Éramos jovens e queríamos um mundo melhor, num Portugal onde grassava a miséria, dominado por um pequeno grupo de grandes financeiros, monopolistas e latifundiários. Éramos jovens e queríamos a liberdade, pois abafávamos num Portugal dominado por todos os medos: a censura omnipresente cortava notícias dos jornais, impedia peças de teatro, proibia a publicação de livros pela grelha estreita de um index tão feroz quanto o da velha Inquisição; a polícia política era uma sinistra aranha que, desde o covil das torturas na rua António Maria Cardoso em Lisboa e na rua do Heroísmo, no Porto, estendia a sua teia pelas cidades e aldeias, pelas fábricas e empresas, as escolas e os quarteis, alargando-se por uma rede de informadores e bufos que eram os seus olhos e ouvidos: a PIDE podia prender, torturar e matar impunemente e tinha ainda uma outra arma mais discreta e não menos eficaz, tirar o pão ao adversário.
A muitos pode parecer longínquo e estrangeiro esse país em que eles – resistentes clandestinos e não clandestinos, militantes e “amigos” – tiveram que viver, e no qual escolheram lutar em condições que hoje nenhum de nós tem de suportar. “O passado é um país estrangeiro”, escreveu L. P. Hartley, numa frase frequentemente citada a propósito da crescente incapacidade das sucessivas gerações em inscrever o passado nas suas vidas – e sobretudo os passados que, como os dos resistentes clandestinos comunistas, dificilmente encaixam nas narrativas hegemónicas sobre a origem da democracia, e sobretudo sobre como se a defende e pratica. Para que esse passado seja inscrito nas nossas vidas, não temos outro remédio senão o de nos empenharmos na luta pela memória da resistência. (…) Neste caso, Margarida Tengarrinha procura resgatar do esquecimento e homenagear as “pessoas que, com maior ou menor relevo, conduziram e estiveram no topo de momentos capitais da vida política, ou participaram neles de forma anónima, obscura, sem deixar os nomes gravados na história, mas cuja ação foi fundamental no derrubamento do fascismo”.
MARGARIDA TENGARRINHA nasceu em Portimão, em 7 de Maio de 1928. Iniciou a sua actividade política organizada em 1948, integrada no MUD Juvenil, na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL). Em meados de 1952 foi expulsa da ESBAL, proibida de frequentar todas as Faculdades do país e impedida de leccionar na Escola Preparatória Paula Vicente, onde era professora, pela sua activa participação na luta pela Paz, pelo desarmamento atómico e contra a reunião ministerial da NATO em Lisboa. Nesse ano tornou-se militante do PCP. Em 1955 passou à militância clandestina do PCP com o seu companheiro José Dias Coelho, que foi assassinado a tiro pela PIDE em 19 de Dezembro de 1961. De 1962 a 1968 trabalhou com Álvaro Cunhal e depois como redactora da Rádio Portugal Livre. Depois do 25 de Abril foi membro do Comité Central do PCP e deputada do PCP pelo Algarve. Em 2016 recebeu o Prémio Maria Veleda da Direcção Regional de Cultura do Algarve. Continua a ser Professora de História de Arte na Universidade Sénior de Portimão.
Celebrámos há poucos dias mais um aniversário da Revolução dos Cravos. Foi tempo de recordar as horas anteriores à tomada do poder pelo MFA e a alegria das pessoas que foram para as ruas horas depois de ter sido anunciada a revolução. Mas a luta pela liberdade não começou aí, tinha-se iniciado anos antes, com a coragem de homens e mulheres abnegados. Existe, por vezes, uma tentativa de dar a entender que num país de brandos costumes também o antigo regime era mais suave que outras ditaduras. Não tenho grandes dúvidas de que Portugal seja um país de brandos costumes. Não tenho qualquer dúvida de que aqueles que ansiaram pela liberdade e por ela combateram antes do 25 de Abril sofreram duramente. Este livro de Margarida Tengarrinha é a vários títulos importante. Desde logo, é um testemunho dessa luta, trazendo-nos a memória dos riscos e durezas da clandestinidade vivida na primeira pessoa pela autora. Mas é também um documento histórico. Nele se fala da PIDE, das prisões políticas, da tortura e da morte. Nele se lê sobre grandes e pequenos sacrifícios pessoais. As palavras são simples e não se recorre a figuras de estilo para embelezar o texto. Talvez porque aquilo que se conta não pode ser embelezado. Fala-se de homicídios no meio da rua em plena Alcântara, morte por tortura do sono, pais e mães à porta de prisão, à espera para ver filhos e filhas cujo único crime era desejarem liberdade. Fala-se de exílio. De filhos que não puderam acompanhar a parte final da vida dos pais. De mulheres que não puderam assistir ao enterro dos seus companheiros. O livro é ainda importante porque contraria a imagem de passividade das mulheres portuguesas da época. Sim, houve quem fosse para a clandestinidade apenas para acompanhar o marido. Mas também houve quem o fizesse por querer participar num projecto político. Passam por este livro nomes conhecidos, como o de Álvaro Cunhal. Mas a autora recorda também homens e mulheres anónimos que se arriscaram e de quem muitas vezes não temos sequer a memória de um nome. Também a eles e a elas devemos a liberdade de que usufruímos hoje.A autora recorda ainda os tempos que passou na URSS e na Roménia, enquanto exilada política. Essa parte da sua narrativa, aliás breve, não é tão interessante. Quanto a ela talvez valesse a pena um segundo livro de memórias, agora que José Milhazes já abriu caminho com o seu As minhas aventuras no país dos sovietes. Nestas memórias, publicadas pelas Edições Colibri, Margarida Tengarrinha relata-nos a história do nosso país. Pela quantidade de portugueses e portuguesas que sai à rua no 25 de Abril temos o dia 24 bem presente na memória. Mas os anos passam e as recordações esfumam-se. Por isso, creio que este livro deveria ser de leitura obrigatória nas escolas do nosso país. In memoriam.
A resistência ao fascismo fez-se também, e sobretudo, de grandes mulheres. Encontramos aqui uma história de coragem e de dedicação à causa. Margarida Tengarrinha passou à clandestinidade, tendo que abandonar as filhas ainda crianças, para servir como falsificadora para o partido comunista português. Durante o longo inverno da ditadura, garantiu, através da falsificação de documentos, que não haveria fronteiras ao combate ao fascismo.
A ela, e a todos e todas que resistiram para que chegássemos aqui, o meu agradecimento eterno.
Um coleção de memórias da autora no tempo do estado novo. Um livro importante para aprender mais das represálias que todos sentiam, mas mais em detalhe daqueles que combatiam todos os dias para o derrube do estado fascista que nos regia, este livro dá a percepção mais dos militantes do PCP que na altura era o único partido que agora existe que atravessou todo o estado novo na clandestinidade. Margarida Tengarrinha era uma das militantes do partido, e explica-nos de que forma colaborou com o José Dias Coelho a falsificar documentos que permitiam o resto dos militantes adoptar novas identidades e também sair do país de forma a conseguirem exilar-se das represálias que acabariam por sofrer por se manter. É um livro muito interessante e que também dá um certo relevo à luta das mulheres que por vezes não se fala tanto e acabando também para além dos militantes de relatar histórias de represálias que familiares dos militantes ou simpatizantes que deram uma mão ou outra sofreram e em que muitos acabaram por ter um papel importantíssimo na luta contra a União Nacional.
Um relato duro, na primeira pessoa, dos tempos de resistência ao fascismo. Conta as peripécias, desilusões e conquistas sobretudo dos militantes clandestinos mas também de outros. É uma leitura fácil e cativante.
Vivam a Margarida Tengarrinha, o José Dias Coelho e todos os resistentes antifascistas! Serão sempre lembrados.
Uma leitura emocionante e de esperança. Deixar um sentido agradecimento à autora, "Margarida Tengarrinha, do Partido Comunista", pela sua vida de luta contra o fascismo, mas também a todas as pessoas e camaradas que contribuíram para a vitória da liberdade. Não serão esquecidos.
Não me atrevo a classificar este livro. Não é um romance, nem obra de ficção, por isso não faz sentido classificá-lo. É um documento histórico relacionado com a luta antifascista em Portugal, entre as décadas de 1950 e 1970. Estruturalmente, é um livro constituído por vários temas, só em parte dispostos cronologicamente. Muito útil para quem estuda ou se interessa pela história da resistência e da clandestinidade em Portugal, durante a ditadura. Partidarismos à parte, o livro vale pelo testemunho vivo de uma mulher, que nunca tendo sido presa, viveu um sem número de aventuras, perigos, viagens, perdas difíceis e algumas vitórias.
Este livro é precioso quer por a sua autora ser testemunha da vida clandestina durante o Estado Novo, quer por ser uma mulher que teve um papel muito relevante na resistência. Margarida Tengarrinha vai desfiando as suas memórias e, à medida que as li tornou-se claro que mesmo que os portugueses não conhecessem a extensão da violência, sabiam que ela existia. Este testemunho é especialmente relevante porque Margarida Tengarrinha não revela somente o pequeno círculo dos militantes clandestinos, mas também o de todos os afectados. E assim percebemos as consequências para as famílias dos clandestinos e dos presos, dos seus filhos e pais. E também dos círculos maiores de quem ajudava a resistir, os médicos, enfermeiras, vizinhos, amigos e por vezes desconhecido. E por isso é confortante perceber que nem todos eram apáticos e medrosos e cuja humanidade prevaleceu sobre o medo. Pena é que não tenha havido uma revisão do texto, cheio de gralhas, e que ensombra a qualidade do texto.
"Ao longo de quase meio século, foram muitas centenas, talvez milhares, aqueles que, conscientes do perigo que corriam e vencendo o medo, com coragem e generosidade, abriram as suas casas, deram guarida, serviam de refúgio aos perseguidos, transportaram nos seus carros e apoiaram de variadíssimas formas os militantes clandestinos e o seu partido, o Partido Comunista Português". P. 171
2.o livro em Abril de homenagem aos 50 anos do 25. Ideologias à parte, temos que recordar e homenagear quem de alguma forma lutou pelo fim do regime, ainda mais com tantos saudosistas à solta. Foi preciso uma coragem incrível que de alguma forma as respetivas ideologias suportavam. No caso de Margarida Tengarrinha, as passagens em que uma figura de Álvaro Cunhal lhe appreciate para a fazer pensar são interessantissimas. O pide que matou José Dias Coelho vivia no prédio dos meus pais e era um personagem que me incutia medo. Não falava a ninguém e passou uns dias após o 25 de Abril na sua varanda do 7.o andar a olhar para o vazio, até que um carro do COPCON o veio prender. Para o crime que cometeu a pena aplicável foi levissima. Nunca mais voltou ao prédio. Sabendo ser o meu pai um opositor do regime, teve um dia a distinta lata de lhe dizer no elevador que tinha em casa muitos livros proibidos apreendidos em rusgas, se o meu pai os quisesse ler. Simpático de vizinho ou aliciamento? Penso ser a 2.a e sei que o meu pai nem lhe respondeu.
este livro descreve detalhadamente o dia a dia de uma familia de professores artistas que foram viver para a clandestinidade por convite do PC e criaram um gabinete de falsificações a par de fazerem também as gravuras do jornal avante. escrita fluida e mostra o que era viver em ditadura.
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Um livro essencial, que conta muitos episódios da vida de Tengarrinha. Tem por vezes um tom triste, porque a batalha era brutal, e podemos perceber as marcas do medo, da privação, e da desproporção de forças. Eram heróis, e deveriam ser tratados como heróis.
É-me impossível classificar de modo numérico memórias tão maiores que eu. O povo acorda para a vida todos os dias em que se deita no reconhecimento da força que tem.