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A desumanização

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Na paisagem gélida da Islândia, a menina Halla, de apenas onze anos de idade, busca compreender os sentimentos que surgem com o falecimento de sua irmã Sigridur. Vivendo a divisão permanente das “crianças espelhos”, Halla nos guia por impressões de transitoriedade e perda a partir do seu ponto de vista infantil e, por isso mesmo, cheio de uma simplicidade profundamente poética.

O sofrimento do luto, a solidão e a violenta frieza da mãe se misturam com a paisagem inóspita da Terra do Gelo e, somados à narração lírica e melancólica de Valter Hugo Mãe, em que o desamparo dos personagens é superado por uma compreensão sublime e bela de sua condição, transformam esta obra em um primor da literatura contemporânea.

192 pages, Paperback

First published September 1, 2013

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About the author

Valter Hugo Mãe

68 books2,290 followers
valter hugo mãe é o nome artístico do escritor português Valter Hugo Lemos. Além de escritor é editor, artista plástico e cantor.
Nasceu em Saurimo, Angola em 1971. Passou a infância em Paços de Ferreira e, actualmente, vive em Vila do Conde.
É licenciado em Direito e pós-graduado em Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea.
Vencedor do Prémio José Saramago no ano de 2007
É autor dos livros de poesia: Livro de Maldições (2006); O Resto da Minha Alegria Seguido de a Remoção das Almas e Útero (2003); A Cobrição das Filhas (2001); Estou Escondido na Cor Amarga do Fim da Tarde e Três Minutos Antes de a Maré Encher (2000); Egon Shiele Auto-Retrato de Dupla Encarnação, (Prémio de Poesia Almeida Garrett) e Entorno a Casa Sobre a Cabeça (1999); O Sol Pôs-se Calmo Sem Me Acordar (1997) e Silencioso Sorpo de Fuga (1996). Escreveu ainda o romance O Nosso Reino (2004).
Organizou as antologias: O Encantador de Palavras, poesia de Manoel de Barros; Série Poeta, em homenagem a Julio-Saúl Dias; Quem Quer Casar com a Poetisa, poesia de Adília Lopes; O Futuro em Anos Luz, por sugestão do Porto 2001; Desfocados pelo Vento, A Poesia dos Anos 80, Agora.

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5 stars
1,610 (30%)
4 stars
1,986 (37%)
3 stars
1,195 (22%)
2 stars
371 (7%)
1 star
110 (2%)
Displaying 1 - 30 of 498 reviews
Profile Image for Teresa.
1,492 reviews
September 3, 2015
Podia (devia?) dar a estrela e fugir...mas não...
A experiência diz-me que qualquer livro, por muito que o deteste, me oferece sempre algo de bom. A Desumanização, deu-me coragem e incentivo para voltar a ler António Lobo Antunes e poder continuar a acreditar que ainda há pelo menos um autor português que não me irrita e me dá gosto ler.

Valter Hugo Mãe situa esta coisa na Islândia mas, pareceu-me que as personagens não são islandesas mas sim extra-terrestres:
A mãe - desgostosa com a morte de uma das filhas - tortura, mutila e anseia pela morte da gémea sobrevivente. Tem uma faquinha, com que se auto-mutila, e dá o mesmo tratamento à filha. A sorte da miúda é que "o meu pai pensador e fantasioso abraçou-me. O meu pai salvou-me muito. Subiu a mão pesada sobre o rosto da minha mãe e desceu. Bateu-lhe." (talvez as mães islandesas tenham uma forma peculiar de fazer o luto, sei lá...);
Halla, uma miúda de onze anos (que tem um filho aos doze), com profundos pensamentos filosóficos sobre a vida (que nem eu consigo e já tenho mais de meio século), como por exemplo: "A morte é a simplificação das almas. Deixa-as libertas dos infinitos pormenores do corpo. Libertas da sua vulnerabilidade. Ele deteve-se por um instante. Eu repeti: o corpo suja a alma." (talvez as miúdas islandesas sejam muito precoces, sei lá...);
Na página 75 podemos apreciar uma interessante exposição sobre a honestidade e inteligência dos genitais: "As partes dos homens eram para fora, mais dadas à limpeza e à honestidade. Eram muito mais honestas, dizia. Viam-se bem e não enganavam quanto a tamanhos e outras medidas e sabores. As partes dos homens eram estáveis. De confiança. Como se fossem mais inteligentes." (talvez os órgãos genitais dos islandeses sejam humanizados, sei lá...).

As personagens são irreais e o que dizem é ridículo. Durante a leitura - desesperada por estar a odiar um livro tão apreciado - pesquisei algumas críticas (o jornal Público tem uma opinião muito favorável do José Riço Direitinho) e deparei-me, em todas, com a referência à escrita poética. Frases curtas, atabalhoadas e sem sentido são poesia? Eu sou mesmo uma besta!

E, agora, vou continuar a "ouvir" A Morte de Carlos Gardel para me reconciliar com a escrita em português...
Profile Image for Paula Mota.
1,666 reviews563 followers
December 17, 2019
2,5*

Tudo neste livro é um exagero e um chover no molhado. Uma hipérbole, para entrar no espírito do autor. Uma paráfrase página após página. Não há recurso expressivo de que Valter Hugo Mãe não se tenha enamorado, mas as metáforas e as comparações são uma verdadeira obsessão. Estas aliadas a uma certa falta de finesse, aos sucessivos aforismos e à repetição constante de palavras como Islândia, fiorde e boca de deus tornam a leitura cansativa e irritante. O autor parece deslumbrado com o cenário, com os fenómenos naturais, aos quais não faltam sequer a aurora boreal, e decidiu polvilhá-los, num enredo muito ténue, com algumas personagens que são loucas ou aluadas ou têm uma óbvia falta de bom senso. É uma pena, porque gosto deste isolamento, deste ambiente inóspito e destas personagens cruas, e acima de tudo, da original e tocante ligação da jovem Halla à irmã que morreu, mas teria de ser tudo mais subtil para realmente resultar comigo.
Profile Image for Inês.
217 reviews65 followers
October 15, 2013
O Filho de Mil Homens deixou-me saudades que se foram agigantando nestes dois anos de espera. Foi duro, mas deixem-me que vos diga, não foi em vão, A Desumanização é um livro imperdível. Claro que isso não faz com que seja fácil falar sobre ele, pelo contrário, mesmo depois de o ler duas vezes foram precisas outras tantas semanas para arrancar a ferros este texto miserável que vos deixo.
Não podemos definir este romance apenas como uma história dramática vivida nos inóspitos fiordes islandeses. Que nos falte a coragem para sujeitá-lo a tão débil definição quando se trata de um livro que fala, entre tantas outras coisas, de crescimento, de insularidade, de luto, de solidão, de amor, de medo, de busca de identidade. Muito de pessoas, outro muito de paisagem. Mas esta Islândia nunca se contentaria em ser somente um cenário, é uma personagem forte, esmagadora, também ela em transformação descontrolada, que condiciona a existência de todas as outras personagens («Era igual a querermos controlar o nervoso da Islândia. Da Islândia inteira. Um nervoso que se nos impunha, tão vulneráveis e para tudo deixados à deriva.»).
A narradora, Halldora, é uma menina de 11 anos que perde a irmã gémea («Foram dizer-me que a plantavam.») e se vê obrigada a descobrir uma forma de persistir com essa falha, com essa metade desarraigada da sua pessoa, no seio de uma família despedaçada pela tristeza. Amando um pai esvaziado («(...) era agora um homem encurralado. Impotente. Com os nervos a toldarem-lhe as ideias. Ainda generoso, mas confuso. Não escapava de si mesmo. Andava singular, e singular se predava, se abatia. Sozinho, o meu pai seria suficiente para se consumir. Para se acabar.») e defendendo-se de uma mãe que o sofrimento tornou cruel.
Halldora cresce em carne viva, «atrapalhada com ser ainda criança e ter dentro toda a dor do mundo». Sem orientação, consente que a inocência da infância se extinga («Não me ajudavam a regressar à infância. À desimportância da infância.») e, muito mais rápido do que merecia, torna-se mulher («Era uma mulher tão completa quanto apenas a tristeza as sabia fazer.»). Assistimos impotentes às suas escolhas questionáveis, próprias da adolescência, e vemo-la perder-se entre as incertezas do que queria («(...) confessei que me vinha ao coração uma vontade muito grande de partir o corpo. Alguém afirmou que eu me viciara na duplicação. Não tinha identidade própria. Era uma aberração. Queria fugir. Quem quer fugir já metade foi embora.») e a convicção do que não queria. E o que Halldora (e Sigridur) não queria(m) era continuar a ser aquilo («Escutaria a tristeza dos nossos dias. Recusava-se a nascer para aquilo. Para ser o que éramos nós.»).

Um romance inesquecível escrito em frases curtas que não são mais do que versos de poemas ligados por vírgulas ou pontos finais numa linha contínua. Frases curtas que se organizam em capítulos igualmente curtos. Apesar de ser um livro profundamente triste, houve espaço para deixar transparecer um pouco do humor de Valter Hugo Mãe. Tinha de existir esta tia «solteirona e larga, como uma mulher que comera um urso sozinha. Ressonava como se o urso ainda estivesse a refilar dentro dela, reclamando que o deixasse sair». Era preciso sorrir no meio de tanta tristeza opressora.

Gudmundur diz que «A beleza é sempre alguém, no sentido em que ela se concretiza apenas pela expectativa da reunião com o outro. (...) Todas as lagoas do mundo dependem de sermos ao menos dois. Para que um veja e o outro ouça». O propósito de um livro também só se cumpre se existirem ao menos dois. Para que um escreva e o outro leia. No entanto, só a beleza pode distinguir e enaltecer uma obra. A deste romance existe, é real porque a posso partilhar convosco. Não tarda seremos muitos, a ler, a partilhar, e a provar que a literatura torna o Mundo todos os dias um bocadinho mais bonito. Ainda que ele esteja, efetivamente, a desumanizar-se.


Citações:

«Por serem ingénuas, as ovelhas levavam os corações puros que apenas suportavam a alegria de comerem do chão sem surpresas.»

«Fui confirmar ao meu pai que descobrira a pânico. Um instante em que o interior nos vinha à pele estarrecido com o nojento das entranhas.»

«Quando falo, não entrego nada. Deixo mesmamente despido quem tem frio e não encho a barriga dos que têm fome. Quando falo, o que faço é perto de não fazer nada e, no entanto, cria-nos a sensação de fazer tanto.»

«Talvez tivessem sido os pássaros mais tristes quem levara os lagos para os topos difíceis das montanhas. Apenas os pássaros poderiam ter sofrido tanto em tão altos e distantes lugares.»

«Ali me sentei, nem chorando, descansando os braços do berço triste que haviam feito.»

«Disse-lhe que não aceitava mais ser criança. As crianças não sepultam filhos. Quem sepulta um filho não tem idade.»

«E acreditar que deus se ocuparia também dos nossos destinos era uma casmurrice, talvez. Uma pretensão toda a dar-se importância. (…) Deus certamente bocejaria se assistisse ao espectáculo pequenino das nossas vidas. Estaria indubitavelmente olhando para outro lado, para outro lugar. (…) Deus devia estar ocupado com mais gente. Lugares de mais gente. Onde verdadeiramente alguém se revelasse excecional e admirável.»

«Os livros podiam ser atentos ou desatentos ao modo como contavam. Nós, inspecionando muito rigorosamente, achávamos melhores aqueles que falavam como se inventassem modos de falar. Para percebermos melhor o que, afinal, era reconhecido mas nunca fora dito antes. Os melhores livros inauguravam expressões. Diziam-nas pela primeira vez como se as nascessem. Ideias que nasciam para caberem nos lugares obscuros da nossa existência.»
Profile Image for Elisa Santos.
390 reviews1 follower
October 4, 2016
Terminei este livro á práticamente 1 semana, porque me deixou sentimentos contraditórios quanto ao que senti na sua leitura. E ainda agora, não tenho bem a certeza de me ir saber exprimir.

A história passa-se nos fiordes islandeses, mas até poderia ser na Lua, pois não há elementos identificativos da zona, apenas algumas menções muito espaçadas e sem o autor nos dar noção nenhuma da época em que se situa a história. Uma das coisas que gosto de fazer é me situar no tempo e no espaço, e aqui e nesse sentido, falhou.

Halla perdeu a sua irmã gémea aos 10 anos e engravida aos 12. A mãe e o pai passam a ser 2 fantasmas a vagarem pela casa, cada um metido na sua maneira especial de fazer o luto: a mãe a mutilar-se e o pai a fazer poemas e a sair semanas a fio para a pesca.
No fundo, isto é a história de uma família que não soube fazer o luto pela morte de um dos elementos e na qual, o elemento mais frágil - a irmã gémea - é deixada ao acaso, para que descubra qual o lugar dela naquela família e aldeia, porque todos se referem a ela como "a menos morta". Confesso que houve alturas em que me apeteceu bater na mãe, pela sua malvadez, egoísmo e até um certo perigo para a sua filha viva, de abanar o pai fortemente para o tirar da letargia e da litania dos poemas para a Islândia e o corpo da Islândia e assim por diante.
Halla acaba por encontrar um confidente e amigo em Einar, um rapaz com uma história obscura,e que é tratado como se fosse o idiota da aldeia.

Devo dizer que todo este livro me deu frio, tal o frio descrito da terra como o frio das emoções. Este livro deu-me raiva, tristeza, um sentimento de abandono em todas as suas páginas. Ninguém comunica com ninguém, ninguém dá carinho a ninguém. São os sentimentos desordenados de alguém a fazer luto - todos os pensamentos, por mais dolorosos, extrapolados e negros estão aqui sem nenhuma ordem ou seguimento lógico e encdeado, para o leitor ler e fazer de sua justiça. Todo o livro tem um ar de no future.
E acaba com um fim em aberto, que para mim, encaixa perfeitamente, dadas todas as circunstâncias até lá chegar.

Então, porquê as 3 estrelas?

Simpesmente porque poderiam ter sido comunicadas as mesmas emoções, mas com um pouco mais de estrutura narrativa. Um livro um pouco mais acessível. Eu entendi tudo o que o autor quis transmitir, mas não foi fácil "desbravar" a narrativa - talvez por ser a minha primeira experiência com ele, vou-lhe dar o beneficio da duvida.
Mas - e aqui não me batam - só parece um livro elitista, um exercício pessoal do autor, que foi editado. A voz de Halla, uma menina analfabeta de 10 anos, que pensa como Aristóteles é um tanto ou quanto incongruente. Toda a gente na aldeia tem filosofia na ponta dos dedos e da lingua- ninguém é "normalzinho".

Irei dar certamente outra chance a este autor, que me intrigou e a este livro também - irá ser relido, num futuro mais distante, pois também me intrigou bastante.

Edição: retiro as estrelas para 1 pois quanto mais penso neste livro, mais raiva me dá o tempo que perdi a ler e que me forcei a acabar. Quanto ao autro, não se se merecerá outra chance. Não fiquei impressionada ou melhor dizendo deixou-me uma má impressão.
Profile Image for Ludgero Cardoso.
94 reviews166 followers
March 23, 2016
Não sei o que sinto. Penso não ser capaz de avaliar este livro.
Profile Image for Ensaio Sobre o Desassossego.
428 reviews217 followers
November 14, 2021
Não é uma leitura fácil. Estive sempre de estar muito atenta, normalmente em absoluto silêncio, para poder seguir a história. Percebo, também, que não seja um livro para todo o tipo de leitores. Apesar de não chegar às 300 páginas, é um livro difícil. As frases são curtas. Os capítulos são curtos. Não há muita pontuação, a não ser vírgulas e pontos finais. Ou odeiam ou amam. Cada passagem é feita para nos fazer pensar, ou para nos magoar. Chicotear.

É um livro triste, tremendamente triste, e bastante intenso. Acredito que para o lermos, temos de estar na disposição certa. Um dia chuvoso de Inverno, talvez. É um livro triste, inquieto e desassossegado, mas também profundamente bonito.

A Desumanização foi o primeiro livro de Valter Hugo Mãe que li e quero muito voltar a ler algo deste escritor.

"Quando for grande, quero ser de outra maneira. Quero ser longe. Eu respondia: ninguém é longe. As pessoas são sempre perto de alguma coisa e perto delas mesmas. A minha irmã dizia: são. Algumas pessoas são longe. Quando for grande quero ser longe. E eu respondia: eu acho que quero ser professora."
Profile Image for Alma.
751 reviews
October 22, 2020
“Quando for grande, quero ser de outra maneira. Quero ser longe. Eu respondia: ninguém é longe. As pessoas são sempre perto de alguma coisa e perto delas mesmas. A minha irmã dizia: são. Algumas pessoas são longe. Quando for grande quero ser longe.”
Profile Image for Daniel Santos.
15 reviews5 followers
June 25, 2017
Assustadoramente perturbador, porém tão bonito. Um dia vou conseguir falar deste livro, mas não hoje.

"Eu pensei: Sigridur, corta-os com facas, mana. Corta-os desse lado, por mim. Eu sabia que ela me ouviria. Eu era gémea da morte"
Profile Image for Gonçalo S Neves.
Author 2 books35 followers
November 20, 2018
3,5*

Vale pela escrita do autor.
A história começa por ser interessante. Contudo, confusa.
O conceito e a temática tornam um livro criativo, mas são as personagens que não me convencem. Todo este encadeamento obscuro e atroz vai empurrando o leitor para um emaranhado de difícil desprendimento.
No entanto, são as passagens mais esperançosas e mais sublimes sobre a vida que acabam por levar-me a finalizar a leitura. O que fica de nós aquando da morte?
Valter Hugo Mãe habituou-nos a uma escrita bela e devota. Mas é nesse mesmo excesso de devoção por trás das atrocidades que o livro peca.
Profile Image for Sofia Teixeira.
607 reviews132 followers
October 8, 2013
Ler Valter Hugo Mãe era um desejo que existia há bastante tempo. Na feira do livro de Lisboa já tinha adquirido um dos seus livros, mas foi com a publicação de A Desumanização que senti que não podia esperar mais. Encomendei o livro ainda em Pré-Venda e mal o tive nas minhas mãos, mais ao excelente e artístico poster, tive de o abrir e mergulhar na sua leitura. Foi um mergulho por uma Islândia que eu desconhecia, mas que aos poucos se foi tornando em algo familiar, uma estranheza que depressa se entranhou em mim e que, mesmo passada uma semana do término da leitura, me deixou com um sentimento de ressaca.

De uma maneira muito própria, crua e ao mesmo tempo poética, o autor apresenta-nos um leque de personagens diferentes de tudo o que já tinha lido. Conjugando com todos os cenários que nos são apresentados, A Desumanização tornou-se numa obra que no seu conjunto é muito mais do que um agrupamento de letras e palavras, mas antes um livro com alma, vivo e pulsante nas nossas mãos, que nos faz sentir, ver, cheirar; que faz com que nos entreguemos por completo numa rendição deliciosa.

«Mais tarde, também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas.»

Usando e abusando da simbologia para transmitir certos conceitos e ideias, Valter Hugo Mãe revelou-se de uma mestria absurdamente notável no seu domínio. É impossível ficarmos indiferentes a Halla e à forma como se dá a evolução da sua aceitação em relação à morte da irmã Sigridur e do seu próprio filho. Podendo ser chocante o seu papel nesta obra, dada a sua idade, torna-se imperioso para o leitor querer protegê-la, defendê-la e estimá-la, tornando a ligação altamente íntima.

A minha mãe disse: fazes tudo assim, maldita, fazes tudo como se fosses um bicho. Vou gostar de te ver morta como um bicho também. E eu respondi: morra a senhora também, minha mãe."

A Desumanização, mais do que mais um livro, é uma autêntica obra de arte. Confesso que ao início custou-me um pouco habituar-me ao estilo de escrita do autor, com as suas frases constantemente curtas, mas logo se tornou natural e até natural que assim fosse para melhor sentirmos o que nos é transmitido. Sou uma amante de livros assim, que mexem connosco, que nos esquadrinham por dentro e que de certa forma nos mudam. Ninguém poderá ficar igual depois de ler esta obra. Uma excelente estreia na minha aventura literária de Valter Hugo Mãe.
Profile Image for Clara.
33 reviews2 followers
February 5, 2019
Nota mental para lembrar que este livro tem uma das escritas mais bonitas que já vi. Queria eu ter uma sensibilidade remotamente parecida no uso das palavras. Valter Hugo é realmente um mestre do português.
Profile Image for Sebastião.
101 reviews17 followers
November 30, 2020
Como classificar este livro? Que critério utilizar? Formalmente, o livro é perfeito. Muitíssimo bem escrito. A história contada e construída sob lampejos de genialidade. A desumanização retratada como se fosse possível fotografá-la e guardá-la num bolso da algibeira. Uma fotografia com cheiro e tato e aperto de coração.
E, contudo, é um livro que é uma tristeza só. Tristeza vertida em livro. Tristeza sobre tristeza. E os pequenos raios de luz são ocasionais dissonâncias e cadências de mais tristezas e tragédias. São clímax para tragédias humanas que superam as anteriores. Não há uma mensagem clara de esperança. Há apenas um final aberto que dificilmente resultará nisso, em esperança. Pois o leitor, massacrado de tal forma ao longo daquelas páginas, envolvido naquele negro humano, vê-se incapaz de imaginar um arco-íris, por pequeno que seja.
Dizer que este livro é sobre a Islândia é falso. É enganador. Primeiro porque o espaço descritivo dos objetos é diminuto, pese a menção repetitiva aos fiordes. Mas sobretudo porque a descrição concentra-se nas pessoas, nos comportamentos e nos sentimentos. Isto torna esta história não uma parte do universo islandês, ou até mesmo sua consequência, mas uma propriedade de todos os sítios desumanos do mundo, onde as pessoas vivem mergulhadas em universos imaginativos próprios, germinados numa ignorância coletiva. Onde as pessoas não comunicam umas com as outras, não se procuram entender e não se suportam verdadeiramente.
Por isso, volto ao início. Como classificar este livro? É o livro mais triste que alguma vez li. Serve como alerta para todos nós. No que somos e no que nos podemos tornar.
Profile Image for João Carlos.
670 reviews316 followers
October 16, 2015

(in FB Valter Hugo Mãe - 2013-06-07 em bildudalur. caminho das termas. as ovelhas gostam de ver quem passa. islândia.)


Nota Prévia: Esta review é escrita com frases retiradas do livro - com "ligeiras" adaptações...

Sofri muito para ler "A Desumanização" é a infelicidade que me resta. Achava que, sem ao menos este sentimento, não havia nada. Abdicada da beleza, o livro resistia apenas, igual a servir de covil de um animal espaçoso. Havia salvo alguns livros à revelia das fogueiras para o esquecimento. Estive sempre deitado à boca de deus. Pressenti que faria algo de mau. Na minha idade devia ter o dobro do juízo. Quando me lembrar, vou ter que pensar numa vingança. Era um tarefa que devia desempenhar-se com humildade. Os peixes debatendo-se podiam ser um poema. Quando falo não entrego nada. O que digo é só bom porque pode ser dito... Não podemos navegar numa palavra. Não podemos ir embora. Falar é ficar. Se falo é porque ainda não fui. Ainda aqui estou. Preciso de me calar... Preciso de aprender a calar-me. Quero muito fugir...

Depois de ler nos últimos meses:

Halldór Laxness"Gente Independente 5* - "O Sino da Islândia" 5* - "Os Peixes Também Sabem Cantar" 4*

Sjón"A Raposa Azul" 4*

Jón Kalman Stefánsson"Paraíso e Inferno" 5* - "A Tristeza do Anjos" 5*

Thor Vilhjálmsson"Arde o Musgo Cinzento 4*

Hannah Kent (Australiana) - "Últimos Ritos" 5*

Acrescento: "Consumia os livros como se deus os lesse. Haveria de julgar cada frase. Os escritores teriam sempre longas contas para acertar com deus, por se atreverem a deixar as ideias mais perigosas ao serviço dos mal preparados, dos ingénuos, dos sonhadores, dos que errariam em qualquer decisão perante as questões mais elementares. Deus haveria de sentenciar cada texto e cada memória, e todos os escritores seriam triturados entre os seus dedos para caírem como o pó no esquecimento do inferno. A nós, competia nada, apenas assear, organizar, obedecer. Não ler, pensei, era como fechar os olhos, fechar os ouvidos, perder os sentidos. As pessoas que não liam não tinham sentidos. Andavam como sem ver, sem ouvir, sem falar. Não sabiam sequer o sabor das batatas. Só os livros explicavam tudo. As pessoas que não leem apagam-se do mapa de deus." (Pág. 167 - 168)
Profile Image for Laryssa Borges.
12 reviews6 followers
May 21, 2017
Não sou capaz de comentar o livro mais triste e lindo que li nos últimos anos.
Cada passagem é um sangramento que paralisa e machuca o leitor.
"Acreditar que deus se ocuparia também dos nossos destinos era uma casmurrice, talvez. Uma pretensão toda a dar-se importância. (…) Deus certamente bocejaria se assistisse ao espetáculo pequenino das nossas vidas".
E o que dizer quando VHM afirma que, quando criança, pensava que a palavra coração era da família da palavra caroço? "Achava que os meninos mortos faziam nascer pessegueiros porque os pêssegos tinham pele. O primeiro pêssego que comi foi em idade adulta". ❤️
Profile Image for Pedro Pacifico Book.ster.
391 reviews5,502 followers
March 11, 2020
Acho que é impossível ler apenas uma obra de Valter Hugo Mãe. O autor, um dos meus favoritos, consegue entrelaçar narrativas simples, mas intensas, com uma escrita impressionante. É como sempre falo: parece que cada palavra foi escolhida a dedo. Em A desumanização, essa fórmula se repete. Acompanhamos uma história contada por uma garota de 11 anos, logo após a morte de sua irmã gêmea. É a morte e o luto a partir da perspectiva de uma criança. Acostumada a compartilhar tudo com sua irmã, desde o nascimento, a dificuldade encontrada é em como viver como uma só. Halla passa ser a metade de um inteiro, a “irmã menos morta”. Diante desse episódio tão marcante, a protagonista passa a descobrir os segredos da família e do vilarejo em que vive. Não é uma leitura fácil, até mesmo pela sua alta carga poética. Alguns trechos exigem mais de uma leitura, mas aos poucos você se acostuma e acaba engrenando no ritmo e estilo do autor. O cenário melancólico de uma Islândia congelante consegue dar ainda mais profundidade à obra. “A máquina de fazer espanhóis” e “Homens imprudentemente poéticos” ainda são os meus livros favoritos do autor. Mas, como disse, todos os livros do autor merecem ser lidos!

Nota: 9,5/10

Leia mais resenhas em https://www.instagram.com/book.ster
Profile Image for Ema.
814 reviews84 followers
did-not-finished
May 27, 2019
Depois de meses num sofrimento atroz para conseguir ler umas frases sem entender nada ou apreciar coisa alguma, resolvi colocar o livro de novo na estante e esquecer que ele existe. Parei na página 65 e foram as 65 páginas mais inúteis da minha vida. Desculpem-me, quem adora este livro, mas eu não consegui retirar nada de bom dele. Não gostei da escrita, não gostei das personagens, não gostei da narração, não teria gostado da história se houvesse alguma. O livro é lindo, só que o é apenas por fora. Estava muito empenhada em gostar dele, mas o tiro saiu-me pela culatra. Talvez, daqui a uns tempos, tente ler outro livro do autor.
Profile Image for Pilar.
178 reviews102 followers
February 5, 2023
"Islandia piensa. Islandia es temperamental, inmadura como los niños, mimada. Tiene una edad geológica pueril. Es, desde el punto de vista del cómputo del mundo, un infante. Por vivir en la infancia, decide con muchos errores, agresiva y exuberantemente."

Una hija, Halla, gemela y espejo de su hermana muerta. Una madre vacía, que se corta y se odia. Un padre racional y animista, que explica el mundo de forma poética y filosófica. Un paraje hostil, que se transmuta en lenguaje: fiordos, landas, aguas calientes, pescado, botellas al mar.

Con estos mimbres y utilizando una prosa fuertemente sensorial, el polifacético creador angoleño teje una historia sobre la vulnerabilidad y la muerte como desperdicio. Se sirve de la voz infantil y de un tema de aparente sencillez –la transformación de la niñez por el duelo–, para escribir todo un tratado sobre paisaje y entrañas. ¿Todo crecimiento deriva en animalidad?

Lo leí en lengua castellana en la cuidada edición de :Rata_ y se intuía un sabio uso del idioma. Paladearlo en portugués tiene que ser una gozada.


Montañas y ovejas, Louisa Matthíasdóttir, 1989
Profile Image for Patrícia.
103 reviews73 followers
February 6, 2017
A minha parte favorita foram as quatro ilustrações ao início, antes de ler. Teve algumas partes boas mas foram tão poucas e pequenas que, para mim, foram completamente engolidas no resto.
Profile Image for Catarina Magalhães.
303 reviews38 followers
October 29, 2016
Fui ver e atribui 4 estrelas aos três livros que li do autor. Sei, agora, que não são 4 estrelas redondas para os três, que um se destaca dos outros, que outro tem as 4 estrelas, apenas e só, pela raiva e impotência que me fez sentir.

Talvez por perceber agora melhor, com alguma distância, a diferença entre aqueles três livros, não consiga atribui o mesmo a este. São três, mas na verdade talvez três e meio. E o que importa? Importa nada. Isto de atribuir estrelas é uma mera brincadeira, porque o que os livros nos fazem sentir, muitas vezes, não se consegue medir em estrelas nem em palavras. Não é justo.
Acho que os de Valter Hugo Mãe caem sempre assim, deixam-me sempre sem saber o que dizer, como explicar o que sinto. Por um lado, quero muito que toda a gente leia, por outro, penso nas minhas amigas mais próximas, leitoras apaixonadas como eu, e sei que talvez não seja para elas. Porquê? Porque gostamos sempre mais de histórias cor de rosa, de dramas que nos apertem o coração mas nos deixem a sorrir no final. Porque a tristeza e o horror já nos rodeiam na vida a sério, na TV, em todo o lado. A leitura é um escape, é um mundo alternativo onde posso ser mais feliz, reclamar com os personagens, apaixonar-me e irritar-me, chorar por criaturas inventadas e príncipes que nunca existirão. E Valter Hugo Mãe não me permite entrar nesse mundo. Pelo contrário, leva-me a um mundo talvez pior que o real, o meu real imediato que, felizmente, é muito bom!

Este A Desumanização é, tal como já vi em muitas reviews, um murro no estômago. É uma tristeza constante, é um aperto mais sério no coração, porque isto sim, é o que acontece todos os dias. E um dia pode calhar-nos a nós. Mas se talvez, enfim, nos outros livros do autor, sentia esta realidade de forma algo distante, com este foi mais difícil. Sou uma irmã apaixonada, embora não gémea, e o exercício de me colocar, ainda que por breves momentos, no lugar de Halla...foi mais do que quis suportar. Espero não ter de passar por isso em toda a minha vida, sinceramente. A dor terrível que será, certamente, e que se sente tanto em Halla. E toda a dor e horror que a rodeia depois de tamanha perda. Tudo piora. Não me conformo com a reação dos pais, embora perceba. Não me conformo com aquela aldeia, com o frio dos fiordes. Não me conformo. Era preciso que um vulcão entrasse em erupção, era preciso calor, ação, algum amor. Era preciso, talvez, que Halla fosse ser longe, como tanto desejava a sua irmã. Talvez assim fosse melhor. Logo no momento, não depois deste final.

Talvez tenha lido o livro demasiado rápido. Talvez me deva antes focar nos livros para crianças que o Valter Hugo Mãe escreve. Talvez precise, todos os dias, mais da esperança do que da realidade. Mas sei que um pouco desta realidade cruel nos põe também a vida em perspetiva. Saber que há alguém com uma vida pior, alguém que sofre mais ou sofre igual, não diminui qualquer dor, não melhora a nossa vida. Mas ter essa noção quando estamos bem, quando, por vezes, momentaneamente, nos esquecemos disso, de que há quem sofra mais, obriga-nos a pensar no outro, e a agradecer pelo que temos.

Nunca sei o que dizer destes livros. Talvez de todos os livros. Acho sempre que só escrevo disparates, e sei que isto não interessa a ninguém. Mas sinto que preciso deste exercício. Já passaram 15 dias mas a história ficou comigo. Halla ficou comigo. E só por isso, embora este livro tenha sido imensamente triste, desolador, só por isso terá de ter as 4 estrelas. Que na verdade são 5. Mas aqui no Goodreads manterei as 5 para outros, que me doam menos. Tal como disse, é pouco justo isto...

Profile Image for iva°.
740 reviews110 followers
July 11, 2023
poezija u formi proze, ipak malo pretjerano poetično za moj ukus. mnoštvo slika onkraj zdravog razuma koje, doduše, čine skladnu cjelinu, ali ostaje okus bizarnosti i poremećenosti. tekst zahtjeva potpunu posvećenost kako se ne bi izgubila nit, ali dosljedan u svojem imaginariju, autor uspijeva dovući te do kraja te tegobne priče o dvanaestogodišnjoj djevojčici kojoj umire sestra blizanka, a nedugo potom ona ulazi u neku vrstu veze s lokalnim budalašem, ostaje trudnom te rađa mrtvorođenče.
valter hugo mãe je portugalac koji je vješto iskoristio islandsku atmosferu - gotovo da povjeruješ da je roman napisao rođeni islanđanin, ali cijela ta bajkovitost, izokrenutost i čudnovatost teško mi je pala.
Profile Image for Sofia Teixeira.
14 reviews4 followers
July 29, 2016
Fiquei contente quando me ofereceram o livro porque queria ler Valter Hugo Mãe. Agradeci com aquele sorriso sincero de quem sente que a sua curiosidade literária foi ouvida.
Agora que já o li há algum tempo, apercebo-me de que muito provavelmente não me foi oferecido para satisfazer as minhas leituras mas sim para insultar a minha inteligência: ofereceram-me este livro porque tem desenhos.
Gostei muito dos desenhos. Se ao menos não soubesse ler..
Profile Image for Rosa Ramôa.
1,570 reviews85 followers
April 10, 2015
***
"O sangue estava esquisito. Eu disse: a menstruação é o sangue que entristece".
***
"(...) Lembrei-me do que a Sigridur me confessara. Que talvez a morte fosse inteligência.
Consciência absoluta e inteligência. Uma coisa boa. A morte haveria de ser uma coisa boa. Feliz. Haveria de ser feliz".
Profile Image for Clarinda.
204 reviews
November 29, 2014

Foi uma leitura dura, angustiante, desconcertante, intensa!
Queria ter encontrado mais esperança, menos negrume e mais humanidade na estória.
Restou-me a "simplicidade" e a beleza da escrita quase poética.
Não sei quando me vou "livrar" desta leitura! Ainda a estou a digerir e sinto que não vai ser um processo fácil...
Profile Image for Pedro Pacheco.
130 reviews22 followers
August 19, 2022
Absolutamente insuportável.

Não fosse este livro apenas 240 páginas (que ainda assim foram um sofrimento para ler), não o teria acabado. Mas de vez em quando gosto de acabar de ler livros que não gosto só para poder ter a certeza de que são completamente irremediáveis.

Nem sei bem por onde começar. É óbvio logo pelas primeiras páginas que este não é um livro "normal" na medida em que não tem uma estrutura convencional, com personagens e enredo bem definidos. Não é de admirar, muitos livros de ficção literária entram por esta vertente mais experimental e que, por si só, não tem nada de errado. Os livros de Saramago, por exemplo, também caem neste balde.

O foco aqui não são as personagens ou o enredo porque o objetivo é que seja um livro lírico. Uma espécie de declaração de amor à Islândia (como o próprio autor confirma nas notas) que vai tocando noutros temas pelo caminho (a morte, a religião, o amor, etc.). Assim sendo, não é por falta desta estrutura convencional, ou ainda pelo facto de este livro habitar um limbo constante entre o sonho e a realidade, que digo que este livro é mau.

Porque a verdade é que, se retirarmos todos os aspetos convencionais de um romance, alguma outra coisa tem de sustentar um livro, seja a escrita, sejam os temas que explora, seja qualquer outro elemento experimental. Mas nem aí este livro vinga.

A começar por algo que me incomodou bastante (TW: pedofilia e spoilers): o "amor" entre a Halla (personagem principal) e o Einar.

Quando o Einar é introduzido à história, é-nos dito por muitas palavras que é feio, grande, e bruto. Eventualmente, a Halla acaba por se apaixonar por ele e segue-se uma cena de sexo bastante explícita que começa com o seguinte parágrafo:
"Tu que idade tens, és mais velho do que o meu pai. Ele dizia que não. Tinha metade da idade e o dobro do juízo. Ríamos."

De sublinhar que a Halla tem, neste ponto da história, 12 anos.

E ainda que aceitemos que a história é contada do ponto de vista de uma criança que não percebe bem de idades e que o próprio Einar é descrito como tendo algum problema de desenvolvimento mental e, como tal, se calhar há-de ter mais ou menos a mesma idade que a Halla, mesmo isso não é suficiente para justificar a constante sexualização da Halla. Após esta cena de sexo, a Halla engravida (repito: com 12 anos), tem um aborto e é dito que volta a ter sexo múltiplas vezes com o Einar.

Já para não falar nas várias passagens que descrevem o Einar como muito maior que a Halla:
"O Einar abraçou-me, enlaçou-me e chamou-me de pequena. Eu era metade do tamanho dele ao comprido e metade do tamanho dele ao largo. Podia caber-lhe numa perna. Ele envolvia-me e eu desaparecia para o seu corpo e era por ser pequena que me sentia confortável."

E nas constantes comparações entre o Einar e o pai da Halla:
"Tu tens mais pêlos do que eu, fazíamos em ti uma floresta. Podíamos ter aí macacos ao dependuro. Não sei. Coisas assim. Coisas que me fazem esquecer a profundidade dos poemas e da falta que me faz o meu pai. Não posso ser teu pai, Halla. Pois não."

????

Eu acredito que há muitos poucos (talvez nenhum) temas que não devem ser explorados em literatura e, como tal, até aceitaria o desconforto de ler sobre esta relação se esta fosse tratada com alguma nuance ou se sequer servisse algum propósito na história ou nos temas que o autor explora. Mas não. Esta relação é tratada como algo belo, como um amor invulgar mas bonito, que se vai desenvolvendo e ficando mais forte.

Como assim?

E mesmo que, sei lá, o objetivo fosse esta relação ser uma metáfora para a relação que os humanos têm com a Islândia (com o Einar a representar a Islândia: imensa, agressiva, bruta), não haveria uma metáfora mais apropriada para conseguir o mesmo objetivo? Qual foi o objetivo de fazer a Halla tão jovem? É certo que o livro explora o que significa perder uma irmã (neste caso, gémea), mas esse tema parece que é esquecido a partir do momento em que o Einar entra em cena. Assim sendo, pergunto outra vez, qual o objetivo de fazer a Halla tão jovem? E mais ainda, qual o objetivo desta relação?

Já para não falar da escrita em si. Muitas das reviews que vejo exaltam a escrita como bela e poética mas... onde? A escrita não tem qualquer ritmo ou cadência. O livro lê-se de uma forma pautada, sem qualquer fluxo. Grande parte das frases não passam das 10 palavras e alguém tem de explicar ao Valter Hugo Mãe que "escrita lírica" não é igual a frases desnecessariamente complicadas e muito menos a metáforas que não fazem qualquer tipo de sentido.

Um exemplo que, ainda assim, não é dos piores:
"Tricotávamos a lã que sobrava e voltávamos aos livros, a ler tudo outra vez e só reparávamos nas palavras. Queríamos nada saber das histórias. Prestávamos atenção às palavras para sabermos como eram ditas as coisas. Porque alguns livros pareciam perfumar a linguagem, outros sujavam-na e outros ignoravam-na. Os livros podiam ser atentos ou desatentos ao modo como contavam. Nós, inspecionando muito rigorosamente, achávamos melhores aqueles que falavam como se inventassem modos de falar. Para percebermos melhor o que, afinal, era reconhecido mas nunca fora dito antes. Os melhores livros inauguravam expressões. Diziam-nas pela primeira vez como se as nascessem. Ideias que nasciam para caberem nos lugares obscuros da nossa existência. Andávamos como pessoas com luzes acesas dentro. As palavras como lâmpadas na boca. Iluminando tudo no interior da cabeça. Como o cristal natural do Einar, que o deixava mágico. As palavras deixam-nos mágicos. Eram os livros que traziam feitiço e punham tudo a ser outra coisa. A boca elétrica, dizia alto. Eu e o Einar escutávamos estudando o mundo."

Isto é suposto ser bonito?

Outro exemplo:
"Escutava o Einar que dizia: deus, nuvem, pássaro. Dizia: adeus. Como se fosse uma palavra da qual se despedia, porque procurava chegar ao centro do escuro e mirar ao infinito para que a sua voz chegasse ao ouvido de deus."

E é assim o livro todo. Talvez a escrita mais pretensiosa, esforçada, e pedante que já li. De sublinhar, mais uma vez, que a narradora tem 12 anos. Gostava que o autor me apresentasse a uma criança de 12 anos que pensa assim. Por outro lado, talvez não seja boa ideia ter o Valter Hugo Mãe perto de crianças de 12 anos.

Para terminar, se dúvidas houvessem sobre os níveis de pretensiosismo do autor, eis o primeiro parágrafo da "Nota do Autor" no fim:
"Quando nasci já o meu irmão Casimiro havia falecido. Durante a infância imaginava-o à minha imagem, um menino crescendo como eu, capaz de conversar comigo partilhando os mesmos interesses. Sabia, embora, que estava deitado sob a terra, e pensava que a palavra coração era da família da palavra caroço, uma semente. Achava que os meninos mortos faziam nascer pessegueiros porque os pêssegos tinham pele. O primeiro pêssego que comi foi em idade adulta."


Please.
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Profile Image for Sónia.
595 reviews55 followers
March 8, 2018
O desejo de ler Valter Hugo Mãe já vem de longe, muito por culpa das excelentes críticas que tenho lido acerca do autor. E eu também lhe faço críticas positivas: o livro, enquanto "objecto" físico" é bastante bonito e parte da escrita do autor agradou-me. Ou seja, não foi na sua totalidade porque as partes que me agradaram penso que tenham sido fruto duma epifania momentânea. No geral, não me parece que escreva de forma soberba (no seu todo, diria que escreve razoavelmente). Quem eu acho que escreve de forma soberba é Nuno Lobo Antunes, por exemplo, e é um autor com uma obra (muito) mais reduzida, em termos numéricos.

Agora a outra parte... Não sei como são as restantes obras do autor mas, se me for basear unicamente nesta, nunca mais "pego" em livro algum de Valter Hugo Mãe. Não aprecio livros de "príncipes e princesas". Gosto que tenham, se possível, uma mensagem de esperança, mesmo que o contexto seja mais "negro". Gosto de livros com que possa aprender algo e que, se possível, me absorvam de tal forma que me dá vontade de "entrar" na narrativa. Aqui aconteceu precisamente o contrário. Quanto mais lia mais me apetecia "fugir a sete pés". E porquê? Porque basicamente este é um livro lúgubre. E diria mais: angustiante, cruel e desesperante. Mostra o pior de que o ser humano é capaz, num cenário em que a esperança e a humanidade são nulas. Já li livros com conteúdo triste (estou-me a recordar de Os Níveis da Vida de Julian Barnes) mas em que a beleza da escrita era de tal ordem que conseguia dar um encanto àquilo que de encanto nada tinha. Cheguei a dada altura em que já não sabia se estava a ver (sobre forma escrita) uma daquelas novelas da América do Sul ou se estava a ler um livro de terror. E logo eu que detesto livros de terror....

Pode ter uma grande legião de fãs, é certo, mas ponho-me a pensar se não será um daqueles fenómenos de curta duração, em que se X diz que o autor é bom, Y, Z, W e todos os outros vão atrás. Eu, como gosto de pensar por mim, sou incapaz de fazer parte desse séquito. Para me deprimir bem bastam os problemas com que tenho que lidar diariamente. Ler pode e deve ser prazer e não um acto de masoquismo. E, na esperança de encontrar uns laivos de luz, li-o até ao fim. E estou tão arrependida...
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