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192 pages, Paperback
First published September 1, 2013


"Tu que idade tens, és mais velho do que o meu pai. Ele dizia que não. Tinha metade da idade e o dobro do juízo. Ríamos."
"O Einar abraçou-me, enlaçou-me e chamou-me de pequena. Eu era metade do tamanho dele ao comprido e metade do tamanho dele ao largo. Podia caber-lhe numa perna. Ele envolvia-me e eu desaparecia para o seu corpo e era por ser pequena que me sentia confortável."
"Tu tens mais pêlos do que eu, fazíamos em ti uma floresta. Podíamos ter aí macacos ao dependuro. Não sei. Coisas assim. Coisas que me fazem esquecer a profundidade dos poemas e da falta que me faz o meu pai. Não posso ser teu pai, Halla. Pois não."
"Tricotávamos a lã que sobrava e voltávamos aos livros, a ler tudo outra vez e só reparávamos nas palavras. Queríamos nada saber das histórias. Prestávamos atenção às palavras para sabermos como eram ditas as coisas. Porque alguns livros pareciam perfumar a linguagem, outros sujavam-na e outros ignoravam-na. Os livros podiam ser atentos ou desatentos ao modo como contavam. Nós, inspecionando muito rigorosamente, achávamos melhores aqueles que falavam como se inventassem modos de falar. Para percebermos melhor o que, afinal, era reconhecido mas nunca fora dito antes. Os melhores livros inauguravam expressões. Diziam-nas pela primeira vez como se as nascessem. Ideias que nasciam para caberem nos lugares obscuros da nossa existência. Andávamos como pessoas com luzes acesas dentro. As palavras como lâmpadas na boca. Iluminando tudo no interior da cabeça. Como o cristal natural do Einar, que o deixava mágico. As palavras deixam-nos mágicos. Eram os livros que traziam feitiço e punham tudo a ser outra coisa. A boca elétrica, dizia alto. Eu e o Einar escutávamos estudando o mundo."
"Escutava o Einar que dizia: deus, nuvem, pássaro. Dizia: adeus. Como se fosse uma palavra da qual se despedia, porque procurava chegar ao centro do escuro e mirar ao infinito para que a sua voz chegasse ao ouvido de deus."
"Quando nasci já o meu irmão Casimiro havia falecido. Durante a infância imaginava-o à minha imagem, um menino crescendo como eu, capaz de conversar comigo partilhando os mesmos interesses. Sabia, embora, que estava deitado sob a terra, e pensava que a palavra coração era da família da palavra caroço, uma semente. Achava que os meninos mortos faziam nascer pessegueiros porque os pêssegos tinham pele. O primeiro pêssego que comi foi em idade adulta."
