Oitavo livro de poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, «Geografia» foi publicado pela primeira vez em 1967, pelas Edições Ática. Deste livro fala-nos Frederico Lourenço, eloquentemente, no seu prefácio a esta edição: «Trata-se de um livro cujo carisma de perfeição tenho vindo a confirmar renovadamente através de sucessivas releituras ao longo de várias décadas: livro onde não encontro somente alguns dos momentos mais altos da obra da autora, porque nele se encontram alguns dos momentos mais extraordinários de toda a história da poesia em língua portuguesa. Digo mais: "Geografia" contém enunciados poéticos que disputam com famosos versos de Virgílio, de Racine e de Keats a palma do verso mais belo da literatura universal.»
A presente edição respeita a fixação de texto resultante do trabalho de Maria Andresen Sousa Tavares e Carlos Mendes de Sousa, e mantém a antiga grafia.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919. Entre 1936 e 1939 frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que não concluiu. Foi Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores e Deputada à Assembleia Constituinte, pelo Partido Socialista (1975). A sua obra reparte-se pela ficção e pela poesia, embora seja nesta última que a sua inspiração clássica dá ao seu verso uma dimensão solar e luminosa, que permite ouvir nitidamente a palavra com todo o peso da sua musicalidade limpa, ao encontro do modelo clássico. Entre as suas obras poéticas contam-se Coral (1950), Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962), Geografia (1967), Navegações (1983), Ilhas (1989), Musa (1994) e O Búzio de Cós e Outros Poemas (1997). Em ficção publicou Contos Exemplares (1962) e Histórias da Terra e do Mar (1983). Da sua literatura infantil destacam-se O Rapaz de Bronze (1956), A Menina do Mar (1958), A Fada Oriana (1958), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e A Floresta (1968). Em 1999 é-lhe atribuído o Prémio Camões, pelo conjunto da sua obra, e em 2001 ganha o Prémio Max Jacob de Poesia. Foi condecorada pela Presidência da República com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1998. Faleceu em Lisboa, a 2 de Julho de 2004.
POESIA DE INVERNO IV Meu coração busca as palavras do estio Busca o estio prometido nas palavras
O meu único problema com a poesia de Sophia de Mello Breyner é a saudade que me faz sentir do verão. Ainda falta muito…?
POEMA A minha vida é o mar o Abril a rua O meu interior é uma atenção voltada para fora O meu viver escuta A frase que de coisa em coisa silabada Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações Olho e confronto E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar São minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade Pois nenhum outro senão o mundo tenho Não me peçam opiniões nem entrevistas Não me perguntem datas nem moradas De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente Cada dia preparada
“Geografia” foi dado pela primeira vez ao prelo em 1967, época de repressão e silenciamento em que a vida interior teria de prevalecer para se manter a sanidade mental. Quase 60 anos depois, ainda fazem sentido as palavras de Sophia.
Lá fora, na rua, sob o peso do mesmo sol, outras coisas me são oferecidas. Coisas diferentes. Nada têm em comum comigo nem com o sol. Vêm de um mundo onde a aliança foi quebrada. (…) Mundo que pode ser um habitat mas não é um reino. O reino agora é só aquele que cada um por si mesmo encontra e conquista, a aliança que cada um tece. Este é o reino que buscamos nas praias de mar verde, no azul suspenso da noite, na pureza da cal, na pequena pedra polida, no perfume do orégão.
That's a work marked by lyrical language and poetic images by Sophia de Mello Breyner, which characterize the geographic content. Landscapes, places, and cities that have a sense of the living represent imaginative and affective resonances of their existence.
PT: Estou longe de ser uma entendida em poesia, portanto esta opinião vale o que vale. Gostei muito deste livro e vou certamente ler mais da obra poética de Sophia.
Se já dei estrelas a menos por causa do final dos livros, neste dou mais uma pelo mesmo motivo.
Sendo Sophia é sempre muito bonito. Mas pareceu-me disperso e saltitante entre temas. Volta muito à Grécia e, talvez sem motivo, não estava à espera disso depois de um início muito centrado na casa, na luz e na interioridade.
Termina com dois pequeníssimos ensaios (ou talvez nem isso se possam chamar) sobre a Arte Poética. E é aí que me reconcilio e não consigo deixar de voltar ao ponto que sempre encontro na Sophia: é verdadeiro de forma muito próxima, mostra-se verdadeiro na nossa vida sem ser preciso grandes elaborações ou explicações. Instintivamente verdadeiro.
“Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.”
“Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta (…).”
“O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como um arco, exactamente vividos.”
O olhar de Sophia de Mello Breyner Anderson possuir uma dupla dimensão que pender às pequenas coisas e, num dado momento, a uma paisagem que se une ao todo, uma relação que acaba por definir uma vivacidade dos instantes.
Instante, solidão e silêncio. Três palavras/temáticas que a autora refere neste livro. A poesia de Sophia instala-se na relação com o espaços e a realidade (material ou espiritual, histórica e até mítica).
Em Geografia percorremos praias do Algarve, as ilhas gregas e até o Brasil. Toca na política e na cultura. Mas são os poemas sobre a solidão, a noite e o tempo que mais me fascinaram. Os poemas encerram-se na sua generalidade com brevidade, são sintéticos e diretos, há uma grande riqueza melódica que se alia a contraposições rítmicas.
- Geografia no sentido literal da palavra: Sophia leva-nos por uma viagem pelo mediterrâneo, pela Grécia, Itália e por toda a sua história. Leva-nos até casa. Deixa-nos com o desejo de conhecer in loco todos estes locais da sua vida.
"Eu me perdi na sordidez do mundo Eu me salvei na limpidez da terra
Eu me busquei no vento e me encontrei no mar"
- Geografia histórica: as guerras civis e a ditadura portuguesa presentes de forma pungente e muito clara.
- Geografia religiosa: a busca por Deus e pelos deuses aqui presente, a espiritualidade presente mais que nunca.
"Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro Sabendo que o real o mostrará"
Geografia nas suas várias vertentes, inicialmente parecendo tudo um pouco caótico e desconexo, até que o fio condutor chega e liga todas estes pedacinhos de mais uma magistral obra de Sophia.
A quem nunca leu a poesia de Sophia recomendo este como primeiro livro. Aos brasileiros há um gosto especial por conta de um capítulo dedicado ao português brasileiro, a Brasília e a Manuel Bandeira.