Pela primeira vez, as cartas de amor de Fernando Pessoa e de Ofélia Queiroz são apresentadas em edição conjunta. Uma edição conjunta é a forma mais adequada para dar a ler uma correspondência, que pressupõe sempre um diálogo, uma interação, a existência concreta de dois interlocutores. Cada carta é, em si mesma, ou a resposta a outra carta ou pretexto para ela. Até quando o destinatário opta por não responder, de algum modo, o seu silêncio se inscreve na carta seguinte. Assim, uma relação amorosa, sustentada epistolarmente, como a de Pessoa e Ofélia, só é, na verdade, entendível quando os dois discursos se cruzam e mutuamente se refletem.
Neste livro a ideia comum de que estaríamos perante um namoro platónico, sem réstia de erotismo, desfaz-se por inteiro. Vemos, enfim, surgir um Pessoa diferente do outro lado do espelho. Um Pessoa não só sujeito e manipulador da escrita, mas um Pessoa indefeso, objeto do discurso (e do afecto) de outrem, personagem de uma história real.
MANUELA PARREIRA DA SILVA é professora auxiliar do Departamento de Estudos Portugueses da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde lecciona as cadeiras de Literatura Portuguesa do Século XX, Cultura Portuguesa do século XX e Estudos do Modernismo. Dedica-se, enquanto investigadora, ao estudo dos espólios de Fernando Pessoa e Almada Negreiros, tendo sido responsável pela edição de textos pessoanos, entre os quais: Fernando Pessoa, Correspondência Inédita, Lisboa: Livros Horizonte,1996; Fernando Pessoa, Correspondência, vols. I e II, Lisboa: Assírio & Alvim, 1998-9; Ricardo Reis, Poesia, Lisboa: Assírio & Alvim, 2000; Ricardo Reis, Prosa de Ricardo Reis, Lisboa: Assírio & Alvim, 2003; Fernando Pessoa, Poesia, vols. I, II e III, Lisboa: Assírio & Alvim, 2006 [em colab.].; Cartas de Amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, Lisboa: Assírio & Alvim, 2012. Colabora assiduamente na revista Colóquio-Letras e é também autora de poesia - O Álbum de Vishnu (Assírio & Alvim, 1999) e Entre Cão e Lobo (Assírio & Alvim, 2007) – e do ensaio Realidade e Ficção - para uma biografia epistolar de Fernando Pessoa, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
Ofélia Queiroz foi, tanto quanto se sabe, o que de mais próximo Fernando Pessoa teve de ser sua namorada. O "namoro" entre ambos esteve longe de ser, como se poderá perceber pela troca de correspondência, apenas platónico (foi mais algo cuja rotina era a "distância"), mas facilmente se percebe que o que Ofélia sentia por Fernando Pessoa seria mais forte do que aquilo que ele sentia (se é que sentia...) por ela...! E aqui é que reside o problema desta obra para mim: aborrece-me de morte, para não dizer mesmo que me angustia e magoa, o facto de Ofélia ter estado tantos anos à espera de Fernando Pessoa, quando ele não estava para aí virado... Como se depreende pela sua ausência de respostas, pelo seu silêncio a dada altura e, numa fase mais inicial, pela pouca e irregular frequência das mesmas. Tudo parecia dificil e impossível! Ainda assim, as cartas de Fernando Pessoa têm umas tiradas soberbas contrastantes com as cartas transbordantes de sentimentalismo de Ofélia. Apesar de serem poucas, e de Fernando Pessoa parecer ceder a pena com frequência a Ricardo Reis em vários momentos devido à sua característica de "desmancha-prazeres" (ainda que na troca de correspondência se verifique apenas a visita manifesta e declarada de Álvaro de Campos em alguns momentos), é um regalo lê-lo de todas as vezes que é possível. Gostei da obra, mas preferia outro desfecho e preferia que a paixão "ardente" de Ofélia tivesse tido uma feliz correspondência. É um desperdicio de tempo e de vida esperar por alguém que não quer passar... E eu ainda tenho uma réstia de idealismo e gosto de acreditar em finais felizes! * "O Tempo, que envelhece as faces e os cabelos, envelhece também, mas mais depressa ainda, as afeições violentas. A maioria da gente, porque é estúpida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contraiu o hábito de se sentir a amar. (...) As criaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade dessa ilusão, porque nem podem crer que o amor dure, nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por ele a estima, ou a gratidão, que ele deixou. Estas cousas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão-de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?" [p. 192]
todas as cartas de amor são, indeed, ridículas. eles são tão fofinhos e carinhosos e gays e melosos um com o outro. eles eram literalmente um casal normal é bue giro 🥹 celebram os meses desde o primeiro beijinho, têm drama porque o ex dela tá stalking them, há um age gap ligeiramente desconfortável (ela 20, ele 32), etc. nota-se que as cartas não foram escritas bonitinhas para serem publicadas, mas sim são genuínas e imperfeitas, são só eles a serem humanos
isto é uma whole gossip session. eles não deviam ter voltado em 1929. se em 1920 já era a ofélia que contribuía mais para a relação, então em 1929 tornou-se completamente one sided. ele já não a amava
é giro vê-los a usar palavras que a minha mãe e avó usam muito, como “arreliar”, “ralar” e “estorvar”. also é bue engraçado como ela leva os heterónimos a sério e não gosta nada do Álvaro de Campos (o meu favorito): “Dás-me tanta alegria! Mas não hás-de trazer o Álvaro de Campos.”
há cenas tão tugas, tipo eles já a queixarem-se das greves dos transportes em lisboa (“Quando acabarão eles com as greves?” nem daqui a 100 anos honey) e a same old joke “Estamos em 1930; quer isto dizer que eu já não vejo o meu amor desde o ano passado”
finally, quão irónico é ela estar constantemente a pedir-lhe para deixar de beber aguardente e ele ter morrido de cirrose?
para terminar, deixo-vos com uma carta real do nosso greatest poet <3
“Bebezinho do Nininho-ninho. Oh! Venho só quevê pâ dizê ó Bebezinho que gotei muito da catinha dela. Oh! E também tive munta pena de não tá ó pé do Bebé pâ le dá jinhos. Oh! O Nininho é pequinininho! Hoje o Nininho não vai a Belém porque, como não sabia s’havia carros, combinou tá aqui às seis óas. Amanhã, a não sê qu’o Nininho não possa é que sai daqui pelas cinco e meia (isto é a meia das cinco e meia). *[desenho de uma meia]* Amanhã o Bebé espera pelo Nininho, sim? Em Belém, sim? Sim? Jinhos, jinhos e mais jinhos Fernando”
Já não me lembrava da última vez que tinha trazido para casa um livro da Biblioteca Municipal. Por algum acaso serendipitoso, as bibliotecárias tinham organizado uma secção de “Cartas” perto da entrada, e calhou escolher este, de forma um pouco aleatória. Encontramos nestas páginas um dueto prolongado entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz, que nos permite obter vislumbres deste romance que se estendeu por vários anos, com duas fases separadas por uma grande pausa entre elas. Sobre esta edição - só consigo assumir que exigiu uma enorme quantidade de trabalho para editar e compilar, mas este diálogo constante mostra muito mais do que uma coleção de cartas dos lados individuais alguma vez conseguiria. Assumi, erradamente, que me iria interessar mais pelas cartas do poeta. Afinal de contas, é um dos nossos grandes ícones: já estudámos parte da sua obra nas aulas de Português (onde é que elas já vão) e até passo regularmente pela sua estátua no Parque dos Poetas, onde está imortalizado com a sua aparência mais famosa: bigodinho, óculos e chapéu. As suas cartas têm de longe os excertos mais “impressionantes”, e é curioso ver uma faceta mais romântica do poeta. E no entanto, é Ofélia quem expõe o seu coração vulnerável (não particularmente inocente) nas muitas páginas que escreve. A sua escrita pode não ser muito refinada (a própria o admite), mas há tanta ternura que transborda das cartas dela, que este deve ter sido o livro que mais me custou ler nos últimos meses, por saber já o seu desfecho. Estas eram pessoas reais, que aqui voltam a respirar e a descrever sítios que nos parecem tão familiares, apesar das décadas que nos separam. As próprias cartas são sinal de um tempo em que a comunicação exigia tempo e devoção. Conseguimos também ficar com uma ideia sobre o papel de uma mulher (de uma classe social até privilegiada) nesta sociedade - Ofélia obedece apenas ao pai, e a sua maior preocupação é em garantir o casamento com Pessoa, para poder passar a servi-lo a ele. Quanto às cartas em si, já bem dizia Pessoa que todas as cartas de amor são ridículas. Na primeira fase do seu namoro, estas cartas são muito assíduas dos dois lados, cheias de alcunhas embaraçosas (e por vezes reveladoras da época. Usar “preto” como um leve insulto é sem dúvida uma… escolha) e brincadeiras íntimas entre os dois. Vemos cartas relativamente pouco polidas, escritas não para serem publicadas, mas apenas para mostrarem que apesar da distância frequente, continuam a pensar um no outro - embora se vá notando um certo afastamento gradual do poeta. De certa forma, esta é a altura em que Pessoa mais respeita Ofélia, porque ao menos eventualmente acaba a relação, em vez de deixar a rapariga à espera, indefinidamente. Ocupado com a sua escrita, parece que Ofélia foi a pessoa que mais amou na sua vida, e mesmo assim nunca chega a ser uma verdadeira prioridade para ele (fazendo lembrar um certo trecho: I love you… as much as anyone like me can love anyone). Na segunda fase, ainda mais desequilibrada, tanto nos sentimentos como na quantidade de cartas, já existem telefones, o que muda a dinâmica da escrita. Ofélia menciona várias vezes as conversas telefónicas que tem com o seu amado, mas o facto de Pessoa optar por lhe escrever tão pouco (ignorando os incessantes pedidos dela, já que as poucas cartas que envia são de Ricardo Reis) denota já a sua distância e o desejo de menor compromisso (sendo impossível não pensar em quanto é que seria causado pelas suas próprias doenças mentais, e quanto por não levar a sério a mulher que tanto espera por ele). Os silêncios dele são preenchidos pelas esperanças e sonhos dela - os cenários que imagina e descreve com carinho mostram o respeito que tem por ele, e coloca-se de bom grado a si própria como uma nota de rodapé, não se importando de passar despercebida e de ficar sempre a seguir à sua escrita, desde que consiga estar na sua companhia. Esta fase prolonga-se, cada carta mais dolorosa que a anterior, até que eventualmente nada mais chega senão silêncio. Temos ainda uma mão cheia de telegramas espalhados ao longo dos últimos anos de vida de Pessoa, um pequeno lembrete deste amor que parece nunca ter chegado bem a acabar do lado de Ofélia, que fica à espera até ao fim da vida dele. Fez-me pensar em como grandes pessoas não são necessariamente boas pessoas (no pun intended).
Uma nota final - muitas vezes as cartas mostram a sua idade, e parecem-nos antiquadas em vários níveis. Os próprios verbos mostram isso: arreliar é agora um verbo de velhote. Como observou aqui em casa o meu querido marido (quantas vezes me senti extra sortuda em comparação à pobre Ofélia), é semelhante a ver Vertigo, onde o apartamento “moderno” de Midge parece também uma "casa de avó". No entanto, houve dois momentos em particular que me fizeram rir, por mostrarem que também há coisas que não mudam. No dia 1 de Janeiro, Ofélia faz a piada intemporal “É quase uma hora da noite portanto estamos em 1930; quer isto dizer que eu já não vejo o meu amor desde o ano passado”. E em várias ocasiões, os amantes tentam combinar encontros, e encontram dificuldades adicionais, devido às habituais greves de transportes. A CP deitaria uma lágrima orgulhosa.
Tinha uma enorme curiosidade em ler esta troca de cartas entre Ofélia e Fernando Pessoa. Gostei bastante – afinal de contas, todas as cartas de amor são ridículas. Estas cartas revelam um lado mais humano e contraditório de Pessoa, tão diferente da imagem do génio distante e solitário que muitas vezes se constrói à sua volta. Ao mesmo tempo, mostram o amor e a dor de Ofélia, que, mesmo décadas depois, nunca deixou de recordar este romance.
O coleção das cartas de ambos é multifacetada e deixar marca de saudade no leitor, uma mágoa pelo que terá sido e como tudo aconteceu. A coleção dá-nos a conhecer um lado íntimo de Ofélia Queiroz e Fernando Pessoa. Muito se poderá dizer sobre o livro, que é um excelente trabalho de compilação e ordenamento dos textos e cartas, além da pesquisa para explicitar o conteúdo. Faltou apenas a introdução de alguns desenhos que fizeram um ao outro nas cartas. O início é movimentado, caloroso, muito correspondente aos sentimentos de cada um. Na maior parte, apartir de meados do livro, torna-se um monólogo saudoso de ofélia até bem para o fim. O que é de retratar e é curioso, é que Fernando Pessoas não responde pela carta ou não responde de todo, no entanto, continua a armazenar cartas no seu baú. Deixa umas interrogações no ar quando podia ter ignorado se não gostava mais de Ofélia ou ter explicado que ficava incomodado de receber/mandar/ler as suas cartas. Não se compreende este conjunto de porquês. Já no fim, é dilacerante ver a evolução de um amor até algo que podemos considerar "Cliffhanger" no final do livro. As cartas proporcionaram-me entretenimento mas também falta de movimento pelos monólogos longos de Ofélia, o que me levaria a dar 3 mas dei 4 pelo trabalho magnífico da elaboração do livro.
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Pensei que era um livro com as cartas de amor do Fernando Pessoa (e da Ofélia Queiroz). Na verdade são as pequenas, quotidianas e por vezes piegas mensagens da Nininha e do Nininho. Interessante para quem quiser conhecer um pouco da persona por trás da obra, embora sejam muito mais os textos dela que dele. E as longas cartas dela não têm paralelo nas poucas páginas que ele escreve. Nitidamente (e felizmente para eles, claro!), o romance decorreu muito mais ao vivo que nas letras, pelo que nem a maioria da história se pode ali ler. Pelo menos e nitidamente, não a dele. Gostei da última carta de 1920, assinada por ele.
«Todas as cartas de amor são ridículas», mas estas são-no especialmente. Interrogo-me se todos os amores do início do século passado seriam assim, ou se Fernando e Ofélia se encontraram por obra do acaso...
Dado que isto são cartas íntimas de duas pessoas, convém frisar que as minhas palavras verrinosas visam apenas o caráter literário da obra e não a dimensão, profundidade, valor, ou qualquer outra qualidade dos sentimentos que ali se escondem. Sobre esses, cinjo-me ao mais sincero respeito.
Até agora, tínhamos ao nosso dispor vários volumes contendo somente as cartas de Fernando Pessoa a Ofélia Queirós. Um destes (da Ática) contém um excelente ensaio de David Mourão-Ferreira, que ilumina muito bem a relação entre os dois protagonistas desta história de amor.
Faltava, no entanto, um volume em que pudéssemos ler, por ordem cronológica, as cartas de ambos. Ei-lo aqui, finalmente. As cartas de Ofélia Queirós são muito mais numerosas e muito mais longas do que as de Fernando Pessoa, e permitem perceber muito bem a relação entre ambos e os sentimentos e expectativas de um e de outro. Ela profundamente apaixonada, ele tão apaixonado quanto era capaz de o estar (não muito, portanto). Ficamos também, nas entrelinhas, com um retrato poderoso dos usos e costumes da sociedade portuguesa dos alvores do século XX: o desequilíbrio entre o papel do homem e da mulher, a relação de óbvia dependência das mulheres em relação às figuras masculinas (pai, namorado, marido), o espectro da chantagem permanente a que as mulheres estavam sujeitas (Ofélia refere-se várias vezes, com óbvio pavor, a um antigo namorado que a persegue e que ameaça manchar-lhe a reputação), o espectro da desonra que só a elas assombrava.
A impressão final é de uma profunda tristeza. Percebe-se que Ofélia Queirós amou com todo o seu ser, percebe-se que Fernando Pessoa, provavelmente, não seria capaz de amar mais do que aquilo. Percebe-se também que ela só perdeu a esperança quando já não havia réstia de esperança. E percebe-se que ela o amou para sempre. Belíssimo.
Última nota: fica claro que a David Mourão-Ferreira (no ensaio incluído no volume da Ática) escaparam certas alusões eróticas desta correspondência, só compreensíveis através de uma leitura atenta das cartas de Ofélia Queirós, as quais deitam por terra alguns dos argumentos por ele utilizados.
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Este livro é uma compilação de cartas trocadas entre Fernando Pessoa - e, por vezes, Álvaro de Campos - com a sua paixão, Ofélia. Apesar de monótono, este livro permite-nos conhecer um outro lado do autor. Uma outra forma de escrever. Se este é um lado mais real ou, como todos os outros, uma personagem inventada para si próprio? Não sei. Aceito debater ☺️
actually não o acabei mesmo de ler e nem sei se vou acabar, gostei de parte da história mas sinceramente a certo ponto as cartas começam a ser cansativas e desesperadas por parte de Ofélia e isso fez com que eu perdesse totalmente interesse na leitura. A única razão porque tem 4 estrelas é por causa da introdução feita que me vai salvar na apresentação do livro na aula de literatura
Complicado de ler pela forma acriançada de Ofélia Queiroz dirigida a Fernando Pessoa. Esperava outro tipo de escrita de sua parte. Pessoalmente A escrita de Fernando Pessoa não me desanimou no entanto o livro torna-se enfadonho de ler mas isso é mesmo uma questão pessoal. Prezo o romance e não a banalização de sentimentos superficiais.