Bem vindos à revista Trasgo, uma revista de contos de ficção científica e fantasia. Queremos trazer os melhores contos em língua portuguesa, de autores novos e consagrados.
Por que Trasgo? Trasgo é uma criatura do folclore português, confundidos com duendes ou trolls. Mas também pode ser o nome de um planetóide distante, lar de um único ser vivo. Uma maldição que sai de sua caverna escura à noite, ou uma pequena nave mineradora com tripulantes suspeitos.
A Trasgo é uma publicação muito interessante. Poucas coisas colaboram para a revelação de novos autores brasileiros como esta revista. Além da distribuição bem feita em formato digital e da curadoria acertada de cada edição, há também a remuneração aos escritores. Algo raro entre publicações independentes.
A edição em si ainda conta com entrevistas a cada um dos autores no final. No caso desta edição #12, são todas autoras.
Os contos, em sua maioria, não me prenderam. Mas existem dois dos quais eu gostei bastante.Minha nota é totalmente direcionada a eles. Me refiro as histórias escritas por Aline Valek e Anna Fagundes Martino. Dois contos de sci-fi que focam nas relações humanas, no drama e na filosofia. Adoro isso. E adorei o texto das duas. Só por estas histórias, esta edição da Trasgo já merece sua atenção.
Sempre percebo na Trasgo uma variação na qualidade dos contos, entre o regular e o excelente. Todas as histórias ultrapassam a fronteira da boa escrita. Nenhum texto faz feio. Mas aquele algo mais, que torna a leitura marcante, só alguns autores conseguem alcançar. Nesta Trasgo n°12, destaco o conto "O futuro é um país estrangeiro", de Ana Fagundes Martino. A começar pelo título, muito bem sacado. Como aquelas coisas que estão na nossa cara, mas precisam ser ditas, para prestarmos mais atenção e nos encantar. De maneira cadenciada, paciente e irônica, a autora nos conta uma história envolvendo viajem no espaço-tempo e família. O texto é muito feliz em seduzir o leitor para que continue linha a linha, parágrafo a parágrafo a acompanhar as reflexões sobre a "magia" da ciência e sua implicações em nossas vidas. No caso do narrador, a implicação é bem mais radical. A única ressalva ao conto é a falta de desenvolvimento. Poderia ser mais longo, indo mais fundo nos desdobramentos da trama e na experiência do protagonista.
A Trasgo 12 começa diferente por trazer a editoria da Clara Madrigano, editora da Dame Blanche, e apenas contos escritos por mulheres. Gosto bastante da ideia de ter especiais temáticos, e acho que poderia ser repetido com outros grupos minoritários, de repente um volume LGBT, um sobre negritude, etc.
O que Sonham as Pílulas, da Aline Valek, apresenta um conceito maravilhoso: em um futuro próximo, as pessoas não costumam mais sonhar naturalmente, então elas tomam pílulas com receitas específicas para determinados tipos de sonho, como por exemplo sonhos apocalípticos. A partir desta premissa, a autora desenvolve os problemas da protagonista de forma interessante.
Ana Cristina Rodrigues escreve Tudo Sempre Igual, uma fantasia urbana sobre magia e lobisomens ambientada em Niterói. Eu gosto da protagonista e da tensão, mas não curti muito o segundo personagem mais importante, acho que ele precisava de mais espaço para desenvolvimento.
O Sangue da Magia, da M.M. Drack, apresenta o ponto de vista de bruxas durante a inquisição na Inglaterra. Eu gosto muito da primeira metade e moderadamente da segunda. Depois que a personagem principal muda de cidade, surge um interesse romântico e eu senti que o foco mudou da bruxaria para o romance, e não foi uma transição suave.
A outra editora da Dame Blanche, Anna Fagundes Martino, traz um conto que eu já conhecia: O Futuro É Um País Estrangeiro ganhou voz em um episódio do podcast EntreFicções, e é uma historieta maravilhosa. Lida com viagem no tempo, e tem uma narração muito gostosa e envolvente. O único pecado é ele ser curto, mas é um dos melhores contos da Trasgo até agora.
Vozes no Silêncio, da Júlia da Silva, apresenta um background que me lembrou um pouco O Jogo do Exterminador, de Ficção Científica Militar. Mas por se tratar de um conto a autora apenas foca na relação entre dois personagens desse círculo. É doce, deixa um gosto de quero mais.
Por fim, Vidas Dispensáveis, da Gabriele Gomes Diniz, traz uma trama futurista com Inteligência Artificial. As ideias são ótimas, mas a resolução é um pouco corrida, e as reviravoltas são previsíveis. Ainda assim é divertido.