«Para os Nabasco, A Ronda da Noite acaba por funcionar como um espelho onde se refletem todas as suas aspirações, diversas consoante os que nele se vêem retratados ou simplesmente sugeridos: Maria Rosa acha que Saskia é o vestígio sensível do pecado original, comum a todas as mulheres; Judite encontra no quadro o motor que a faz pintar, Josefa projeta nele todas as suas raivas e frustrações, Martinho julga adivinhar ali um sentido para a sua vida vazia. Como os Nabasco, que não chegam a ser uma família, o quadro acabará por se dissolver na penumbra do esquecimento, como folhas amarelecidas deixadas dentro de um livro outrora muito amado, exatamente como o mundo antigo em que eles se inscreviam.»
Agustina Bessa-Luís was born in Vila Meã (Amarante) in 1922. Her father's family was from the north of Portugal and her mother was Spanish.
She lived her childhood and teenagehood in the region of Douro, Minho and then Coimbra in 1948. She married Alberto Oliveira Luís in 1945 and after 1948 she moved to Oporto.
She started writing at the age of 16 and in 1950 she published her first novel, Mundo Fechado. In 1952 her talent was recognized with the award Delfim de Guimarães, for her book Sibila, which also received the award Eça de Queirós the next year.
In 1958, she gave her first steps in theatre, writing the play O inseparável.
Between 1986 and 1987 she was the director of the diary O Primeiro de Janeiro in Oporto. Between 1990 and 1993 she was the director of D.Maria II Theatre in Lisbon and a member of the Alta Autoridade para a Comunicação Social.
She is a member of the Academie Européenne des Sciences, des Arts et des Lettres in Paris, of the Academia Brasileira de Letras and the Academia das Ciências de Lisboa, being also recognized at Ordem de Sant'Iago da Espada (1980), Medalha de Honra da Cidade do Porto (1988) and degree of "Officier de l'Ordre des Arts et des Lettres", given by the French government (1989).
Various works have been translated in various countries and some were adapted to the cinema, such as Francisca, Vale Abraão and As Terras de Risco by Manoel de Oliveira. Her novel As Fúrias was adapted to the theatre by Filipe La Féria.
At the age of 81, Agustina Bessa-Luís received the Camões Award, considered the most important portuguese award.
Agustina Bessa-Luís nació en Vila Meã (Amarante, Portugal) en 1922, de madre española y padre portugués. Es miembro de la Academia Europea de las Ciencias, las Artes y las Letras de París, de la Academia Brasileña de las Letras y de la Academia de las Ciencias de Lisboa. Sus numerosos libros le han valido las más importantes distinciones, como la de Santiago da Espada (1980), la Medalla de Honor de la Ciudad de Oporto (1988) o el grado de Oficial de la Orden de las Artes y las Letras del gobierno francés (1989). En 2004 recibió el galardón literario más importante en lengua portuguesa, el Premio Camôes.
Em 2006, com quase 84 anos de idade, Agustina Bessa-Luís terminou mais esta maravilha narrativa. "A ronda da noite" revisita as histórias familiares da burguesia do norte de Portugal que Agustina retratou como poucos. Desta feita o retrato repassa a segunda metade do século XX a partir do olhar de Maria Rosa Nabasco, do seu neto Martinho e de uma familiar panóplia de personagens que num crescendo nos mostram a decadência de uma família burguesa. Mais uma vez a leitura deste romance me confirma a paixão por Agustina, autora que devo continuar a ler em 2023.
Ninguém escreve como a Agustina. O icónico quadro de Rembrandt serve de espelho e caixa de ressonância à história dos Nabascos. Através do olhar dos diferentes membros da família, observamos A Ronda da Noite: uns não têm dúvidas da autenticidade do quadro, insistindo em preservá-lo como símbolo da glória ida e do estatuto de uma família que a decadência financeira coloca em causa. Outros, não sendo capazes de compreender o quadro, transformam-no no alvo do seu ódio e desprezo; há quem se inspire no jogo de luz e sombras para mergulhar no exercício da pintura, e fugir à própria existência decrépita e decadente. Martinho Dias Nabasco, que acompanhamos desde a infância, vê na Ronda da Noite uma espécie de livro de adivinhas e desafios, e toma como sua missão de vida decifrá-lo, juntamente com a sua própria identidade e com o significado da sua vida. Como sempre, a mestria de Agustina desenha os enredos e as personagens com a luminosidade do exímio uso do mais rico vocabulário e a mais virtuosa prosa, colorida pelo retrato da sociedade portuguesa e a reflexão profunda sobre o que somos. Uma leitura que voou e a que regressarei necessariamente ao longo da vida.
Não terminei. Gostei de alguns aspectos do livro, mas achei muito chato. Sou leitora de empatia e não há nada (como não encontrei em Fanny Owen também) com que empatizar. Além de considerar que a “liberdade” política da Agustina pode ser encarada como dificuldade em assumir um compromisso, uma posição.
Sem qualquer tipo de intenção de escrever algo que me comprometa demasiado, tenho a dizer que este é capaz de ser dos melhores livros que me passou pelas mãos. Note-se que foi o último romance escrito pela Agustina. Isto por si não diz nada, mas também é capaz de dizer tudo.
A história duma avó e do seu neto, cuja relação é entrecruzada por uma falsificação (que julgam ser autêntica) do quadro de Rembrandt, A Ronda da Noite. É também o último romance escrito por Agustina. Avassalador, porque nele lê-se a sua despedida. Enfim, uma reflexão sobre a juventude, a velhice e a morte. E sobre arte. O eterno a que Agustina pertence.
Esta narrativa gira em torno da decadentes Nabascos e a obsessão por um quadro de Rembarandt (que pode ser autêntico ou não). O quadro acaba por funcionar com um espelho para as aspirações desta família, mas para Martinho torna-se no centro da vida em que verifica cada passo que dá e cada pessoa presente na casa como parte daquela representação visual. Bessa Luís confere um misticismo único aos seus livros, e nesta sua última obra podemos observar a relação de adoração de Martinho pela sua avó Maria Rosa que o torna um "principezinho" incapaz de servir o mundo e apenas contempla sentido para sua vida na Ronda.
Parafraseando Agustina, poder se ia dizer que há "quem pinte (escreva ) melhor do que ela . Mas não há quem recolha , dum só traço, aquele olhar, sempre o mesmo, que se alimenta dum vazio que há na vida, vazio da cultura e do amor, em tudo". Agustina é uma exímia pintora da alma humana tal com Rembrandt. As suas personagens são profundas, densas como não encontramos outras. As suas palavras sábias, ancestrais, revelam - nos a verdadeira essência humana com os seus defeitos e virtudes. Tal como Rembrandt retratou a guarda masculina dos arcabuzeiros , como se estivessem suspensos no tempo, à espera de um sinal, também Agustina mantém suspenso no tempo um universo povoado de mulheres, guardiãs da casa, espaço de afetos e de violências.
"É como as palavras: algumas juntam-se, correm umas para as outras para se abraçarem."
Este parágrafo é de uma ironia e sentido de humor fantásticos:
"As viagens inventaram-se para quem está triste. Se não houvesse pessoas tristes não havia agências de viagens. Que julgam que o infante D. Henrique fez ao criar a Escola de Sagres? Um ponto de partida para se poupar à melancolia."
A Ronda da Noite surge neste romance ora como pretexto ora como metáfora daquilo que pode ser interpretado como a charada da vida social.
Num quadro onde nada é o que parece e em que tudo de perigoso pode acontecer, Agustina esgrime a sua acutilante e precisa escrita que mais uma vez a coloca no lugar mais cimeiro da literatura portuguesa.
Uma história em que o que acontece é o pano de fundo para uma reflexão filosófica a fazer lembrar os grandes clássicos da filosofia grega.