Baseada nas experiências do autor na Guerra do Ultramar, As Lágrimas de Aquiles é uma história de ficção sobre o amor, a saudade, a guerra e as escolhas que se tornam a nossa vida. Ou que acabam com ela.
José Manuel Saraiva nasceu na aldeia de Santo António d'Alva, em 1946. Foi jornalista, tendo pertencido aos quadros de O Diário, Diário de Lisboa, Grande Reportagem e Expresso. É autor de dois comentários sobre a Guerra Colonial, produzidos pela SIC, um dos quais foi transmitido pelo canal Arte em França e na Alemanha. É sua igualmente a história que deu origem ao telefilme A Noiva, de Luis Galvão Teles. Em 2001, publica a sua primeira obra, As Lágrimas de Aquiles. Seguiram-se os romances Rosa Brava (2005) e Aos Olhos de Deus (2008), que o consagraram como um dos mais populares autores portugueses.
Esta obra é a primeira obra do autor José Manuel Saraiva. Foi publicada em 2001 e em novembro de 2017 reeditada pela Clube do Autor com uma capa lindíssima e que nos abre o pano para o tema central da sua narrativa – a Guerra no Ultramar. Nuno Sarmento é um jovem que frequenta a Universidade de Coimbra. Está enamoradíssimo de Catarina e contempla o futuro com paixão, com alegria. Contudo, no mais fundinho da sua consciência sabe que os seus planos e sonhos estão manchados por algo a que não poderá escapar – a inspeção militar, o muito provável apuramento para todo o serviço militar e o cumprimento do mesmo em terras do Ultramar, onde o Império Português tentava desesperadamente não fenecer. Não sei muito sobre a Guerra em África. Nunca li muito sobre o assunto e também é verdade que, na escola, esta matéria foi dada “pela rama” e apenas num ano letivo, enquanto as dinastias afonsina, de avis e outras foram abordadas “vezes sem conta”. Sendo assim, foi com muito entusiasmo que abracei esta obra quando a recebi no correio, diretamente da editora, a quem agradeço muitíssimo o envio. Como de costume, o maridinho leu-a primeiro do que eu e avisou-me de imediato de que iria gostar muito de ler a história do Nuno e da sua experiência militar em terras guineenses. Ainda fiquei com mais expectativas quando me dei conta de que a mesma figurava no seu TOP 10 das melhores leituras de 2017. As lágrimas de Aquiles está embrenhada numa amargura que soa muitas vezes a resignação e a abatimento. Apercebemo-nos disso logo nas suas páginas iniciais quando compreendemos o quanto os anos de guerra foram cruciais para o resto dos anos da vida de Nuno – “Já nada sou, meu irmão. Invade-me um desmesurável cansaço, uma insuportável sensação de inutilidade de vida.” (pág. 25) Desde que embarcou para a Guiné que Nuno nunca mais foi o mesmo. Tudo o que viu, o que experienciou, tudo que o marcou, tudo o que a guerra lhe tirou, tudo foi demasiado amargo, doloroso e principalmente inútil. Combateu, junto com os seus companheiros de batalhão, uma guerra que ninguém lhe fez o favor de explicar. Perdeu dias, meses e anos da sua juventude para travar o fim de um império que estava moribundo há algum tempo. Sentiu a morte ao seu lado, sentiu medo, angústia, terror numa terra estranha, situada a milhares de quilómetros do seu país e que nada lhe dizia – “… o meu lugar não era aqui. O meu verdadeiro lugar era no meu país.” Combateu o suposto inimigo, viu camaradas perderem a vida por causa de estilhaços de granadas, de tiros ou de minas e sabia que o próximo poderia ser ele. Mas combateu sobretudo os seus demónios e uma solidão que o afogava num aquartelamento repleto de homens que também se defrontavam com os seus demónios e horas infinitas de inatividade. No fim, sobreviveu, nenhuma bala, granada ou mina lhe ceifou a vida. Tornou-se um sobrevivente, regressou ao seu país. Contudo, não regressou inteiro. Em África, na Guiné deixou a alegria, o amor, a esperança, a vida. Regressou com a alma mutilada e com a certeza absoluta de que, se tivesse morrido, a sua morte seria, como todas as outras, uma morte para nada. Dói ler narrativas como esta. Dói porque se baseiam na realidade. Na realidade do autor (também ele um ex-combatente do Ultramar) e na realidade de muitos jovens portugueses que ou deixaram a vida nas matas de um país que não era o seu ou regressaram da experiência feridos na alma, transformados, fechados sobre si mesmos e sem um lugar e um propósito na vida. Dói porque são a confirmação do quanto um punhado de homens tem o poder de manobrar a seu bel-prazer com a vida de inocentes, enviá-los para a frente de combate e matá-los. E para quê? Para nada… Por tudo o que referi, é fácil perceber que o maridinho acertou no seu prognóstico. Gostei muito desta obra, apesar de não ter derramado as lágrimas que ele estava à espera que eu derramasse. Porém, por vezes, não é necessário chorar para sentir o impacto de uma história. Estive sempre ao lado do Nuno, apeteceu-me abraçá-lo, embalá-lo, limpar-lhe as lágrimas de guerreiro e, acima de tudo, vi-o como alguém real, uma personagem que poderia ser o meu pai, o meu tio ou um amigo próximo da família. Compreendi as suas dúvidas, as suas revoltas, as suas frustrações, as suas ações e as suas fragilidades. Compreendi a vontade irrefreável que experimentou, anos depois, e que o levou de novo à Guiné. Compreendi tudo isto e compreendi que José Manuel Saraiva se estreou no mundo das letras ficcionadas com muita maturidade, revelando-se um autor que transporta para a suas histórias e sobretudo para as suas personagens a serenidade e a força do seu olhar. Termino recomendando esta leitura e agradecendo de novo à editora Clube do Autor, que me enviou a obra em troca de uma opinião sincera.
As Lágrimas de Aquiles narra a história pessoal do alferes Nuno Sarmento, em comissão na Guiné-Bissau durante a Guerra Colonial Portuguesa, em 1968/69. É uma viagem profunda e crua à realidade desta guerra, que arrastou gerações para um abismo sem fim. Como explicar 13 anos de guerra? Como explicar o que lá aconteceu? Como viver com o que aconteceu? É principalmente com esta última pergunta que se debate o nosso narrador, como viver com as memórias da brutalidade física e sobretudo psicológica. Este relato é de uma extrema sensibilidade que me deu imenso prazer em ler, não me lembro do último livro que li com tanta sofreguidão.
As cicatrizes da guerra permanecem vivas e por sarar entre os combatentes de ambos os lados do conflito. A sociedade está, aparentemente mais interessada em apurar responsabilidades de uma guerra, de uma descolonização apressada e injusta, que ignora a dor e o sofrimento dos principais atores do conflito, sacrificados no altar dos interesses políticos de um regime anacrónico que desfez os sonhos de gerações de jovens.
Esta é a história de uma geração que foi à guerra de África, sem saber ao certo ao que ia, os medos, os amores deixados para trás. Escrito numa linguagem simples mas que que nos conta a realidade daquele tempo.