Pela primeira vez publicado em 1979, pela editora Centelha, Os Objectos Principais é talvez a melhor porta de entrada na obra de António Franco Alexandre, um livro que vincaria ainda mais a mudança que a sua obra fazia na poesia da década de 70. Quem conseguirá esquecer estes versos de entrada, depois de os ler pela primeira vez: «poderemos, um dia, amar estas vitrinas / como quem ama uma ideia imperdoável, ou uma / breve hesitação dos condutores / a meio do percurso? […]». Esta edição conta ainda com um prefácio de Joana Matos Frias.
António Franco Alexandre nasceu em Viseu em 1944. Estudou Matemática em Toulouse, Harvard e Paris, onde também estudou filosofia. Em 1975, volta a Portugal e é convidado para leccionar Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Estreou-se como poeta na década de 60 mas foi sobretudo a partir da publicação de Sem Palavras nem Coisas (1974) que a sua obra se afirmou como uma das mais significativas da actual poesia portuguesa. António Franco Alexandre surpreende por uma ostensiva negação dos valores lógicos do discurso sendo largamente reconhecido pela sua linguagem inovadora. A. F. A., que na poesia portuguesa contemporânea não se sabe situar – "Não sei quem é a minha família, não sei se existe..." –, continua a tomar como influência maior os grandes textos bíblicos. Foi para os poder ler que esteve diversas vezes em Jerusalém a estudar hebraico. "É uma cultura que hoje quase desconhecemos...", diz ele. Outras obras: Distância (1969), Dos Jogos de Inverno( 1974), Cartucho (Ed. dos Autores, 1975, Obra Colectiva com J.M. Fernandes Jorge e Hélder Moura Pereira); Os Objectos Principais (Centelha, 1979), A Pequena Face (1983), Visitação (1983), As Moradas 1&2 (1987), Oásis (1992), Poemas (1996), Quatro Caprichos (1999; prémio APE de Poesia); Uma Fábula (2001), Duende (2002) e Aracne (2004). A Assírio & Alvim editou todos os livros excepto Cartuchos e Os Objectos Principais. Vale a pena ler todos.
tu, por exemplo, transportando na boca o saber da tua pele transparente, invisível quase. quando entras no tronco das árvores, que lugares percorres? que inclinação aprendes das arestas luminosas do trevo?
???/5 acho injusto (como na larga maioria das obras de poesia portuguesa relevantes) que não exista pelo menos uma ou outra crítica a esta obra na aplicação "goodreads". até porque, para mim, é uma obra um bocado inclassificável.
partindo da relação com o objecto e a palavra, ou de que forma esse objecto é passível de ser representado por uma palavra, AFA explora os limites do surrealismo tardio português. classificar os objectos principais como "surrealista" é nanhento, uma fraude. o exercício aqui é o de esticar até ao máximo a possibilidade da associação inconsciente, mas num campo que já transcende a imagem. o resultado é uma poesia de tom mais abstracto, onde muito significado da palavra se perde. por vezes os elementos caem-nos de repente no cólo e não sabemos bem o que fazer com eles "esse fantasma levantou os ladrilhos do corredor, entornando/à passagem o balde de geleia azul.", é a abertura de um poema inicial. donde vem este balde? para onde vai? porque é que está ali e nos aparece de fórma tão estranha?
coisa comum no Franco Alexandre é o seu registo múltiplo e fragmentado. poemas alteram de tom, alguns são acabados a meio, como se fosse mesmo um fluxo de pensamento interrompido "(...)apenas o tropel/dos búfalos, ao fundo, nos/elucida: então" é um exemplo deste movimento. é um livro mesmo estranho, diferente, mas que nem sempre resulta. há tanto poema que carece dum sentido de ritmo, de musicalidade. há pouca atenção no geral à fonia da linguagem (sobretudo comparado ao seu primeiro livro), o que me espanta. temos, num mesmo livro, excertos como "estas ligeiras coisas me acontecem: o copo azul, o azul, as/tartarugas luminosas; e ainda assim a ausência/dos navios se agita nas gavetas." ou "não quebrem a amurada das amáveis/chávenas!" ou ainda "um dia os alçapões abertos cuspirão/o sentido destes combates soçobramos. serão/ao longe as ilhas? este retrato/é pouco semelhante"
alguns, deixam-me completamente virado do avesso, desconcertado, mas sem uma grande imagem, um grande sentimento. são poemas concebidos através de exercícios bastante cerebrais para o meu gôsto. muitos parecem só experiências porque sim, ou são simplesmente de mau gosto "violeta; violenta; violentada; verde?". e há versos que não me fazem sentir coisa alguma se não insípido. "a imagem é pouco fiel(...)", e consegue-se perceber bem que duvida da mesma. são imagens fragmentadas, díspares, que arrancam dum lado e aparecem no outro de verso para verso, mas que não se conseguem definir propriamente. "como viver com estas minúsculas/intempéries, a régua sobre a mesa, a chuva/pendurada nos altos telégrafos da paciência?" - uma secção que não me invoca propriamente nada, não me excita, não me fascina, não me deixa a pensar. só um pouco de vazio do qual me esqueço em momentos.
este livro é importante, sinto que, depois de o ler duas vezes, percebo pelo menos parte de onde quer chegar, mas se calhar o problema é mesmo esse: é uma poesia que se foca demasiado no perceber e menos no sentir, coisa que não me apraz de todo. é novo, sim, portanto claro que recomendo a leitura, mas nem sempre vai ser bom.