Ensaio fundamental, acadêmico, para a compreensão da formação social e política brasileira. Partindo das origens portuguesas de nosso patronato político, o autor demonstra como o Brasil foi governado, desde a colônia, por uma comunidade burocrática que acabou por frustrar o desenvolvimento de uma nação independente. Sua análise abarca o longo período que vai da Revolução Portuguesa do século XIV até a Revolução de 1930 no Brasil. Esta edição foi revista e acrescida de um índice remissivo.
Advogado, jurista e escritor brasileiro nascido em Vacaria, Rio Grande do Sul, considerado um dos grandes pensadores do Brasil, autor de análises imprescindíveis ao entendimento da sociedade, da política e do Estado brasileiro. Filho de agricultores, passou boa parte da infância e da juventude na cidade de Caçador, Santa Catarina (1930-1945), para onde se mudou com a família e onde fez o curso secundário, no Colégio Aurora.
De volta ao Rio Grande do Sul, como estudante universitário foi co-fundador da revista Quixote (1947) e escreveu para diversos jornais do Rio Grande do Sul. Formou-se em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1948) e três anos depois (1951) seguiu para o Rio de Janeiro. Admitido por concurso como Procurador do Estado, na função destacou-se como um dos mais importantes juristas do Brasil, especialmente reconhecido e bastante respeitado pela sua contribuição às Ciências Sociais.
Publicou um livro considerado um clássico: Os Donos do Poder (1958), pela Editora Globo, de Porto Alegre, onde analisou a formação do patronato político e o patrimonialismo do Estado brasileiro, levando em consideração as características da colonização portuguesa. Escreveu outros livros em que discutiu temas como a política brasileira, ensaios jurídicos, além de um estudo sobre as obras e os personagens do escritor Machado de Assis. Também atuou como articulista em diversos jornais e foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB (1977-1979). Na política diretamente lutou pela redemocratização do País, defendeu o fim dos Atos Institucionais do regime militar e participou ativamente no governo João Figueiredo, na campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita.
Este carioca voluntário e emérito, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (2000) no lugar do jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Recebeu o Prêmio José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras (1959); o Prêmio Moinho Santista de Ciências Sociais (1978) e a Medalha Teixeira de Freitas, do Instituto dos Advogados do Brasil.
Faleceu vítima de enfisema pulmonar, aos 78 anos, no Rio de Janeiro, velado na ABL e enterrado no Cemitério São João Batista. Conhecido como O Embaixador da Cidadania,.teve outras publicações importantes como o ensaio Machado de Assis - A Pirâmide e o Trapézio (1975), A Assembléia Nacional Constituinte - A Legitimidade Recuperada (1980) e Existe um Pensamento Político Brasileiro? (1994).
Depois de muito tempo e de 750 páginas divididas em dois volumes, finalmente terminei de ler este livro que trata sobre a corrente histórica-política de dominação e de apoderamento estamental que assola nosso país desde o seu "descobrimento". Sobre a forma: A linguagem é bastante ortodoxa, com muitos apostos, intercâmbios sintáticos e linguagem excessivamente formal. Não que isso seja um problema, mas deixa a leitura bem mais demorada. Sobre o conteúdo: Faoro retrata a formação sócio-política brasileira mediante análise de fatos históricos do Brasil, desde o seu descobrimento até meados do século XX, destacando as raízes da política de estamento que se reflete até os dias de hoje. O termo "estamento burocrático" criado pelo autor é usado para designar o absolutismo, que era a atual forma de governo imperante dos compatriotas de além-mar e que será mantido desde então nas suas terras descobertas, o Brasil (o estabelecimento de capitanias hereditárias como forma de promover a ocupação territorial já é reflexo da criação de uma classe burguesa dominante no país - um sistema de feudalismo, de súditos e vassalos e não de funcionalismo público). A burguesia domina, governa, mas não produz. Considera-se dona do patrimônio público e dos concidadãos. Rege, regulamenta e controla as ações políticas conforme os interesses próprios: "O liberalismo, na sua feição brasileira, é o liberdade para os interesses incapazes de granjear o patrocínio do governo e proteção para os importantes". "Tudo labuta sem eles (os donos do poder), por eles, em benefício deles ao passo que eles para ninguém trabalham, que não precisam de trabalhar, senão de manobrar e enredar, enliçar e velhaquear, de palrar e captar, de imposturar e embolsar, de chibar e gozar". O legado que o autor deixa é a incompreensão do porquê o Brasil manteve o sistema de governo lusitano, sem evoluir para uma sociedade (diga-se o povo, proletariado) que melhor representasse seus interesses e aspirações, ao contrário de outras nações como a França ou mesmo Portugal.
Os Donos do Poder é uma leitura difícil em vários sentidos. O assunto é complexo; a linguagem é densa, rebuscada e prolixa; e as longas citações em francês e alemão não ajudam. Também acho que a tese central do livro, exposta apenas no último capítulo, poderia perfeitamente ser defendida em um formato mais palatável. Considero a tese bastante ousada, polêmica e difícil de comprovar ou refutar, por isso não decidi se concordo ou não.
Apesar disso tudo, a erudição do autor é ímpar. Os apêndices e notas de rodapé oferecem um caminhão de referências para clássicos da história do Brasil e de Portugal, que é cheia de personagens interessantes desde el-Rei Dom Diniz até o ditador Getúlio Vargas, passando pelo Marquês de Pombal, Pinheiro Machado, Teófilo Otoni, entre muitos outros. Outra vantagem é que, como o livro é antigo, a maioria desses materiais está disponível gratuitamente na internet.
Gostei especialmente dos capítulos sobre o Império e a República Velha, embora o conteúdo seja um tanto deprimente. O autor documenta, com abundância de pormenores, séculos de retrocesso, arbítrio e mandonismo. Terminei o livro com a angustiante sensação de que, como nação, não aprendemos nada e que ainda vamos repetir vários daqueles erros.
Termino numa nota pessimista: à medida que o resto do mundo avança, esses erros vão nos custar mais caro. Será que vamos conseguir superá-los e criar um destino melhor? Talvez seja a pergunta mais importante no Brasil hoje. E Raymundo Faoro oferece ideias concretas, que podem nos ajudar a decidir aonde queremos chegar como nação.
De Dom Joao I (1380) a Getúlio Vargas (1930) o capitalismo político, ou o pré-capitalismo, foi conduzido por uma comunidade política que supervisiona os negócios públicos com interesse pessoal. O súdito, a sociedade, a forma de domínio: o patrimonialismo, mais flexível que o patriarcalismo. No molde mercantilista da atividade econômica se desenvolveu a lavoura de exportação da colônia a Republica passando tanto pelo manufaturismo pombalino como o pelo delírio industrialista do encilhamento O patrimonialismo estatal adota o mercantilismo como a técnica de operação da economia, incentivando o setor especulativo voltado ao lucro como jogo e aventura.
Enquanto o sistema feudal separa-se do capitalismo, o patrimonialismo se amolda as transições. O domínio patrimonial, constituído pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, numa confusão entre setor público e privado. O capitalismo antigo seria devorado pelo capitalismo industrial, não fosse a flexibilidade do processo patrimonialista em canibaliza-lo. A persistência secular da estrutura patrimonial adotou o capitalismo da técnica sem aceitar sua alma liberal.
O Estamento de ar aristocrático se burocratiza tecnicamente. A estrutura patrimonial oferece pontos de apoio moveis valorizados aqueles que mais a sustentam, sobretudo capazes de fornecer-lhe os recursos financeiros para sua expansão. O estamento burocrático ultrapassa a regulamentação formal da ideologia liberal, prescrições financeiras e monetárias e regimes concessões estatais.
Acima das classes o aparelhamento político. Para Marx, Napoleão III sustentado por uma classe, dançava entre as classes, entre contradições e troca de parceiros, falso arbitro de interesses em conflito. O próprio bonapartismo e a aparência democrática está presente em Dom Pedro II, Napoleão III, Bismarck e Getúlio Vargas, pai do povo não como mito carismático, mas como bom príncipe. O estamento, como elite de poder, converte a burocracia numa realidade em si, desmentindo a neutralidade técnica da última. No patrimonialismo, durante a emergência das classes, procuram estas a nacionalizar o poder, apropriando-o, para que se dilua a elite. O estamento burocrático em lugar de integrar, comanda, não conduz, mas governa. E, assim, manifesta-se com seu prestígio cultural: O brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao aparelhamento estatal, não na empresa particular, ou na sua contribuições a cultura, mas numa ética confuciana do bom servidor.
Joaquim Nabuco sugeriu criar lei que forçasse o cumprimento das outras leis e criticou o hábito da classe política alheia a seus governados constituir leis antes dos fatos, uma ordem política e uma vida pública que os costumes e antecedentes históricos ainda não formataram. Chamando, finalmente, tal política de silogística cuja base são as teses e não os fatos. A situação, o mundo e não o país. Os habitantes, as gerações futuras e não as atuais.
A carapaça administrativa trazida por Tome de Souza e reforçada pela transmigração de Dom João VI forjaram instituições anacrônicas que frustram o florescimento das terras virgens. Ao povo resta o direito obrigatório de escolher entre opções que ele não formulou e que não lhe atendem. Nesse processo não haveria apenas uma paralisia ibérica. A um corpo renovador, expansivo e criador, se agregam nações modernizadoras, mas dentro de projeções de seu próprio passado. O Estamento forma o elo vinculador com o mundo externo, que pressiona pelo domínio de seus padrões incorporando as novas forças sociais. A transmigração do soberbo estamento formado com Mestre de Avis consolida-se até o fim do Império de Dom Pedro II e seus estadistas nativos. A estes cumpre a complexa tarefa de dar um sentido ao país mesclando costumes arcaicos com ideias modernas. Os modernizadores atuam com pressuposto da incultura e o povo alheio sem convívio intimo quebra o vínculo espiritual a ponto de hoje nossos políticos condenarem a pena morte da Indonésia enquanto a OEA condena nossas PMs por crimes contra a humanidade.
Para Trotsky a desigualdade de ritmo, produto do processo histórico, será mais manifesta nos países atrasados:
Olhos postos no país atrasado onde o Estado absorve parte da sua fortuna, enfraquecendo todas as classes, burocratizando-se, nota que adaptação ao ritmo mundial impõe a combinação de bases diversas do processo histórico.
O ponto de referência seria o capitalismo moderno decantado por Smith, Marx, Weber. Trata-se de um mundo acabado, moderno, numa concepção linear de história. Assim, o burocrata conta com o historiador que cria uma ordem racional da história que não só por ser racional cria uma história verdadeira, substituindo o fato bruto pelo racional.
Um viajante americano nos anos 1920 observou:
Existe no brasil uma massa analfabeta chamada povo e os traidores do povo conhecem o conforto de moradias arejadas, conhecem mais o exterior que o próprio pais, o governo eh a função para a qual julgam ter nascido. Dualidade que oscila entre a decepção e o engodo.
A crise e exaustão do sistema sempre começava com o nacionalismo. Desde o Antiluso do jacobinismo no início da republica, seja e Epitacio Pessoa ou Artur Bernardes durante a república. Nas três intervenções militares 1889, 1930 e 1945 todas levaram a mudanças constitucionais. Mas nem isso foi capaz de resistir ao vírus patrimonialista perene e incubado no espírito de formação de nossa antiga metrópole com o Mestre de Avis duzentos anos antes da chegada de Cabral.