Os Açores com todo o seu mistério e isolamento. A busca de uma identidade pessoal num dos territórios mais perigosos e livres, onde não existe distinção entre realidade e ficção. Um homem volta à sua terra para cumprir uma missão que lhe foi atribuída por um avô que morreu: a de recolher histórias recentes dessa terra, a ilha de São Miguel, nos Açores. Esta é a narrativa de um regresso aos lugares onde cresceu e um duplo diálogo: com o antepassado que lhe deixou uma herança inesperada e com o presente insular impuro, algures entre o sagrado e o profano. Um livro de histórias que se cruzam.
As histórias do avô, internado na estância do Caramulo, durante os anos 40 do século passado, e as das personagens com as quais o protagonista se vai encontrando: um navegador francês em apuros, um traficante de droga ressentido, uma stripper ruiva com anúncio no jornal, um homem que voltou para vingar uma recusa antiga, um fã de Kafka que descobriu que o escritor tinha o sonho de viver nos Açores, um casal chinês que procura a integração num arquipélago estrangeiro, alguém que caminha de madrugada com um terço na mão.
Céu Nublado com Boas Abertas é também a busca de uma identidade pessoal num dos territórios mais perigosos e livres, onde não existe distinção entre realidade e ficção: a literatura.
33 anos, criativo, guionista e escritor. Escreveu: "Melancómico - Aforismos de Pastelaria", "O Inferno do Condomínio", "Dez Regressos", "Os Dias Não Estão para Isso" e está representado na antologia do blogue "Desejo Casar" e do livro do colectivo "Urgências". Trabalha no Rádio Clube Português, onde é coordenador criativo e co-autor do programa "Quase famosos" . Colaborou com, entre outras publicações, o DNA, a revista Ler e a Grande Reportagem. Foi autor do guião do musical "Assobio da Cobra" e co-autor de "Portugal, uma Comédia Musical" e de "Stand-Up Tragedy". Foi membro fundador do grupo "Manobras de Diversão". Foi criativo do programa Zapping, editor de Serviço Público e, neste momento, é autor de vídeos para o programa "Boa Noite Alvim”. Dá regularmente aulas de escrita criativa nas Produções Fictícias. Foi também autor de alguns sketches do programa “Os Contemporâneos”.
“Os açorianos precisam do Bom Jesus dos Aflitos, como ou sem ermida. Este sempre foi um povo de aflitos – é daí que vem a religião, socorro para quem suportou sem ajudas intempéries e humores meteorológicos. Um povo aflito que habita em ilhas de vulcões, terramotos, pilhadas por piratas, feita de gente que desbravou uma terra agreste e que, no meio de tanta aflição, rezou, implorou numa prece aflita, dominada pelo medo das intempéries, numa terra que tem tanto de belo como de tenebroso.”
Tudo começa na casa dos avós maternos, num bairro lisboeta da Estefânia, com Nuno Costa Santos a olhar para o livro escrito pelo avô. Um homem do qual se recorda estar sempre acompanhado com “uma garrafa de oxigénio comprida e estreita de onde saíam tubos que se ligavam às narinas”. A obra escrita pelo seu avô relata a dolorosa experiência de seis anos de tratamento – entre os anos 40 e 50 – no sanatório do Caramulo, contra um dos maiores males na época: a tuberculose. Mas, ao arrumar o livro do avô na estante, um pedido acaba por cair aos seus pés: que um descendente com interesse pela escrita viaje até São Miguel, nos Açores, para recolher histórias mais recentes da terra.
Céu Nublado com Boas Abertas (Quetzal, 2016) balança entre o êxtase da descoberta e uma certa melancolia presente em cada pessoa que o autor – e também protagonista – vai encontrando, na sua viagem a São Miguel, e na história do seu avô. Ao longo das páginas, a história do avô de Nuno Costa Santos vai-se misturando com todas as histórias encontradas – e devidamente anotadas – na ilha. Um desejo por uma vida simples, com a esposa Manuela ao seu lado para terminar com o namoro de “falar à janela”, acaba por ser apanhado pela tuberculose, doença tão fatal nos anos 40, arrastando toda a família para a sua tristeza e dor: “Eu tivera azar e arrastei-a na minha adversidade. E por isso a tristeza, a dor, a revolta íntima, era mais intensa, mais profunda, com laivos de traição”. Uma história tão desesperada por a morte nunca ser uma hipótese descartada, e que acaba por se misturar com as pequenas descobertas feitas pelo autor à medida que vai revivendo os seus lugares da infância em S. Miguel.
(Comprem nas vossas Livrarias Independentes, aos Vossos Livreiros. SEMPRE que possam.) «Céu nublado com boas abertas» permitiu-me abrandar o ritmo. Ao terminá-lo, lembrei-me de um dizer célebre do José Saramago: «Se puderes olhar, vê. Se puderes ver, repara.». Tem a cadência e a respiração de quem conhecendo a urgência da vida percebe outra necessidade, não menos essencial: tempo para estar, para contemplar, para ouvir os outros, colocar-se nos seus sapatos, sentir-lhes a pulsação. Encerra frases tão boas que são romances completos. Há uma candura, na escrita do Nuno, de quem mantém a capacidade para se maravilhar com o pormenor, com as coincidências, com a vida simples. E há a sua singular auto-ironia, nada inocente, que nos desenha sorrisos e arranca gargalhadas, tornando o ar mais respirável numa história em que a morte espreita o tempo todo. Assim me chegaram os Açores e, mais profundamente, São Miguel. Revisitei lugares, relembrei sabores, aprendi expressões locais, costumes e tradições das gentes das ilhas. A paisagem descrita, pormenorizada e apaixonadamente, inscreve-se na memória. Li a fauna, a flora, a paisagem como se me encontrasse defronte aos mais belos postais da região ou regressasse aonde estive há uns anos. O arquipélago está vivo nesta narrativa. Conheci as suas manhas, as paixões, as intempéries, as injustiças, as aflições do povo e a redenção que tarda, tantas vezes, para os, cito-o, magoados do coração. Faz-se a viagem com o Nuno Costa Santos, com o avô materno, João Pereira da Costa, e a família que construíram, numa partilha generosa, de ambos, em que o que são as suas biografias e a ficção que criaram, para nos oferecerem, se enleiam num abraço-ternura. Adoeci com eles. Faltou-me o ar, em simultâneo. Ansiei a cura das doenças fisiológicas (A tuberculose, a asma.) e das doenças da alma (O ressentimento, a melancolia.), acompanhada pela banda sonora que o melómano autor seleccionou. Entre o azul do céu e o do mar, nos Açores, há muitos tons de verde, tantos, quantos os matizes dos sentimentos que experimentei nesta trama. Da bondade à maldade, do rancor ao perdão, da solidão à solidariedade, da depressão ao humor que salva. Fiquei com vontade de pegar na mão de cada um dos fecundos personagens, Laureano, a mulher de lenço na cabeça, Neuza, Marinho, Milton, Étienne e derivar para outros enredos, tal como peguei nas pistas das inúmeras referências literárias, para perseguir novas leituras. Nesse sentido, este é um livro sem fim. Cumpriu, penso, o seu objectivo maior. Resgatar a esperança. A do avô que lançou o desafio, anos mais tarde escutado e respondido pelo amor do neto escritor. A dos leitores.
Até no céu mais carregado o sol se revela em boas abertas.
I wish the author had just focused on the story of the family, and the return to the island and his roots. The crazy story about drugs and the even crazier characters that come in and out of the narrative are a distraction. A good book, not great.