preguiça Suave preguiça, que do mau-querer E de tolices mil ao abrigo nos pões… Por causa tua, quantas más ações Deixei de cometer!
Do ovo de Colombo Nos acontecimentos, sim, é que há destino: Nos homens, não – Espuma de um segundo… Se Colombo morresse em pequenino, O Neves descobria o novo mundo!
Da calúnia Sorri com tranquilidade Quando alguém te calunia. Quem sabe o que não seria Se ele dissesse a verdade…
De como perdoar aos inimigos Perdoas… És cristão…Bem o compreendo… E é mais cômodo, em suma. Não desculpes, porém, coisa nenhuma, Que eles bem sabem o que estão fazendo…
simplicidade que rebusque o efeito de sentir na projeção espectral dos sentidos e das experiências na forma de poesia. o lugar em que vivemos pode nos segredar a vida abrigada, de um pertencimento desconhecido, repleto pelo silêncio, a solidão dos detalhes. nesse não-lugar presente, a morte como lugar para repouso, uma “serena beleza com algo de eternidade” permite “Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de poema”. o transe imersivo entre profundidade e fluidez impulsiona o espírito para a criação emotiva que dá autoria para os sentimentos que despertam o poema e nos deixa a indagar que razão se encontra para o forte de se sentir, diante essa tanta existência no tempo.
“Meu saco de ilusões, bem cheio tive-o. Com ele ia subindo a ladeira da vida. E, no entretanto, após cada ilusão perdida... Que extraordinária sensação de alívio!”
[Mario Quintana de Bolso, Das ilusões], de Mario Quintana (1906-1994)
Pena que às vezes levamos décadas para aprender que ilusões perdidas foram feitas para aliviar nosso fardo e não para nos sobrecarregar com sofrimentos desnecessários.
Poemas vem, vão; Significam? Se estabelecem? Margeiam a vida e dela se nutrem, mas nunca a substituem. Esse rio verdadeiro que segue constante e olha pras margens E vê nos poemas uma realidade, Falsa porém. Verdadeira, só a água.
Quintana é único na literatura brasileira, o que fica evidente desde este que foi seu primeiro livro. Em 35 sonetos, com o rigor formal que futuramente abandonaria, o poeta trata com seu estilo singular de temas cotidianos. A fórmula que segue é simples e magistral: tendo como ponto de partida pequenos retratos ou relatos corriqueiros, Quintana desenha, por meio de uma ótica que destila o fantástico do trivial e de ricas construções visuais, poemas dotados de melancolia, sutileza, ironia e beleza. Alheio ao mundo "tradicional", em que não se encaixa jamais, o poeta direciona seu foco àqueles com que se identifica: "os loucos, os mortos e as crianças". Acima de tudo, Quintana reclama uma contemplação onírica e infantil, no melhor sentido da palavra, do mundo que nos cerca.
“Minha morte nasceu quando eu nasci. Despertou, balbuciou, cresceu comigo… E dançamos de roda ao luar amigo Na pequenina rua em que vivi.
Já não tem mais aquele jeito antigo De rir e que, ai de mim, também perdi! Mas inda agora a estou sentindo aqui, Grave e boa, a escutar o que lhe digo:
Tu que és a minha doce Prometida, Nem sei quando serão as nossas bodas, Se hoje mesmo… ou no fim de longa vida…
E as horas lá se vão, loucas ou tristes… Mas é tão bom, em meio às horas todas, Pensar em ti… saber que tu existes!”
Adoro sonetos, principalmente aqueles que trazem uma pitada de melancolia (se não de tragédia). Por isso, gostei especialmente dos sonetos que tratam da dualidade entre morte e vida, ou do sentir-se impelido ao movimento. Além disso, para um primeiro livro de poesia, Mário Quintana caprichou na construção das imagens. Gosto disso, poesia imagética e sentimental, mais do que abstrata.