O autor vira de ponta-cabeça os clichês dos romances de aventura e ação, e reflete sobre temas como nostalgia, memória e nacionalismo. No início dos anos 1980, com o Brasil rumando para a abertura política, um industrialista constrói em segredo um parque de diversões. Batizado de Tupinilândia, o parque funcionaria como uma celebração do nacionalismo e da nova democracia que se aproximava. Todavia, durante um fim de semana em que se testavam as operações do parque, um grupo de militares invade o lugar e faz funcionários e visitantes de reféns. Duas décadas depois, um arqueólogo especialista em nostalgia, e desde a infância obcecado pelo mito de Tupinilândia, recebe autorização para mapear o local, que está prestes a ser alagado pela hidrelétrica de Belo Monte. Ao chegar com sua equipe, descobre um terrível segredo, e a partir daí as duas pontas do romance se unem numa aventura literária pelo passado recente do Brasil e pela memória dos anos 1980.
Samir Machado de Machado nasceu em Porto Alegre, em 1981. É escritor, tradutor e mestre em escrita-criativa pela PUC-RS. É autor, dentre outros, dos romances Quatro Soldados, Homens Elegantes (Prêmio Açorianos de Literatura 2017), e Tupinilândia (Prêmio Minuano de Literatura 2019), Ganhou duas vezes o prêmio Jabuti de Melhor Romance de Entretenimento, em 2021 por Corpos Secos, co-escrito com Luísa Geisler, Natália Borges Polesso e Marcelo Ferroni, e em 2024 por O crime do bom nazista. Sua obra já foi traduzida para o francês, o italiano e o inglês.
Eu não vivi no período em que mais da metade desse livro se passa. Da Era Vargas, à ditadura militar e redemocratização: "Tupinilândia" constrói uma narrativa cheia de referências brasileiras e fatos históricos para falar da construção de um dos maiores empreendimentos que o país já viu. O parque/cidade que dá título ao romance era um projeto ambicioso de um milionário excêntrico que, com ajuda de empresários do país inteiro, queria construir um local ainda mais surpreendente que a Disney.
"Isso é algo que eu admiro num homem, é uma coisa terrível que só ditadores e artistas têm, de querer redemodelar o mundo à sua vontade, nem que seja à força."
Centrado na cultura brasileira da época, Tupinilândia seria um local onde "tudo sempre daria certo, pois fora planejado para ser assim, para sufocar com a alegria do samba, o sabor das frutas e a rapidez de seus ritmos aquela tão sutil e oculta tristeza brasileira [...]". Um empreendimento gigantesco, fantasioso, mágico. Enquanto eu lia, me perguntava se tal parque realmente não existiu. Tudo é tão detalhado e bem contextualizado, que é como se estivesse lendo um livro de não ficção.
"Se Tupinilândia já não existisse, seria preciso inventá-la. E foi o que João Amadeu Flynguer fez."
Nessa história, na primeira parte, acompanhamos um jornalista queer que é chamado para documentar todo esse processo. Esse momento é extremamente imersivo, às vezes lento e cansativo, mas sempre com a promessa de um mundo fantástico que não me fez desistir. Na segunda parte, temos o "depois". Depois de quê? Só lendo para descobrir (não leia a sinopse!).
"Tudo em Tupinilândia era desenhado para gerar imagens de adoração, narrativas morais, emoções fortes e um senso de pertencimento - todos estes, elementos religiosos."
Tenho apenas dois pontos negativos que não posso deixar que passem despercebidos. O primeiro é que personagens femininas nessa história têm pouca relevância. Temos três muito marcantes, mas não achei que estavam no mesmo nível dos homens, por exemplo. O segundo é que a narrativa presume que todos são brancos até que se prove o contrário — a quase ausência de personagens negros é uma crítica que a própria história faz ao próprio universo, mas achei que ela podia também marcar nas descrições quando os personagens são brancos.
Com um final que não deixa a desejar, esse é um livro incrível, surpreendente e cheio de críticas sociais. "Tupinilândia" entregou tudo o que prometeu e mais. Recomendo!
— Acha que poderia ter dado certo? Se as coisas tivessem sido diferentes? — O parque? Não, nunca teria. Percebi isso algum tempo depois. Pra que a visão do velho Flynguer funcionasse, teria sido necessário um alto grau de conformismo da população, e qualquer sistema assim se torna estático. Não há como ser progressista sendo socialmente conservador, porque uma comunidade conformista não gera inovação. E a sociedade não pode ser gerida como uma empresa privada. Você não pode se livrar de um cidadão porque ele está insatisfeito ou rende pouco. Digo, até pode... — "Ame-o ou deixe-o". — Exato. Mas daí não estamos mais falando de democracia. -------------------------- "Eu tinha alguma coisinha aplicada numa poupança do Bamerindus. Você pode me fazer um favor e verificar como anda isso?" -------------------------- "a nostalgia é, essencialmente, história sem sentimento de culpa. E aceita desse modo, ela se torna uma abdicação da responsabilidade pessoal. Esquecemos que, socialmente, os anos 80 foram uma época de preconceitos intensos. Misoginia, racismo, homofobia, tudo mostrado de um modo tão agressivo que tinha o efeito prático de silenciar qualquer voz dissonante. Como a censura, isso tinha o efeito prático, anos depois, de gerar o famoso fenômeno da falsa memória, de um problema que não existia porque 'ninguém falava nele'. Silenciar a dissonância é sempre uma forma de apagá-la." -------------------------- "Gabriela, traz o meu mingau!" -------------------------- (Helena melhor personagem.)
Até meados da primeira parte, não sei se pelo vício de uma leitura acostumada aos livros anteriores ("Quatro Soldados" e "Homens Elegantes") ou por um estranhamento derivado do texto que emula as reportagens da "Reader's Digest", senti um Samir (ou me senti um leitor) um pouco desconfortável numa contextualização mais próxima temporalmente - os anos 1980 que, aos poucos, vão se materializando de uma forma mais potente na narrativa, embalado pelo fetichismo consumista que qualquer um nascido naquela época experimentou de alguma maneira. Esse sentimento nostálgico, aliás, está perfeitamente definido no texto da palestra que abre a segunda parte - quase um ensaio acadêmico sobre a nostalgia. É nessa segunda parte, por sinal, que acho que Samir consegue com mais êxito concretizar o que parece ser o grande impulso de seus romances: esse paralelo metafórico entre o passado e o presente, a sensação meio mareada de que a história está eternamente governada por um carrinho de montanha russa que vaga irrefreável, num constante looping. Adorei os "easter eggs" da narrativa, o jogo de referências, as piscadelas de cumplicidade que, vez em quando, o autor lança ao leitor. Confesso ter hesitado um tanto entre as quatro e as cinco estrelas, mas acho que devia justiça ao "Homens Elegantes" (2016), que segue sendo meu xodó, por executar tudo isso num tour de force muito mais fascinante.
Desde que ouvi sobre esse livro pela primeira vez, fiquei fascinada com a premissa. E o Samir não decepcionou, pelo contrário. O livro conta com uma riqueza de detalhes imensa, quase dava para sentir o calor úmido do Pará. É ótimo, de verdade, passei o tempo inteiro me perguntando como quanto conhecimento e imaginação podem caber na cabeça de uma pessoa só.
Meu único problema foi que a primeira metade tinha muitos detalhes sobre tudo a respeito do parque e do momento político. Quer dizer, não é um problema em si, porque aprendi bastante e foi muito bom pescar e localizar referências, mas acho que essa parte poderia ter um pouquinho menos de detalhes. A partir da inauguração do parque e tudo indo ladeira abaixo, é impossível largar. Você fica meio irritada por ter que largar, já que quer saber o que vai acontecer. Aqui a referência a Jurassic Park fica evidente e é incrível. Parecia que eu estava assistindo a um filme.
O período de 2016 é meu favorito. Me senti assistindo a um filme de Indiana Jones, não sosseguei até terminar. Eu queria que Tupinilândia fosse filme, porque consigo imaginar todo aquele cenário bem vívido na minha cabeça.
Só queria dizer que o Samir justificou meu pavor de parque de diversões. Vai que encontro uns fascistas dentro dele metendo bala?
É uma obra bem cuidada, que conta uma história de trinta anos que, apesar de ficção, é a história contemporânea do Brasil. Tem ação de tirar o fôlego, humor nos momentos certos, e as melhores reflexões dos nossos tempos que li ultimamente (mesmo considerando ensaios). Uma delas até me ajudou a ter um insight para a minha tese! Quero pôr metade das personagens num potinho (e sabe o que a outra metade tem mais?)
Preciso até de um minuto para respirar depois desta leitura. Tupinilândia conta a história de Tiago, um jornalista em ascensão que é contratado por um milionário excêntrico para escrever a biografia de um... bem, de um projeto secreto. O livro é mais uma das milhares de provas de que é sim possível escrever uma história de entretenimento, aventura, ação e nostalgia, e ao mesmo tempo ter algo muito importante a dizer, algo que é dito com profundidade e não apenas jogado em uma frase isolada para se fingir de politizado. A nostalgia é viva, há tantas referências ao Brasil oitentista que várias vezes durante a leitura me perguntei "por que é que a gente cresce admirando a cultura gringa mesmo?". Essa dúvida fica cada vez mais flagrante conforme a trama avança, cada detalhe de história, cultura, referência, personagens famosos, tudo. Nosso país em rico em todos os sentidos, o cultural incluso. Os personagens são numerosos, há diversos núcleos com características distintas, tem alívio cômico, tem vilão escroto, tem heróis improváveis, tem tudo. É verdade que o núcleo de personagens da primeira metade é mais interessante do que o da segunda, mas ainda assim há uma certa consistência na prosa, a qualidade nunca decai. O que acontece é que em determinado ponto alguns personagens "somem" e deixam saudade. O discurso político é o ponto alto deste livro. Há uma mensagem importante e poderosa aqui, sobre história, sobre educação, sobre democratização da informação. De vez em quando a gente lê livros que falam diretamente com o momento em que estamos vivendo, e este é exatamente o caso de Tupinilândia. Ler essas páginas HOJE, em 2022, tem um significado pulsante. Sabe aquela gente que assite Star Wars e defende a ditadura? Que lê gibi dos X-men e são racistas? Pois é, se essa gente ler Tupinilândia não vai fazer a menor diferença, porque gente burra é imune aos efeitos de um bom livro. Para as pessoas que sabem interpretar um texto e seus subtextos, Tupinilândia deixa uma marca, uma ideia, quase um manifesto. Este é um daqueles momentos em que a cultura pop vai muito além do simplesmente "ser pop", ela transforma. Que este livro encontre o máximo de leitores possível, o mais rápido possível. A gente cresce acreditando que livros mudam vidas. Seria bom ver isso acontecer LITERALMENTE por causa dos ideais defendidos por Samir Machado de Machado. Eu leria se fosse você.
Mais quelle histoire ! Quelle aventure ! J’ai passé une dizaine de jours dans cet incroyable roman, parce qu’il est dense (512 pages quand même) et que je l’ai débuté à une période où je n’avais pas beaucoup de temps pour lire, mais c’est sans regrets car j’ai pu rester plus longtemps encore dans cette épopée totalement incroyable, et c’était vraiment agréable de pouvoir prolonger l’expérience. Sur le bandeau du livre, l’éditeur situe ce roman entre Orwell et Jurassic Park, c’est vrai qu’il y a un peu de ça car l’histoire mélange à la fois le portrait d’une société galvanisée par l’extrêmisme et un parc d’attraction grandiloquent érigé grâce à la folie dépensière d’un homme fortuné n’ayant jamais abandonné ses rêves d’enfant.
C’est en plein cœur de l’Amazonie que Joao Amadeus Flynguer, qui est à la tête d’une prospère entreprise de BTP et jouit d’une immense fortune familiale lui permettant toutes les folies et toutes les corruptions, décidera de construire dans le plus grand secret une ville futuriste, un rêve de toujours inspiré par l’univers de Walt Disney qu’il rencontra enfant lorsque celui-ci voyagea au Brésil, et par la ville créée par Henri Ford, Fordlandia. Cette ville, c’est Tupinilandia : plusieurs parcs à thème, des bassins, un zoo, des répliques de dinosaures, la pointe de la technologie des années 80, une conscience écologique, un immense dôme central, un centre de commandement avec centrale informatique, un aéroport privé, une fausse monnaie, des navettes sur monorails, des véhicules électriques, …
Après des années de travaux menés à grands frais dans un étonnant secret, Tupinilândia est inaugurée pour le bénéfice d’une poignée d’amis proches. Seulement voilà, la ville est prise d’assaut par un petit groupe de militaires d’extrême droite affiliés à un général écarté du pouvoir politique aux dernières élections démocratiques. Si la famille Flynguer peut s’échapper, c’est au prix d’un compromis passé avec les nationalistes.
Trente ans plus tard, alors que les turbulences de cette journée à Tupinilândia n’ont pas dépassé le cercle du pouvoir, un archéologue nostalgique de son enfance dans les années 80 obtient à sa grande surprise un financement pour son projet d’exploration des vestiges de la ville. Ce que lui et son équipe y découvriront dépasse ses rêves les plus fous !
Bon vous l’aurez compris, j’ai adoré cette lecture, cette immersion dans le parc fonctionnel à son inauguration dans les années 80 et dans ses vestiges pas si abandonnés que ça à notre époque furent un immense plaisir à lire. Si les références culturelles et politiques sont propres au Brésil et ne m’ont pas toujours parlé, j’ai traversé ces 500 pages comme si je vivais une folle aventure au cinéma : ce livre serait d’ailleurs génial à adapter au cinéma, ou en mini-série ! N’hésitez pas, faites le voyage à Tupinilândia, vous ne le regretterez pas.
esse livro é muito, muito, muito bom.(demorei três meses pra ler, mas é pq eu sou lerdo)
A cara de filme da sessão da tarde é tão legal (Indiana Jones, pq você tá chorando?). Ao mesmo tempo que eu me divertia lendo as cenas de ação, eu sentia que estava aprendendo muito?????
não sei se foi a intenção do autor, mas às vezes o livro até parecia uma paródia daqueles filmes americanos que um herói patriota combate um exército de comunistas sem motivo aparente.
OS GAYS!!!! O FINAL DA SEGUNDA PARTE!!! A HELENA!!!! O BENJAMIN 🥰!!!
Levou só cerca de 4 meses, mas veio aí! Sabe o que é o pior? É que eu gostei do bendito do livro! Uma vez que ele chega na trama central, ele flui; os personagens são cativantes, ainda que um tanto rasos (principalmente na segunda parte). Mas ele teve o azar de entrar na minha vida no meio de uma gigantesca ressaca literária.
Bom, bora lá.
Tupinilândia não era exatamente o que eu esperava e, por mais que um ou outro elemento (ou a falta deles, no caso) tenha me decepcionado, o que ele se propôs e me entregou fez valer essa breve decepção.
Num momento em que vemos a política mundial dando uma guinada assustadora em direção ao autoritarismo e ultra-conservadorismo, Tupinilândia vem fazer reflexões incríveis sobre as convergências entre política, governos, nossa apatia frente aos absurdos acontecendo ao nosso redor, nostalgia... E pode parecer um embolado meio esquisito de temas, mas faz todo sentido.
Esse é um livro que me deixou com um gosto meio desconfortável de realidade na boca. A gente não encerra com finais felizes e otimismo, mas com aquela velha sensação de *ah, mas é sempre assim mesmo, fazer o que?*. E, ainda assim, eu não diria que isso é algo negativo.
Ah, um meio P.S.: aalando em conservadorismo e afins - e golpes e ditaduras e a falta de consequências enfrentadas por aqueles no poder. Foi interessante estar terminando esse livro bem quando tivemos a primeira condenação de um ex-presidente por golpe de Estado por aqui. Acho que, no final das contas, dá pra ter um pouquinho de otimismo, sim.
Possivelmente minha resenha mais desconjuntada kkkkk mas acho que reflete um pouco do que tava rolando na minha cabeça e ao meu redor junto com essa leitura. Vamos chamar de licença poética.
engraçado ler esse livro agora, em 2020 no meio do caos da pandemia. me deu aquela sensação estranha, misto de tranquilidade e desconforto, ah o brasil sempre foi assim, nunca vai mudar etc. engraçado também ler uma narrativa fictícia que mostra o quão perigosas narrativas fictícias podem ser. sei lá, 5 estrelas
O ritmo do livro é excelente, as passagens de calmaria pra porrada pra calmaria de novo etc. são muito bem feitas, não é cansativo e as descrições de ação são muito visuais. Particularmente, costumo ter dificuldade de visualizar ações em livros, mas nesse era como estar vendo um filme.
O livro é puro suco de Brasil - as nossas culturas, a nossa história, as nossas produções. Quando li que os carros do parque eram gurgel, eu literalmente gritei. As discussões sobre culturas e histórias são muito bem construídas, de uma forma que fica muito natural dentro da narração e dos acontecimentos descritos. Toda a reflexão sobre acontecimentos históricos e como os transformamos em história é muito boa também. Fiquei pensando que poderia gerar boas discussões e atividades em aula, mas isso aí é conversa de quem é prof.
Enfim, terminei o livro com o coração cheio, ele tem absolutamente tudo que eu gosto: Brasil, reflexões sobre narrativas, muito humor e assassinato de nazista. 10/1o
É impressionante como o livro consegue colocar o Brasil na página. As discussões e reflexões sobre história, cultura e nostalgia são feitas de forma tão natural, de modo que acho um dos pontos mais fortes do livro. A narrativa é bastante fluída – mesmo com os diferentes registros de narração – e o humor é utilizado muito bem. Ler esse livro no Brasil atual foi uma experiência no mínimo interessante. Ainda é maio, mas já sei que foi uma das melhores leituras do ano.
A literatura, feito aquela palha de aço, tem mil e uma ou mais utilidades. Pode refletir as ideias, costumes e pessoas de uma época, levar a reflexão ou auto-conhecimento, incitar revoluções, revoltas ou até guerras, divertir, distrair, transportar a outros mundos e realidades, às vezes tudo isso ao mesmo tempo.
Para gostar de ler não precisa muito, apenas disposição e imaginação aberta, vontade de entrar em outras mentes porque, ao ler, você não está mais em seus domínios mas no do escritor e da realidade criada por ele, ler é imersão, é entrar naquele mundo e sair dele transformado, tocado, mudado, nem sempre isso acontece mas, a bem da verdade, independente do que for, ninguém sai incólume de um livro.
Muito menos se você entrar em TUPINALÂNDIA.
PARTE II - O QUE FOI ESCONDIDO É O QUE SE ESCONDEU
TUPINILÂNDIA é um parque-livro, você compra ingresso para viajar por aquele mundo construído por Samir e, para quem é da minha idade e geração, a quantidade de referências culturais, históricas, pop e outras - explícitas ou não - vêm aos borbotões. Samir é um pesquisador minucioso o que é essencial para que você, após poucas páginas, sinta-se imerso até as orelhas num tempo que viveu, presenciou, conhece e sente aquela saudade morna feito um copo de Toddy numa noite fria.
Deveria ter lido e marcado cada uma das referências que pipocavam ante meus olhos, é um livro recheado de ‘easter eggs’ e fico pensando aqui em reler mais adiante na busca dos que deixei escapar - não vou dar spoiler, se você leu e achou também esses tesouros escondidos me chame para conversar e trocar uma figurinha mas, posso dizer que vão de Charles Cosac a Ira de Khan.
PARTE III - QUE PAÍS É ESTE?
Receita para fazer TUPINILÂNDIA:
Pegue algumas pitadas de Indiana Jones e filmes de aventura dos bons.
Misture com um pouco de 1984 e A Revolução dos Bichos.
Acrescente algumas medidas de história.
Você pode ornar com pitadas de Érico Veríssimo, Marcos Rey e Lúcia Machado de Almeida.
Pronto, você tem uma boa ideia do que te espera em TUPINILÂNDIA.
Samir sabe o que faz, o livro pode parecer uma aventura - e é, uma das melhores que li ultimamente - mas há um senso de realidade urgente que explode a olhos mais atentos já que o cenário do país-parque-distopia não difere muito do que vivemos hoje em dia num governo que tenta a todo custo controlar a retórica e cultura usando de desinformação e mentiras mesmo quando os fatos são incontestáveis.
Sob as camadas de ficção, uma realidade contundente emerge, a cidade-estado-país do título exemplifica o que de pior pode acontecer na sociedade quando o poder usa de todos de os meios a seu dispor para controlar narrativas e mesmo um sentimento de nostalgia nocivo e pernicioso de um tempo que ainda não entendemos mas queremos de volta porque não sabemos lidar com a realidade dos fatos que, diariamente, parecem nos desafiar a credulidade ou, pior cenário, nos anestesiam a ponto de julgarmos tudo que acontece como normal pois nosso país é assim mesmo.
Através dessa alegoria perdida na selva e no tempo, Samir nos joga a pensar quem realmente o enganado nessa história, não seria TUPINILÂNDIA o Brasil de fato e o Brasil em que vivemos a fantasia que achamos que deu certo? Quem está de verdade vivendo uma farsa?
TUPINILÂNDIA, além de ser uma aventura deliciosa, é uma crítica perspicaz a atual situação social e política do país e aos perigos de não sabermos questionar ou argumentar contra os fatos que não sabemos reais ou inventados e, quando não conseguimos mais discernir entre realidade e ficção, corremos o risco de achar que tudo é mentira ou inventado e dar pouca atenção ao desenrolar dos fatos atribuindo a outros o dever de pensar crítico e, por conseguinte, abrindo mão de nossa liberdade sem nos darmos conta disso.
TUPINILÂNDIA também é um livro sobre heranças, sobre continuidade e paternidade e, pensando assim, sobre nosso país também, somos um amontoado de gente sem qualquer ideia de quem somos ou de qual nossa identidade nacional, gostamos de nos entender como brancos e até europeus quando a realidade nunca foi tão distante disso e, como saber qual nosso herança quando nem sabemos quem foram nossos pais?
A paternidade é um fardo para o qual um país nunca foi preparado, não há teste de DNA capaz de dizer quem somos quando sequer aceitamos de onde viemos e como então ter algum sentido de continuidade? Isso sem contar o pertencimento, se não conseguimos ter claro esses assuntos acima, que dirá ter o sentimento de pertencimento e união?
Nessas brechas, o nacionalismo vicioso e a falsa impressão de identidade entram e fazem casa pois uma sociedade que não sabe quem é ou onde quer chegar facilmente se deixa levar por arautos infames que lhe dirão palavras de ordem para inflar sua estima e orgulho minando os pés de barro que sustentam seus mitos.
Nesse ponto, TUPINILÂNDIA é o Brasil dentro do Brasil que finalmente conseguimos ver depois de finalmente terem caído as máscaras a partir da eleição de 2018 o que temos de entender agora é quem está dentro do parque e quem está fora...
Se você tivesse que definir o Brasil, sua história, sua cultura, seu povo, todas as suas variações, todos os seus detalhes, do Oiapoque ao Chuí, em apenas uma frase, quão longa essa frase acabaria se tornando? Uma ou duas décadas atrás, ela seria a mesma? E daqui alguns anos? Agora olhe a frase que seu vizinho escreveu e compare quantas diferenças existem entre as duas. Sabemos que o Brasil é um país complexo, cheio de nuances e história, mas em 1985, João Amadeus Flynguer, empresário podre de rico e fã número um de Walt Disney, tentou dar uma definição do Brasil ao abrir as portas de Tupinilândia, seu projeto de vida faraônico. Misto de parque de diversões e cidade planejada, Tupinilândia foi construído em total sigilo no Pará durante os anos de ditadura, almejando representar e exaltar a cultura e a história do Brasil, a indústria nacional e, ao mesmo tempo, abarcar uma visão otimista para o eterno “país do futuro”. A empreitada, porém, não se desenrola do jeito previsto, e está no centro do épico romance de mesmo nome, Tupinilândia, magistralmente construído por Samir Machado de Machado. Ambientado em dois momentos importantes e complexos da nossa história recente, mas tendo sempre o parque como centro da narrativa, Tupinilândia explora o legado da ditadura sobre a república democrática e, mais importante, sobre a política pós-golpe de 2016. A primeira parte se passa em 1985, quando o jornalista Tiago é convidado por João Amadeus para o primeiro final de semana de abertura do parque, onde convidados selecionados a dedo poderão experimentar o imenso mundo do parque. É a época da transição de governo, do fim da ditadura e começo da Nova República, da complexa redemocratização e da infame anistia. Surgindo nesse período de transição, Tupinilândia tenta representar em todos os seus brinquedos, restaurantes, alamedas e performances não apenas o passado do país, mas também uma visão otimista de futuro. E o faz da forma mais consumista possível, seguindo o roteiro deixado por Walt Disney em seus gibis, filmes, parques e produtos licenciados.
“Em Tupinilândia tudo sempre daria certo, pois fora planejado para ser assim, para sufocar com a alegria do samba, o sabor das frutas e a rapidez de seus ritmos aquela t��o sutil e oculta tristeza brasileira, tristeza que nascia do sentimento de fracasso pela miragem do progresso, do país do futuro, um futuro que se projetava constantemente à sua frente e fugia para longe na mesma velocidade com que se corria atrás dele. Em Tupinilândia a realidade cinzenta de inflações e desmatamentos descontrolados, dívidas externas e generais antipáticos, oligarcas grosseiros e celebridades vulgares seria trocada por outra versão da realidade, com seu colorido hiper-realista de gibi, onde tudo funcionaria perfeitamente, tudo seria sempre feliz e animado como num programa infantil onde todos teriam direito a prêmios.” (pg. 105)
Porém, por conta dos investimentos recebidos e de certa incompetência militar, Tupinilândia é alvo de uma tentativa de golpe nas mãos de integralistas liderados por um general ressentido com o fim de seu tempo no poder. (Não se preocupe, isso não é spoiler, está na orelha do livro.) Tupinilândia, então, se torna apenas mais uma obra faraônica dos anos da ditadura, esquecida no meio da floresta amazônica. Com o fim do sonho de João Amadeus, o livro salta trinta anos no futuro, chegando aos igualmente complexos anos de 2015/2016, quando (bem lembramos) o país se convulsionou em um novo golpe político-midiático que visou tirar um governo de esquerda do país e substituí-los pela velha política de direita que se veste de centro só pelas aparências. Nesse contexto, Artur Flinguer, arqueólogo do IPHAN, consegue uma bolsa de apoio para ir atrás do mito de Tupinilândia, a cidade perdida na Amazônia, que ele conhecia apenas através dos gibis e copos plásticos de sua infância. Sua viagem, porém, não corre tão tranquilamente quando esperava, pois descobrem que Tupinilândia se tornou uma paranóica visão de país que extrapola a própria paranoia dos militares e dos chamados “cidadãos de bem” que chamam de comunistas qualquer um que discorde deles.
“O parque. A ideia. (...) É assim que Tupinilândia começa. E então se espalha, e contamina e nos deixa maravilhados com a mera hipótese da sua existência. (...) Tupinilândia traz consigo uma estética, uma paleta de cores, um conjunto de ideias e valores específicos, pensados pelo meu pai. O espírito de uma época, antes de tudo. De uma época em que ainda se pensava na possibilidade de futuros melhores.” (pg. 293)
Impressiona na escrita de Samir Machado de Machado a atenção aos detalhes na sua construção de Tupinilândia e na reconstrução histórica do país. Prepare-se para longas e densas discussões sobre o processo de redemocratização, a inflação rompante, o zeitgeist oitocentista brasileiro, o aparecimento da epidemia de HIV/AIDS, misturados aos personagens dos gibis do parque e muitas marcas nacionais de guaraná. Além da reconstrução histórica recente e super-recente da Nova República, Tupinilândia tece discussões sobre a prevalência da nostalgia dos anos 80, que passou a influenciar diversas mídias e criar uma estética que encanta até mesmo os que não viveram nela. É uma nostalgia largamente baseada nos anos 80 como aconteceram nos Estados Unidos, pois, por aqui, a história foi bem outra. E, nisso, se encontra outra grande discussão que atravessa o livro em todas as suas camadas: a importação de valores e estéticas estrangeiros aplicados à nossa realidade, só passando uma demão de tinta com as cores da bandeira e chamando de nosso. O próprio parque é um exemplo disso, criando uma espécie de Disneylândia tupiniquim com atrações como o Elevador Lacerda do Terror, ou o Castelo Encantado Piraquê. Mas o romance também discute como o Integralismo, o movimento fascista brasileiro, é uma cópia verde e amarela do nazifascismo europeu (que teve grande prevalência por aqui antes do Brasil trocar de lado na Segunda Guerra Mundial). E também como o temor de uma eterna ameaça comunista, importada do governo dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, segue moldando eleitores paranoicos que, entre outros, elegeram quem elegeram em 2018. Além disso, o próprio romance utiliza esse modus operandi na sua construção. Tupinilândia conta uma história 100% brasileira, completa com todo o absurdo que nosso país é capaz de produzir semanalmente, nos fazendo rir para não chorar dia após dia, mas o faz sobre moldes e referências estrangeiras. Em especial, os filmes blockbuster dos anos 80 e começo dos anos 90, repletos de ação, drama e alívio cômico, como Jurassic Park (e sua sequência, O Mundo Perdido), que possui em João Amadeus Flynguer uma versão tupiniquim do John Hammond de Michael Crichton e de Steven Spielberg, completo com o bordão similar: “não poupei em pesquisas”. Leitores atentos também pescarão influências de Duro de Matar, Indiana Jones e muitos outros filmes nos capítulos de ação, misturados a personagens criados por mentes brasileiras como o Capitão Aza, os automóveis Gurgel, os sorvetes Cairú e o Vigilante Rodoviário. São figuras, tramas e referências nostálgicas, sim, mas que, na pena de Samir Machado de Machado, ganham contexto histórico e social, compondo, em Tupinilândia, um estudo e uma crítica do estranho fenômeno que é a nossa falta de memória da história recente misturada à adoração de uma imagem idealizada desses mesmo tempos.
“Então, a pós-modernidade fez da nostalgia uma reprodução, não uma imersão. E isso acontece porque a nostalgia é, essencialmente, história sem sentimento de culpa. E aceita desse modo, ela se torna uma abdicação da responsabilidade pessoal. Esquecemos que, socialmente, os anos 80 foram uma época de preconceitos intensos. Misoginia, racismo, homofobia, tudo mostrado de um modo tão agressivo que tinha o efeito prático de silenciar qualquer voz dissonante. Como a censura, isso tinha o efeito prático, anos depois, de gerar o famoso fenômeno da falsa memória, de um problema que não existia porque “ninguém falava nele”.” (pg. 267)
Isso pode tanto se traduzir em um voltar a usar polainas, penteados frisados, brincos imensos e jaquetas jeans largas para ir a uma festa onde a playlist “Anos 80” estará tocando no repeat, ou em pedidos encolerizados de uma nova intervenção militar, como infelizmente bem sabemos. Então, faz-se necessário o apelo de não esquecermos, jamais, a nossa própria história e seu contexto específico, suas nuances e episódios mais sombrios. E Tupinilândia, mesmo sendo um livro de ficção, já é um bom começo.
Tupinilândia é dividido em duas partes: a primeira se passa nos anos 80 durante a construção de Tupinilândia e a preparação para sua estreia. A segunda parte se passa décadas depois, quando um arqueólogo viaja para o Pará em busca das ruínas de Tupinilândia. O projeto titânico, parte cidade, parte parque de entretenimento, é um ode ao patriotismo de seu fundador, cuja paixão pelo trabalho de Walt Disney o inspirou. O autor certamente fez uma pesquisa super detalhada e pôs um bocado de trabalho nesse livro - Tupinilândia parece pular das páginas, cheia de vida, aos poucos passando de um projeto patriota de amor ao Brasil para uma sombria aura de nacionalismo. É um livro para ser devorado aos poucos, e a riqueza de detalhes beira ao excesso, mas de um jeito que pessoalmente achei que funcionou bem. A quantidade sufocante de detalhes primeiro fascina e aos poucos faz o leitor ficar um pouco desconfiado; acho que foi essa a intenção do autor, mostrar como um sentimento patriota pode se transformar em nacionalismo e fanatismo, e convidar o leitor a fazer essa descoberta por si próprio. O autor fez um excelente trabalho em mostrar a conexão entre nacionalismo, a popularidade do nazismo, a ditadura, democracia, voto direto... tudo isso com uma história interessantíssima que me lembrou Jurassic Park (na primeira parte) e 1984 (na segunda parte).
Amei ver Belém do Pará representada - eu sou de Belém e não lembro de já ter lido um livro que se passe (por algumas páginas) na minha cidade. O sotaque, as comidas, o Ver-o-Peso... adorei. Acho que boa parte do que traz uma sensação de prazer ao ler este livro é reconhecer detalhes da nossa cultura representados. Menções à Turma da Mônica, os Trapalhões, pães de queijo, Ziraldo... achei o máximo.
A narração em si é um pouco lenta, com personagens que às vezes parecem mais caricaturas de duas dimensões do que pessoas, mas acho que para um thriller isso é de ser esperado. O antagonista é bem vilão de desenho. Além disso, achei o diálogo um pouco artificial. Fora isso, realmente não tenho muito a reclamar. Os temas do livro às vezes são tratados de forma sutil e cheia de nuance, e às vezes um tanto óbvias demais.
Acho que também é um dos primeiros livros brasileiros que eu leio com personagens gays, mulheres e um homem negro entre os protagonistas. Com a literatura nacional sendo ainda dominada por homens héteros e brancos, eu gostei da diversidade no livro - inclusive porque boa parte da história se passa numa década em que a AIDS era chamada de "o câncer dos gays" e foi usada como forma de piorar a homofobia.
Tupinilândia é um livro excelente, super atual e que traz questionamentos importantes além de ser uma leitura muito divertida.
"Cidades têm personalidades próprias, e Tupinilândia não era diferente. Quanto mais compreendia aquele lugar, mais a percebia como um ser vivo e pensante: idealista e otimista em sua juventude, aspirando ao futuro, sintonizada com as novidades; mas cujo acúmulo de frustrações tornara conservadora e pessimista na velhice, fechada e defasada, sem mais contato com a realidade de um mundo com o qual entrou em descompasso."
Visitar Tupinilândia é como visitar o Parque dos Dinossauros. Saem os dinos, entram militares brasileiros defensores da ditadura. Movem-se anacrônicos, ultrapassados desde sempre, embora se achem donos do planeta. Se o primeiro grupo é trazido de volta à vida com o avanço da ciência, o segundo se mantém vivo à base de aparelhos, teorias de conspiração ridículas e um medo raivoso de um mundo mais justo e igualitário, inventando ameaças comunistas à cada esquina para justificar sua injustificável persistência. Em outras palavras, para se manterem vivos dependem do atraso.
Assim como nos livros de Michael Crichton e nos filmes do Spielberg, um retorno à ilha sempre será tentador. Mas ao contrário dos visitantes do famoso Jurassic Park, ao andar por Tupinilândia não temos o dilema moral de entender que os dinossauros, assim como outros animais, merecem ser preservados. E graças ao humor peculiar do autor Samir Machado é prazerosamente catártico ver os vilões jurássicos de Tupinilândia se aproximarem um pouco mais da extinção.
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“Tupinilândia” é um romance histórico e de aventura que passeia por diversos períodos da história do Brasil: desde a Era Vargas, passando pela Ditadura Militar, a redemocratização e o cenário político contemporâneo. Com referências de sobra, o livro se põe a discutir sobre a nossa memória cultural e o contraste entre a nostalgia do passado e o progresso do futuro.
O pano de fundo que une todos esses tempos é a construção de Tupinilândia, um gigantesco complexo que mescla parque de diversões e cidade planejada, construído em segredo no coração da Amazônia pelo excêntrico empresário João Amadeus Flynguer. Filho de americanos e inspirado pela visão e pelos empreendimentos de Walt Disney, João Amadeus queria construir um lugar que celebrasse a cultura e a memória do Brasil e onde tudo funcionaria de maneira idealizada. Mas com a redemocratização do País se concretizando cada vez mais, os militares de linha dura se sentem ameaçados pela proposta monumental de Tupinilândia e vão fazer de tudo para impedir que ela se torne realidade. Depois, em um salto temporal de mais de 30 anos, vemos as consequências desse embate e os perigos de se agarrar ao passado (é melhor ler o livro sem saber muito sobre a segunda parte! Eu recomendo até evitar ler a sinopse oficial kkkkk)
Eu adorei a contextualização dos acontecimentos e os rumos inesperados que a história seguiu. O ritmo mais lento de quando a narrativa se agarrava aos detalhes foi compensado pelo ritmo eufórico das cenas de aventura, que fazem jus à comparações com Jurassic Park e Indiana Jones. Tudo era muito verosímil. Me apeguei à maioria dos personagens, que embora não sejam tão complexos assim também não são vazios e cumprem seus respectivos papéis no enredo (os dois protagonistas, Tiago e Artur, foram muito bem construídos). Há alguns momentos mais difíceis de se manter atento pelo excesso de descrições, mas, quando o livro engata, é impossível largar!
Ah, e tem uma dose razoável de representatividade com alguns personagens gays e um destaque legal para as personagens mulheres nas duas linhas do tempo, só senti falta de mais personagens negros/mestiços (embora esse tópico seja abordado pelo próprio livro em alguns pontos).
Esse livro começa extremamente chato, chatão mesmo. Entendo que é necessário tudo que o autor está explicando naqueles primeiros capítulos, mas caramba, esse começo da história quase me fez abandonar, pois é totalmente arrastado, tem muita informação e muitos detalhes, e todos esses detalhes e citações sobre o Disney me deixaram muito confuso, desconfortável e cansado da leitura, não foi nada fácil manter o ritmo, e só fiquei firme porque gosto muito da escrita do Samir, e sabia que o livro iria render algo muito mais interessante do que estava sendo apresentado até então. O trabalho de pesquisa de Samir foi incrível pra cacete, e o poder de escrita desse homem na criação de todo esse universo... ele é Deus e pronto. O homem consegue fazer várias referências a Jurassic Park e outros vários filmes sem parar de soar original nem por um momento.
Não consigo dar mais que três estrelas, já que apesar do livro ser interessante e inteligente, não me causou tanto prazer em ler. É um livro bom, e é muito bem escrito, sem contar na pesquisa e nas referências impecáveis, mas que não me marcou como deveria, me cansou e me fez seguir arrastando as páginas. Homens Elegantes segue sendo meu favorito dele.
Fenomenal. Que belo retrato do Brasil nos anos da redemocratização e que história tão envolvente. Peca apenas no primeiro terço demasiado descritivo e pormenorizado. Uma pena não termos acesso generalizado ao mundo literário e editorial brasileiro aqui em Portugal; Machado de Machado é o perfeito exemplo dos autores brasileiros que andamos a perder.
Tupinilândia consegue ser tanto uma paródia de filmes de ação clássicos, cheia de referências, clichês e homenagens, como uma profunda reflexão sobre política, nostalgia, ideologias e o caráter da nação brasileira.
Aprendi muito, dei risada, fui mil vezes a Google para saber mais... O artigo do Artur que abre a parte 4 foi uma das coisas que mais gostei.
Quando o Samir me falou das ideias que ele tinha para Tupinilândia - que ainda nem nome tinha - eu achei que dali ia sair um livro que eu iria gostar bastante. Minha previsão foi verdade, adorei o livro. Ele fala muito sobre o passado, mas fala muito do presente também, como todo bom historiador ou estudante de memória sabe que a humanidade está fadada a repetir seus erros. Ou então, como diz no livro, "quando se vira um jogo no Atari, ele recomeça mais difícil e com cores bizarras". Esse livro é um tanto macabro, não no seu conteúdo, mas na sua previsão de que voltaríamos ao vale do contraprogresso social que foram os anos 80, representado principalmente pelo Tatcherismo, que queria colocar gays em campos de concentração. E, por falar em gays, o Samir trabalha os seus personagens transviados e coloridos muito bem, mas sempre os colocando como militantes de sua sexualidade de uma forma ou outra. Nos livros do Samir não existem "gays por acaso". A identidade em Tupinilândia é um ponto central, não só a identidade sexual - mas ela também - como a identidade nacional, que Tupinilândia tanto tenta emular em seu parque de maravilhas. Quem conhece um pouco de história sabe que a tal "identidade nacional" nunca foi uma força do bem, sempre causou problema para todos os povos, porque ao se criar uma identidade que difere um povo do outro, essa diferença (fator essencial para identidade, assim como o esquecimento é para a memória) acaba colocando uma etnia acima da outra. Ao mesmo tempo, Tupinilândia lida com essa dicotomia da memória e do esquecimento cultural, funcionando como uma espécie de "cautionary tale" para os dias de hoje em que tanto se fala da ditadura e o quanto a sua realidade acabou esquecida na memória cultural nacional. O Museu da Vergonha de Tupinilândia é algo que, por exemplo, não existe no Brasil, que varreu sua ditadura para baixo do tapete e, quando de coloca uma mesinha sobre ele, ela entorta e cai, espatifando o belo vaso que colocaram em cima dela para enfeitar. Argentina, Uruguai, Chile, possuem vasta produção cultural sobre esse período negro de suas histórias. Mas no Brasil ela é bastante tímida. Tupinilândia também traz o Samir criança que se divertia com os quadrinhos da Disney e que os fazia junto com a irmã. Tupinilândia é recheado de referências à Disney - seja a americana, como a brasileira e o próprio Walter. Assim o Samir trabalha a memória individual em choque com a memória coletiva, a inocência de tempos coloridos e musicais com gritos de protestos e de tortura e jornais com receitas de bolo no lugar de matérias censuradas. Não faltam críticas sociais e elas são precisas e mortais. Os memes brasileiros que ridicularizam qualquer pessoa, desestabilizam poderes, apropriam-se de tudo que veem na frente parecem ser a arma das minorias - sempre foram - contra o opressor em Tupinilândia. Impossível não gargalhar quando "Gabrielaaaa, me traz o meu mingau!" é pronunciado. A imitação do estrangeiro, as receitas de bolo para tapar buraco, o varrer para debaixo do tapete e fingir que não viu, a autossabotagem fazem parte dos ritos da nossa Tupinilândia. Ritos, logo se tornam mitos. Mitos são autoritários, rotineiros e autoexplicatórios, não demandam questões. E esse é o problema dos mitos: qualquer um pode aceitá-los como verdades, mesmo sendo verdade apenas para alguns. Os memes também podem perpetuar mitos, mas também podem desestábilizá-los, pervertê-los, até que o meme se torne mito e as cores se tornem bizarras e seja preciso novos memes para novos mitos e assim caminhará eternamente essa Tupinilândia em que vivemos. Ou até que tudo vá por água abaixo, como (spoiler) no livro. Bem, agora deixo o meu pedido pra fazer uma novela superprodução com película das oito de Tupinilândia. Boninho, Silvio de Abreu, Sônia Braga, Gabriééélaaa, alguém se habilita?
It's as if this guy read my brain to create a mix of elements for my ideal book: Disney-style amusement park that is abandoned (or is it?!), 1980s, Brazil, nostalgia, queer characters, commentaries on fascism, etc. Some of the pop culture references were lost on me as I didn't grow up in Brazil but it was enjoyable all the same. There was a 50-page section describing the park's attractions that was a bit of slog. (My absurd nitpick-y comment is that it's the Haunted Mansion in Disneyland that's set in New Orleans, not the one in Magic Kingdom. Yes, we're way beyond splitting hairs here... ) After I pushed through that, it was all fun and games -- except in a thought-provoking way as I reflected on narrative and history. Machado's commentary on politics felt like confirmation, a glimmer of sanity that reminded me, "Nope, you're not crazy. THIS is crazy." For that I'm thankful... A cinematic page turner.
MEU DEUSSSS a mente do Samir Machado, eu amei demais esse livro, e todas as reflexões propostas pela história. Nasci já no final dos anos 90, então não vivenciei a redemocratização no seu auge, mas é muito louco pensar que a ditadura acabou há tão pouco tempo, pensar que meus pais nasceram e foram criados no período ditatorial, que meus avós eram jovens em 1964 e viveram tudo isso. Mais louco (pra não dizer triste, desesperador) é ver atualmente um número significativo de pessoas saudosistas deste tempo, como se vivessem na sua própria Tupinilândia devastada por uma ilusão de algo que nunca se concretizou. Não vou ser capaz de escrever uma resenha digna, mas deixo aqui minha recomendação desse livro nacional maravilhoso.