Em Caminhos Cruzados dramas, angústias e devaneios de vários personagens se entrecruzam na Porto Alegre dos anos 30. A sonhadora Chinita emula estrelas de cinema em seu palacete prestes a ser inaugurado. Leitão Leiria não hesita em despedir funcionários para dar lugar a protegidos. Desempregado, Jõao Benévolo imagina que é um dos três mosqueteiros. Fernanda e Noel descobrem a força e a precariedade de amar num mundo hostil. O resultado, explica Erico, é "uma espécie de mural pintado com pistola automática". Ali se retratam a hipocrisia que permeia as relações sociais, o descalabro travestido de caridade, o abismo entre as classes e a solidão e a angústia que perpassam o destino humano. Apresentação de Antônio Candido e prefácio de Moacyr Scliar. *descrição da contra-capa da publicação
Erico Verissimo (December 17, 1905 - November 28, 1975) is an important Brazilian writer, who was born in Rio Grande do Sul. His father, Sebastião Veríssimo da Fonseca, heir of a rich family in Cruz Alta, Rio Grande do Sul, met financial ruin during his son's youth. Veríssimo worked in a pharmacy before obtaining a job at Editora Globo, a book publisher, where he translated and released works of writers like Aldous Huxley. During the Second World War, he went to the United States. This period of his life was recorded in some of his books, including: Gato Preto em Campo de Neve ("Black Cat in a Snow Field"), A Volta do Gato Preto ("The Return of the Black Cat"), and História da Literatura Brasileira ("History of Brazilian Literature"), which contains some of his lectures at UCLA. His epic O Tempo e o Vento ("The Time and the Wind'") became one of the great masterpieces of the Brazilian novel, alongside Os Sertões by Euclides da Cunha, and Grande Sertão: Veredas by Guimarães Rosa. Four of Veríssimo's works, Time and the Wind, Night, Mexico, and His Excellency, the Ambassador, were translated into the English language by Linton Lomas Barrett. He was the father of another famous writer of Rio Grande do Sul, Luis Fernando Veríssimo.
"Caminhos Cruzados"—Crossed Paths—is a renowned work by Erico Veríssimo, first published in 1935. The novel is set in Porto Alegre and explores the intertwining lives of its characters. It provides an in-depth analysis of human behavior in a changing social and political scenario. The plot revolves around the search for identity, love, and the fight against adversity, reflecting on interpersonal relationships and each person's life trajectory.
Durante os cinco dias que estruturam esta narrativa, acompanhamos a vida quotidiana de vários personagens. Num cenário urbano do Brasil dos anos 30, o autor serve-se de uma mescla bastante heterogénea de elementos, para nos expor uma realidade carregada de contrastes individuais e sociais.
Encontrei neste livro algumas das mesmas problemáticas e reflexões de "Olhai os Lírios do Campo", uma outra obra de Erico Veríssimo que muito me impressionou. Penso que estes dois livros poderão ser equiparáveis em termos de qualidade, contudo a leitura de "Olhai os Lírios do Campo" foi para mim uma experiência de leitura superior a esta. Deveu-se isso talvez ao grande número de personagens deste livro e ao "saltar de uns para outros" não dando aquele "tempo" enquanto leitora para me ter sentido verdadeiramente ligada e embrenhada na história de cada um.
Contudo, apesar de ter gostado um pouco mais de "Olhai os Lírios do Campo", este "Caminhos Cruzados" não deixou de ser uma excelente leitura.
Maravilhoso! Já no prefácio do autor fiquei arrepiada! Apesar de ter sido escrito na década de 30, aponta questões muito atuais; é um verdadeiro tapa na cara. Te faz pensar: "não é possível que eu sou assim", é impossível não se ver em pelo menos um dos personagens. 100% recomendado.
Um dos melhores escritores de sempre em língua Portuguesa. A vida entrecruzada de gente de várias condições sociais no Brasil de outrora. Um bom livro.
"João Benevolo admira os ricos como a criaturas dum mundo remoto completamente fora de seu alcance e aceita-os quase como os povos antigos aceitavam seus reis - por direito divino".
Os conflitos desse livro, encontros e desencontros e a incrível representação da cultura brasileira fazem com que a obra seja deliciosa ( e acaba por nos ensinar uma coisa ou outra sobre a vida e a sociedade).
É um livro muito humano, cada personagem transborda humanidade, cada um tem as suas características próprias, seus defeitos e algumas pequenas qualidades
A ideia de retratar por 5 dias algumas famílias foi sensacional. Elas existem antes e depois do livro; o livro foi apenas um retrato daqueles poucos dias; tudo pode acontecer e nada pode acontecer, exatamente como cada dia em nossas longas vidas
Lendo o livro em 2025, exatamente há 90 anos, eu vejo muitos traços que a nossa sociedade ainda guarda, especialmente o aspecto conservador. Comunismo ainda é um mal a ser combatido, o cristianismo ainda é um bem a ser alcançando
Ainda assim, eu consigo ver inúmeras evoluções em nossa sociedade, tanto do ponto de vista dos costumes quanto dos direitos positivos
Naquela época, com disposição expressa na Constituição de 1934, o casamento era indissolúvel. Um dos personagens da “alta sociedade” tem amantes e defende ferozmente a indissolubilidade do casamento
Apenas na década de 70 foi criada a possibilidade de divórcio, até então não era possível casar-se novamente, mesmo com a decretação da separação judicial, surgindo a figura da “amásia”
Obviamente nem sequer cogitava-se casamento homoafetivo, guarda afetiva e assim por diante …
Os avanços não ficam apenas na esfera privada, no âmbito público muito se avançou; na saúde pública, criou-se o INAMPS, depois o SUS; o acesso à Justiça foi cada vez mais democratizado, especialmente com a criação da Defensoria Pública; os benefícios do estado em assistência social; as cotas em universidade e em concurso público (o próprio concurso público somente virou obrigatório em 1988).
Mas ainda assim, o medo ao comunista perpetua-se em nossa sociedade; até quando a sociedade temerá a mamadeira de piroca?
Outra questão muito marcante no livro é a dualidade entre pobres e ricos; a personagem Fernanda é a mais visível, justamente por ela ter vivido nos dois mundos e ter a consciência de ambos os lados
Por fim, achei realmente impressionante um autor da década de 30 descrever tão abertamente um estupro e uma personagem lésbica (não sei se é preconceito meu, mas não imagino que esse assunto era algo tratado em diversas obras)
Bom, é certamente uma obra que se poderia fazer análise muito profunda de cada trecho e personagem
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As dificuldades existem em famílias abastadas sim, mas dói muito mais em quem não tem o que comer. Uma história em especial doeu em mim... 😢 Erico Verissimo sabe tocar nas feridas de seus leitores, ainda que de maneira poética.
Uma pequena jóia ,com retratos e contrastes sociais entre ricos e pobres dos anos 30.Não diria que é uma viagem no tempo pois é atemporal. Breves capítulos, personagens atraentes e termina de forma incerta como a própria vida...
Érico Veríssimo (1905/1975) é um dos maiores escritores da literatura brasileira. Autor de super clássicos de nossa literatura como “Clarissa”, “Olhai os lírios do campo”, “Um certo capitão Rodrigo”, “Incidente em Antares” e a trilogia “O tempo e o vento” o escritor gaúcho criou histórias e personagens que prendem a atenção, divertem e acima de tudo provocam intensas reflexões acerca da sociedade brasileira e suas mazelas. “Caminhos cruzados” é o terceiro livro de Érico Veríssimo que, sucesso de público e de crítica, consolidou a carreira do autor que, ao lado de Jorge Amado e de Paulo Coelho compõe o seleto grupo de escritores que conheceram a fama em vida ao lado da independência financeira exclusivamente com a venda de seus livros. Embora não se considerasse um inovador e “apenas’ um “contador de histórias” Érico Veríssimo fez uso em “Caminhos cruzados” de um recurso ousado em termos literários que dá certo apenas nas mãos de um mestre como ele. Esta obra não possui personagens principais. Possui na verdade vários personagens cujos caminhos se cruzam na hipócrita, machista, homofóbica, elitista e injusta sociedade gaúcha da década de trinta do século passado. Além disso os breves 120 capítulos do livro são narrados por diferentes pontos de vista oriundos dos vários personagens que fazem parte das tramas que são interligadas com habilidade pelo autor. A família do “coronel” Zé Maria, um pequeno comerciante da pacata Jacarecanga (RS) ganha uma fortuna na loteria e decide migrar para Porto Alegre na esperança de que o dinheiro abrisse as portas da alta sociedade da capital gaúcha. Seu filho – Manuel – deslumbra-se com a nova vida e entrega-se à esbórnia. Sua esposa – Maria Luíza – entristece-se. Não queria deixar Jacarecanga e a vida simples mas honesta e calorosa. Sua filha – Chinita – apaixona-se pelo aproveitador e arrivista Salu. O “coronel” busca aproximar-se da família do grande comerciante Leitão Leiria, influente na capital e que despreza os novos ricos mas, hipocritamente, respeita a fortuna que eles trazem. A esposa de Leitão Leiria – Dona Dodó – moralista e próxima da Igreja Católica lidera as “Damas Piedosas” que fazem caridade em Porto Alegre mais em busca de publicidade e bajulações do que de ajudar o próximo. A filha do casal – Vera – insatisfeita e carente tenta escapar das investidas do “almofadinha” Armênio ao mesmo tempo em que sonha com as tenras carnes de Chinita. A família de João Benévolo, demitido por Leitão Leiria que entregou a sua vaga a um amigo da família, sofre com o desemprego e a miséria. Na mesma rua o tuberculoso Maximiliano, visitado pela “dama piedosa” Dodó que lhe promete ajuda, agoniza enquanto a sua esposa espera, estoicamente, o desfecho da tragédia que é aguardada ansiosamente por Dona Eudóxia, sombria e pessimista, mãe da inteligente e esforçada Fernanda, funcionária de Leitão Leiria, que é apaixonada pelo idealista Noel, filho do comerciante Honorato cuja esposa – Virgínia – insatisfeita e carente sonha com aventuras “calientes”. O irmão de Fernanda – Pedrinho – se apaixona pela prostituta Cacilda que sonha com a atenção de Salu que ambiciona Chinita que é ambicionada por Vera. Vizinho de Fernanda, Maximiliano e João Benévolo reside o professor Clarimundo, solitário e sonhador, que lamenta que a sociedade em que vive conheça tão pouco as ideias de Einstein. Tantos caminhos, tantas frustrações que se cruzam num contexto a bem da verdade bem distante do nosso mas que, incomodamente, em função do elitismo, da desigualdade, das hipocrisias e do patriarcalismo, ainda dialoga com esses nossos dias tão conturbados. Excelente obra de um mestre de nossa literatura.
Escrito em 1935, Caminhos Cruzados é uma obra pertencente à segunda geração do Modernismo brasileiro, surgindo em um período marcado por turbulências socioeconômicas de enorme relevância. Esta obra literária representa um posicionamento ideológico em relação à realidade do tempo, abordando temas complexos e multifacetados. A narrativa, enraizada em Porto Alegre, uma cidade em ascensão naquela época, descreve a evolução de um romance urbano e psicológico, em que se destacam diversos grupos sociais pertencentes a classes diferentes. A obra também explora a hipocrisia enfrentada pela sociedade, tradicionalismos familiares e a transformação dos centros das cidades. O livro destaca os contrastes sociais entre famílias pobres e ricas. Por exemplo, enquanto uma família celebra um festim, outra enfrenta o sofrimento devido à uma doença. O autor retrata a complexidade da realidade social e econômica de sua época, apresentando um panorama detalhado de uma sociedade em constante mutação e questionamento. * Melhores trechos: "...Se os gnomos tivessem sexo, como ficaria complicada e feia a história da Branca de Neve! Os anões encontraram em sua casa a linda e inesperada visitante, deram-lhe de comer, cantaram e dançaram para ela... Simplesmente. Se fossem homens de verdade haviam de se espedaçar para ver quem ficava com Branca de Neve. Felizmente eram gnomos e o resultado de tudo foi um conto limpo. Se entre os homens da vida real fosse possível florescer histórias como esta, eles não decorreriam tão freqüentemente ao mundo da fantasia... Existem pobres porque Deus, na sua infinita sabedoria, quis experimentar os homens. Deu dinheiro aos ricos para ver se eles no meio da opulência não esquecem os desgraçados. Deu miséria aos pobres para ver se eles na sua desolação sabem guardar os seus santos mandamentos. Aí está. Há pobres porque deve haver contrastes: luz e sombra, alegria e tristeza, riqueza e miséria. Desse desequilíbrio é que nascem os poemas e os romances. Que belo assunto para uma crônica! Ou para uma palestra num baile! Ou num almoço... Todos temos direito a um pouquinho de prazer. Os ricos têm teatros, automóveis e rádios. Os pobres contentam-se com livros... Jesus Cristo era pobre. Os pobres, Ele disse, serão os primeiros a entrar no Céu... Fazia muitos anos que Marina deixara de ter ciúme. Bernardo vivia cercado de admiradoras. Ela ficava sabendo de quase todas as suas aventuras amorosas. Com uma confusa mistura de ironia, de condescendência maternal e ao mesmo tempo com uma absurda espécie de ressentimento, ela ‘protegia’ os amoricos do marido. Sabia que ao cabo das farras e das aventuras, Bernardo voltava para ela arrependido e lamuriente, com a boca amarga, os olhos injetados, a face mais vincada e cheio de protestos de regeneração..."
As situações quotidianas são aqui colocadas com uma sutileza louvável. Desde descrições ordinárias das relações humanas, até a mais profunda contemplação da natureza.Veríssimo apresenta em Caminhos Cruzados, breves lampejos da vida comum da sociedade sulista brasileira do segundo quarto do século XX, e consegue brincar com os diversos atravessamentos entre as classes sociais, buscando realizar críticas ácidas a burguesia e elite brasileira, que de forma acertada escancara as desigualdades e muitas vezes fatalidade dos habitantes pobres do país. Embora consiga apresentar uma boa imagem da hipocrisia cristã moralista das classes mais abastadas, decepciona em dois sentidos: o essencialismo relegado aos pobres e o esbarramento em seu próprio racismo. Aqui os pobres, sobretudo os miseráveis, são apresentados por uma ótica distante que os entende apenas por sua condição material e para por aí, como se eles fossem apenas uma fatal vítima, esperando sua hora de partir desse mundo, o autor não considera as nuances dessas existências, e não é empático com as outras facetas dessa classe. Apesar de Veríssimo ter sido crítico as desigualdades sociais, até ter se posicionado contra as invasões italianas na África, o autor colocou todos os pretos do livro em posições de subserviência, sem uma visão própria desses caminhos Cruzados. As descrições físicas são quase como as imagens racistas cartoonizadas do período, o exagero ao falar das proporções físicas, a hipersexualizacao e objetificação estão em todos momentos que esses personagens aparecem, deixando o leitor desconfortável. Entendo que o autor era fruto de seu tempo,e que foi acertado em alguns aspectos, mas não se pode ignorar o fato de seu racismo e como isso pode ser um gatilho para algumas pessoas.
Foi com Caminhos Cruzados que tive meu primeiro contato com Erico Verissimo, e a experiência não poderia ter deixado com mais vontade de ler outras obras do autor. Sua escrita, realista e descritiva, é do tipo que gosto: transporta-nos para as histórias e faz com que vivamos intensamente cada personagem. Ao longo dos cinco dias narrados no livro, senti-me imerso no Brasil dos anos 30 – um país tradicionalista, desigual, hipócrita e, ao mesmo tempo, vibrante e colorido, características que ainda ressoam nos dias de hoje.
Com uma prosa bonita e leve, Verissimo constrói personagens profundos e entrelaça suas vidas de forma a revelar as contradições sociais de uma época, expondo preconceitos, injustiças e a hipocrisia de uma sociedade em transformação. Apesar de abordar temas densos, a narrativa flui com naturalidade, envolvendo o leitor em cada página.
Este romance não só me transportou a outro tempo, como despertou em mim um enorme desejo de explorar mais obras do autor. Caminhos Cruzados é uma leitura que emociona e faz pensar, um retrato humano e atemporal que permanece relevante e cativante.
Em uma obra imponente pelo número de personagens e enredo, Érico Verissimo expõe os diferentes modos de vida, dramas, interpretações da realidade e conexões de uma Porto Alegre (que bem poderia ser qualquer grande cidade brasileira) dos Anos 30. Uma pergunta persegue o leitor, ao final: o que fazemos de nossas vidas no espaço de tempo entre um sábado e uma quarta-feira, 5 dias? Há vezes que nada, conforme conclui a personagem Prof. Clarimundo. Por vezes, tudo ao alcance, conforme mostra o autor. Festas, homenagens, descobertas e aventuras sexuais, assassinatos, inaugurações, empreitadas, desemprego, prisão, liberdade, sol & calor, seguido de chuva & frio, culminando em sol & frio, morte, desgraça, destino, e versões sobre os mesmos fatos. Uma ótima leitura, com o autor iniciando sua arrancada rumo às principais obras.
Escolhi Caminhos Cruzados como primeiro contato com a obra do Érico Veríssimo e foi uma boa escolha e uma leitura muito proveitosa! A história traz um retrato, ou uma fotografia da sociedade na década de 30 e de seu cotidiano "comum" e escrachadamente desigual, quase como uma novela das 7h, mas sem tantos dramas e fofocas. A escrita é fluida, com períodos e capítulos curtos, e adorei a forma como o autor conseguiu desenhar os personagens e suas personalidades por meio das cenas corriqueiras de suas vidas. Recomendo.
Eu juro que não entendo como este livro não é comentado quando se fala da obra de Érico Veríssimo, baseado por uns 2 ou 3 que eu já li antes, em Caminhos Cruzados eu vejo o auge do deboche e da crítica social aqui, através de numerosos capítulos curtos (amo), ele entrelaça a história de várias famílias, de diferentes espectros da vida social, mas q aparentemente são uma história só
A dinâmica de a escrita dos personagens entrando na história dos outros sem saber é engajante demais, tem um clima de fofoca que me pega, além disso, gosto do drama da maioria dos personagens. Excelente livro.
"O Homem, na Terra, nasce, vive e morre sem que lhe aconteça nenhuma dessas aventuras pitorescas de que os livros estão cheios. Debalde os romancistas tentam nos convencer de que a vida é um romance."
um livro muito bem escrito, bem desenvolvido, mas meio monótono em alguns momentos. não foi minha leitura mais emocionante do Érico. talvez, com uma releitura em alguns anos, meu ponto de vista mude
Primeiro livro do Verissimo que leio e amei a escrita dele. A forma como ele descreve os personagens e como a vida deles se cruzam é fantástico. Eu recomendo a leitura.
Livro impressionante para a época em que foi escrito (década de 30), principalmente por ter sido uma das primeiras obras de Érico Veríssimo. É um texto com muitos personagens e muitas histórias, que por vezes me causaram confusão, mas conforme ia desenrolando a escrita, as personalidades faziam sentido e nos prendiam para saber o que viria a seguir. Para mim, é necessário muito talento para conseguir descrever tão bem pessoas tão diferentes em origem social, educação e caráter, e isso Érico Veríssimo conseguiu desempenhar muito bem. Traz muitos contrastes socioeconômicos e críticas que podem ser sobrepostas à nossa realidade atual.
Outra obra de Érico Verissimo em que ele brinca com o contraponto, a técnica de colocar várias histórias paralelas que retratam uma mesma ideia, mas não necessariamente uma mesma trama. A ideia principal é como o mundo moderno massacra a arte no Homem.
No desenrolar, somos apresentados a quatros sonhos básicos: o infantil (João Benévolo), o utópico (Noel), o alienador (Chinita), o esperançoso (Clarimundo). Desnecessário dizer que todos são incapazes de conciliar o mundo real com o onírico, afinal o pragmatismo trai a tendência humana à criação e a apreciação.
Incansavelmente, pela família, sociedade e governo, os personagens são sistematicamente atacados com a exposição da realidade, seja ela comer, amar, dormir, pagar as contas. E mesmo obedecendo a essas predisposições, Verissimo faz questão de descrever como ainda assim, com cega obediência, é impossível algo mais do que apenas a mera sobrevivência.
É o quotidiano de mais de noventa porcento dos brasileiros que ao final do dia ainda dizem, como Buarque, "Deus lhe pague".
Veríssimo ganhou a sua fama com o romance "Caminhos Cruzados" após uma série de prêmios depois de sua publicação em 1935. A narrativa se utiliza da teoria do contraponto, aplicada por Huxley em "Point Counter Point" (obra traduzida por Veríssimo e publicada no Brasil em 1933). O romance apresenta muitas vezes personagens vazios e um andamento monótono, como observa o próprio professor Clarimundo no fechamento da obra, em seu último capítulo com uma sequência metalinguístico/metafórica interessante. Apesar disso, a narrativa é bem construída a ainda muito atual por apresentar os problemas, hipocrisias e leviandade da "família tradicional ("marido, mulher e amante", nas palavras do narrador) além de observar o abandono dos pobres e miseráveis pelos mais ricos, que, em seu egocentrismo e cegueira, pensam estar fazendo o justo e caridosos, apesar de somente quererem alimentar seu próprio ego e motivações particulares. Além disso, Veríssimo desenvolve de maneira interessante como nenhum de seus personagens é capaz de viver a realidade monótona e angustiante, criando, cada um, um universo paralelo para onde fogem em suas imaginações: o espaço sideral, Hollywood, o universo dos romances de aventura. Interessantemente como cada personagem acaba recriando a realidade de sua própria maneira, advinda de seu contexto social, como a bela cena da declaração de amor esse Noel para Fernanda e as visões diferenciadas de cada um da rua em sua frente. De todas as personagens, acredito que D. Maria Luíza seja a mais profunda e bem construída, apesar de pouco participar do romance.