“Doçura, inteligência, graça, suavidade – lembra? Também imaginei que estivessem em extinção, mas descobri que seguem vivas nas páginas de Que ninguém nos ouça. Não que seja uma literatura para mocinhas inocentes: o assunto muitas vezes é barra. Nem Leila, nem Cris saltaram de um conto de fadas. Porém, mesmo quando confidenciam a parte trash de suas trajetórias, a delicadeza continua mantendo o tom. Amargas? Nem que quisessem. Nem que tentassem. É o único talento que elas não têm.
Duas mulheres incomuns e com experiências singulares: só pelo voyeurismo consentido, já valeria dar uma espiada nessa troca de e-mails entre as duas. Porém, basta abrir a primeira página para perdermos a ilusão de que teremos algum controle sobre a leitura. É a Leila e a Cris que seguram o leitor nas mãos: fisgado e rendido, ele ficará preso até a última linha, quando então retornará à vida acreditando novamente na espécie humana.” MARTHA MEDEIROS
Gosto de sair da minha zona de conforto na leitura. Mesmo assim repito tendências. Além de ficção literária leio biografias, história, ficção histórica, ensaios, crônicas e contos, crônicas de viagem. Cheguei a "Que ninguém nos ouça" através da recomendação de um amigo, já que ando à procura de boas obras brasileiras que não exijam um PhD em niilismo para serem apreciadas. Seleciono livros para o projeto Eu também leio, de incentivo à leitura. Por isso, alargo meus horizontes, sobretudo no âmbito nacional.
Desde que passamos a nos comunicar eletronicamente filmes e livros têm refletido essa atividade. No cinema, Mensagem para você (1998) foi um grande sucesso entre comédias românticas do final do século. Há muitos livros que usaram o mesmo conceito de trocas de emails, como parte da trama. Todos seguem a antiga tradição de romances epistolares entre os quais está "As relações perigosas" do francês Chordelos de Laclos, tão ao gosto das intrigas de alcova do século XVIII. Essa obra teve um renascimento depois que foi adaptada para o teatro e mais tarde alvo de uma série televisiva. Usando a mesma técnica epistolar, adaptada ao email, li num passado próximo, "A pesca do salmão no Iêmen", de Paul Torday, que também se tornou obra cinematográfica e a deliciosa obra de Fal Azevedo, "Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite", merecedora de mais atenção do que recebeu desde que foi publicada em 2007.
Careço entender o sucesso de "Que ninguém nos ouça". Situada tanto na tradição epistolar quanto na corrente brasileira de crônicas do cotidiano, essa publicação não chega a satisfazer qualquer dessas categorias. Falta-lhe fundura. Trata-se de uma coletânea de emails entre duas mulheres desprovida de argúcia ou estilo. Precisava de um bom editor, que se dedicasse à eliminação de repetições, que sugerisse cortes para maior realce a textos de interesse geral. Leitores citam leveza e simplicidade como qualidades do livro. Uma obra despretensiosa não precisa ser rasa para ter charme. Magnetismo vem justamente da frase bem aplicada e significativa, sem dar espaço ao lugar comum. Infelizmente a chamada sabedoria, filosofia de vida, mencionada pelos leitores deste livro não passa de frases para cartões de aniversário, de amizade, de apoio ao amigo em apuros, frases usadas em cartões vendidos em papelarias de bairro. Elas também servem para postagem nas páginas do Facebook, como truísmos ou verdades incontestáveis. A obra é repleta dessas banalidades. As trivialidades são intermitentes. E as situações cotidianas descritas pelas autoras pintam clichês que não atiçariam a curiosidade do mais dedicado voyeur.
Entendo que essa publicação não tem objetivo de obra literária, ainda que suas autoras sejam ambas escritoras. Temos maravilhosos mestres da crônica que abordaram assuntos triviais e conseguiram tornar esses pequenos ensaios verdadeiras obras de arte. Seria bom se ambas as autoras tivessem se inspirado nesses mestres do cotidiano e desenvolvido uma obra de maior peso.
Esse foi um dos livros mais difíceis de terminar de 2019. Confesso que comecei por dois motivos: ser voyeur da vida alheia (algo que adoro) e por estar interessada quais assuntos duas mulheres com realidades completamente diferentes da minha poderiam conversar. Terminei pensando: "que desperdício de horas. Poderia ter lido outra coisa". Talvez seja a decepção de perceber que, independente da idade, a gente está sempre insatisfeito e olhando para a vida mais com decepção, julgamento e crítica do que com alegria. Não consegui me identificar com os problemas de nenhuma das mulheres, mas eu me sentia rolando os olhos quando lia os e-mails da Cris, porque temos visões tão diferentes do amor romântico. Talvez eu devesse ter levado o título mais a sério, afinal, esse é, realmente, um livro de terapia; só que, quando não é a sua, não seja tão esclarecedora e interessante.
2.5 mas com alguns trechos que fizeram a leitura valer a pena.
Citações favoritas:
“A natureza não me impediu de ter filhos, não me interditou, não foi cúmplice do meu medo. E foi medo, mesmo, o que me moveu - ou paralisou. Medo de ser a mãe depressiva. De não saber isolar minha tristeza e deixar que ela perambulasse pela casa, se instalando nos berços, nas caixas de brinquedos, no olhar ainda incerto de quem teria de aprender comigo a sorrir. (…)Preferi renunciar ao posto de mãe. Preferi deixar que minha tristeza fosse só minha.” (Pág. 27)
“Mas gosto mesmo - meeesmo - é de ficar em casa. Quieta, sossegada, tomando café e lendo. (…)Somos uma família de bichos do mato, pessoas que adoram gente, mas fogem de vida social.” (Pág. 121)
“O que eu acho mais difícil é a fé no que é humano, não-transcendente. Acreditar nas pessoas, nos amores, nos afetos, a ponto de se entregar por inteiro, baixar a guarda, se movimentar em direção ao outro sem reservas.” (Pág. 125)
Esse livro é faz companhia quando eu me senti sozinha. Me fez carinho na alma e me deu uma sensação de alívio enorme ao me mostrar que "ufa! Não sou só eu". Leila e Cris, obrigada, obrigada, obrigada por isso.
A melhor parte do livro é ó prefácio da Martha Medeiros. A correspondencia entre as duas mulheres é repetitiva e monótona. Falta humor, falta profundidade. Foi difícil chegar ao fim.
A troca de e-mails entre a Leila e a Cris é realmente uma terapia virtual, como elas chamam. Vai de assuntos leves e corriqueiros a temas que falam sobre perda, sobre medos, sobre solidão, sobre ansiedade, sobre a presença e a falta, sobre a pressão sofrida pela mulher. Os temas são diversos e é impossível não se identificar com (muitos ou poucos) trechos durante a leitura.