Numa sociedade que se fundiu com o mercado - tudo se compra, tudo se vende - começamos a pagar pelas palavras.
A estranheza inicial dá lugar ao entusiasmo. Afinal, como é que falar podia permanecer gratuito? Há seis mil idiomas no mundo. Seis mil formas diferentes de dizer ecologia, e tão pouca ecologia. Seis mil formas diferentes de dizer paz, e tão pouca paz. Seis mil formas diferentes de dizer juntos, e cada um por si.
Nasceu em Lisboa em 1982. É licenciada em Design de Comunicação pelas Belas-Artes de Lisboa e doutorada em Estudos Culturais pela European University Viadrina, na Alemanha. Em paralelo à criação literária, escreve para teatro, faz apoio dramatúrgico e dá aulas. Na editorial Caminho tem publicados três romances, dois livros de contos e um livro infanto-juvenil. O primeiro romance «Diálogos Para o Fim do Mundo» ganhou o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho 2009. «O Museu do Pensamento» foi considerado pela Sociedade Portuguesa de Autores o melhor livro Infanto-Juvenil de 2018; e o romance «Ecologia» foi finalista do prémio APE, PEN, DST, Casino da Póvoa e semifinalista do Prémio Oceanos 2019. Em teatro, começou por escrever para o Festival Teatro das Compras. A primeira peça longa, «Quarto Minguante», foi encenada por Álvaro Correia no Teatro Nacional D. Maria II em 2018. No mesmo ano foi-lhe atribuída a Bolsa da DGLAB, com a qual escreveu «Corpo/Arena», que iria estrear em Itália, não tivesse a Covid19 cancelado tudo.
Por que razão deve ler este livro? Ecologia de Joana Bértholo foi publicado em Junho de 2018. Devo dizer, desde já, que sou fã desta autora. Lembro-me que nas aulas de Literatura Portuguesa Contemporânea, na faculdade, o nosso professor chegou com umas ideias académicas profundamente norte-americanas, que implicava muita leitura. MUITA. Fiquei toda contente. Havia de Joana Bértholo constava na lista de bibliografia. Foi assim que me cruzei com a obra desta autora portuguesa. Gostei imenso desse livro, mas foi com O Lago Avesso que me rendi.
Bértholo nasceu em Lisboa, em 1982, tendo vivido na Índia, Berlim, Buenos Aires e Sevilha. Estudou Design, mas doutorou-se em Estudos Culturais. É vencedora de vários prémios literários.
Neste romance, a autora apresenta-nos uma sociedade, na qual se acaba de instaurar o mercado das palavras. Como poderia a palavra continuar gratuita…? Transportou-me inevitavelmente para os universos de Huxley ou Orwell. Ecologia é um texto que coloca em confronto as problemáticas da sociedade actual: a escassez de liberdade, a tentativa de aniquilação dos universos privados, as consequências do capitalismo, o império das redes sociais, a desconexão profunda nas relações individuais e questões de saúde tipicamente contemporâneas como a ansiedade.
A estrutura deste livro afasta-se das normas tradicionais. É-nos apresentado um fio condutor claro, porém confrontamo-nos com varias telas narrativas que vão compondo este romance singular e poderoso. Aconselho este livro a todos que queiram explorar vozes portuguesas contemporâneas!
Gostaria de agradecer à Leya por me enviar um exemplar gratuitamente. Para mais críticas, sigam-me no Instagram: @booksturnyouon
Esta foi a minha estreia com Joana Bértholo, uma autora a revisitar.
"Demoras a perceber que o carro não está no lugar onde julgavas que o tinhas deixado. (…) Um pouco aflita, entre o choque do carro roubado e a inquietação mais imediata de não te atrasares para a entrevista de emprego, sacas o telemóvel da bolsa: descarregaste no outro dia uma aplicação que rastreia o paradeiro de carros. (…) E só então cai em ti um pensamento bastardo – tens o carro na oficina. (…) Culpas a medicação, culpas a televisão, culpas o capitalismo. Acabas sempre por culpar o capitalismo, ou o sistema, ou algo grande e abstrato."
Nesta distopia, o culpado não é só o capitalismo, é também o consumismo por ele alimentado, a alienação dos cidadãos cada vez menos cidadãos e mais consumidores entretidos com os últimos gadgets, tão habituados a comprar que “esquecem-se de que estão a conseguir preços mais baixos por qualquer coisa que sempre tinham tido de graça.” (Penso nisto muitas vezes, e é por isso que raramente compro bens como água ou terra e me sinto estranhamente revoltada quando vejo à venda coisas como pedras ou lascas de casca de árvore).
No mundo imaginado por Joana Bértholo, a linguagem foi privatizada. Com ajuda da tecnologia de digitalização da voz humana e reconhecimento de linguagem, os consumidores passam a pagar para falar. A coisa é implementada com saber, por fases, começando por se pagar apenas por “uma palavrita ou outra”. Há alguns protestos, mas principalmente apatia e resignação.
“Os raros jornais que sobrevivem fora dos robustos grupos económicos que detêm grande parte da imprensa veiculam parangonas que denunciam ‘uma opinião pública escandalizada’. Mas resta pouco de público a este tempo, quanto mais de escandalizado.”
“O ritmo é lento: cinco a dez palavras por dia, a par da introdução de uma nova moeda digital, e a generalização de todos os dispositivos de reconhecimento de voz em todos os aparelhos, espaços urbanos e domésticos, todas as empresas, monumentos e cafés.”
A partir daqui, é sempre a piorar.
Gostei do formato original do livro, com links e códigos QR intercalados no texto, gostei da história e da crítica aos tempos que vivemos. Quatro estrelas que não são mais porque achei o livro desnecessariamente longo, por vezes um pouco repetitivo e com algumas (felizmente poucas) partes algo crípticas.
Não foi fácil entrar neste livro. Da mesma forma que fui adiando escrever sobre ele, porque os sentimentos que me deixa são tão ambíguos. Esperava um livro ao estilo “A História de Roma” e este não é, de todo, semelhante. É, sem dúvida, um excelente livro, escrito de forma tão original que nos deixa uma sensação estranha. Dei por mim a voltar atrás, a reler, a tentar perceber se estava mesmo a compreender a mensagem… no início pensei em desistir, mas continuei, e ainda bem. Nesta distopia tudo é pensado ao pormenor. A forma como a autora constrói a narrativa, as várias camadas que nos surgem, tantas personagens, a mistura de texto com imagens, Qr-codes e linguagem de programação… tudo isto faz deste livro uma experiência de leitura desafiante e intensa. Partindo da ideia de que a linguagem deixa de ser gratuita e temos de pagar pelas palavras que usamos, num mundo em que tudo se privatiza, a autora cria este cenário distópico de forma muito original, E, tendo em conta tudo o que disse anteriormente, porquê as 4 estrelas? Porque não me foi fácil sentir este livro como um todo, porque me pareceu demasiado complexo e difuso, o que não me permitiu entrar totalmente nele. Li algures que a leitura deste livro quase precisa de manual de instruções e foi essa a sensação que me deixou. Acredito que não o terei lido na melhor altura, o que não me deixou apreciá-lo na sua plenitude. Fico com a ideia de que terei de voltar a ele, um dia.
Nunca como neste momento houve acesso a tanta informação, mas também nunca houve esta sensação de não ser capaz de a ler, de a interpretar, de a relacionar com um sistema maior. Um mundo cheio de frentes, crescentemente polarizado, e tantas cabeças que até Perseu ficaria sem saber qual enfrentar primeiro. A realidade tornou-se como um desses romances pós-modernos em crescente entropia, pesado em referenciação, sem personagens coerentes, sem fio condutor, e sempre tentando engolir as suas próprias margens. Antes, ainda era o Leste contra o Ocidente, a Esquerda contra a Direita, ou o Sul contra o Norte. Agora é o meridiano contra o paralelo, o degelo contra o aquecimento, o homem contra a natureza, o geneticamente modificado contra o bio, os analógicos contra os informatizados, os retro contra os forward, a bicicleta contra o carro, o livro contra o ebook, o Tinder contra o olá-com’é-que-te-chamas-posso-pagar-te-um-copo, o Netflix contra os torrents, o emoticon contra o telefonema, o acordo ortográfico contra o desacordo, o açúcar contra o aspartame, a reciclagem contra a reutilização, o granel contra a embalagem, os vacinados contra o não vacinados, a Humana contra a H&M, o Hygge contra o Pokemon, os Orwellianos contra os Huxleyanos, e todos contra o glúten.
Há livros que não pedem resenhas, pedem discussões, confronto de ideias e reacções. O livro Ecologia da Joana Bértholo pede uma mesa cheia de gente dos mais diversos quadrantes, um espaço onde se pensasse em conjunto sobre o que significa viver e resistir numa sociedade que tende a esvaziar o sentido das palavras e das coisas. Um lugar onde se discutisse o valor da linguagem, da arte, da política e da vida em comum. Sim, porque o que está em causa é tudo: a linguagem, o poder, o consumo, a resistência. E talvez, só talvez, alguém trouxesse o livro da Joana Bértholo debaixo do braço — não como resposta, mas como faísca.
“Ecologia” é bem capaz de ser o livro de uma vida. Numa sociedade muito pouco diferente da nossa, duas grandes marcas juntam-se para desenvolver uma tecnologia que pretende taxar as palavras pronunciadas.
No início, apenas cinco palavras. Mas rapidamente se desenvolve uma teia, sob a pretensa valorização das palavras, que faz com que todas tenham um preço. Há quem possa continuar a manter conversas, há quem tenha de se calar.
Não faltam personagens nesta distopia, cujo percurso em meio a esta loucura continua a ter de lidar com os dramas da vida normal. Quadros realistas que talvez acabem por ter um elo comum.
Mas esta loucura tem mais de nossa do que aquilo que poderíamos supor. A constante observação, a cultura do medo, as sucessivas concessões que vamos fazendo.
“Ecologia” pode bem ser um livro sobre o ambiente. Em que vivemos, vigiados, com tamanho perigo de extinção das mais elementares liberdades. Como a linguagem.
E a linguagem é a mãe deste livro. Um livro profundamente útil, não só para pensar a distopia mas para nos dar instrumentos de análise, factos, dados universais e até curiosos. É impossível sintetizar tudo o que senti e aprendi.
Leiam muito este livro. Manuseiem-no, percebam-no como obra de elogio ao que nos torna diferentes de todos os outros elementos do planeta mas ao mesmo tempo tão parte deles mesmos.
“Ecologia” pode bem ser um dos livros que mais nos fala de quem somos.
Se descobrirmos o que na linguagem é natureza e na natureza o que é linguagem, estamos no caminho de reverter a voraz destruição do nosso planeta. - do prefácio do livro.
Este livro é uma distopia pós-capitalista em que a linguagem é privatizada. Num futuro próximo onde o poder está concentrado totalmente nas corporações e conglomerados, uma Multinacional chamada Gerez liderada pela poderosa Darla Walsh em parceria com uma start-up em ascensão, decide que existe um filão muito lucrativo por explorar, a linguagem. A partir daí inicia-se um processo que começa por convencer as massas a abdicar do seu direito à fala livre em todo o mundo, em todas as línguas. As palavras são bens transaccionáveis, existindo uma espécie de Bolsa de Palavras onde, por exemplo, a cotação de "Amor" sobe ou desce. Esta "transição" faz-se por vagas (a Primeira Vaga, a Segunda Vaga e a Terceira Vaga que dão nome aos capítulos) e guia-nos através de um mundo fragmentado e desorganizado invadido por uma tecnologia transparente e ubíqua.
As palavras mais caras tornam-se objecto de prestígio, recursos abusados por uma classe média-baixa ambiciosa. Os ricos continuaram a falar a seu bel-prazer. Nesse aspecto pouco mudou. Os valores que se pagam ao final do mês pela comunicação, nunca atingem uma soma que assuste uma pessoa com meios. Para esta franja do mercado criam-se os vocábulos de luxo. As Logoperadoras publicitam-nos com estratégias de marketing típicas da classe alta, associadas a outros artigos de luxo.
O livro prendeu-me muito pelo inusitado da situação, por ser muito inventivo (existem códigos QR impressos no livro que podem ser lidos pelo telemóvel e que nos encaminham para citações e mini-textos de outros autores!), e pelo modo como a autora conseguiu reunir muitos dos problemas que assolam o mundo nos dias de hoje: o mercantilismo da sociedade de consumo e sua desregulação, a dependência das tecnologias, a destruição do planeta. Ao mesmo tempo faz-nos reflectir sobre o poder enorme da linguagem e de como toda a nossa construção do pensamento depende dela.
Num futuro não definido, talvez não tão longínquo do nosso tempo, algumas palavras começam a ser pagas. O número de palavras pagas vai aumentando de forma acelerada, por fases, com maior ou menor resistência por parte dos cidadãos. Aos poucos, começa a ser natural pagar por algo que era de graça e as palavras passam a ser um bem de consumo.
Esta é a premissa para uma história que reflecte sobre muitos temas tão actuais. Partindo do medo, induzido por vários ataques simultâneos, uma empresa serve-se da tecnologia que todos utilizam no seu dia-a-dia, com o objectivo de tudo controlar, começando pelas palavras ditas em voz alta, até a tudo o que se escreve e até o que se pensa. O medo, mas também as vantagens que existem na utilização da tecnologia para simplificação da vida, são factores que contribuem para que os cidadãos vão abdicando de privacidade e algumas liberdades. No limite, nada é do foro privado e tudo se compra, nada pertence ao domínio publico e os cidadãos passam apenas a ser consumidores. Tudo terá um preço?
Uma narrativa construída de uma forma muito inteligente e original. Uma história contada em saltos temporais, de personagem em personagem, com várias camadas e recurso a várias formas que me foram surpreendendo. Desde QR codes a linguagem informática, fotografias de uma nova linguagem gestual a palavras novas.
Não é um livro fácil, a estrutura é fora do habitual e requer alguma atenção, mas a forma como a autora introduz os vários temas e como brinca com as palavras, é genial. A Joana Bértholo é já um caso sério da literatura contemporânea portuguesa. Tem sido uma maravilha descobrir os seus livros.
É-me difícil escrever uma review imparcial pois a Joana Bértholo juntou num único livro duas coisas que me dizem muito: distopia e linguagem. Numa nota pessoal, formei-me em Línguas e Literaturas, o que significa que ao ler este livro mil campainhas da memória revibravam a cada parágrafo. É uma obra muito bem conseguida, mas não é uma leitura fácil: é uma leitura enriquecedora. Diria que é um livro brilhante, do meu ponto de vista, mas como referi acima, não consigo ser imparcial a avaliá-lo.
Um dos melhores livros que já li na vida sobre as palavras, a linguagem e a literatura. Um livro sobre o qual não consigo dizer nada que faça sentido, porque todo ele me transcende. Talvez a melhor reflexão sobre linguagem que alguma vez li. Talvez mais do que isso.
I wish this was translated so the whole world could read it. For now, I'm shoving it in fellow Portuguese people's faces because it's an absolute must-read. Maybe I'll get around to write a review after the book club meeting.
Obra distópica, fragmentada, experimental, abrilhantada pela escrita fabulosa de Joana Bértholo. Porém, para mim, não tão memorável como A história de Roma, que se tornou um dos livros da minha vida!
Demorei um pouco a entrar nesta leitura, estive mesmo quase a desistir. Insisti e é caso para dizer que primeiro se estranha e depois se entranha.
Do início ao fim somos confrontados com o perigo das privatizações. Aqui, talvez num mundo não tão distante quanto poderíamos imaginar, tudo é privatizado: os transportes, os parques, os cemitérios, até a linguagem, até o pensamento. A monitorização é de tal ordem eficaz que não temos como escapar.
Admira-me que esta distopia reúna tanto consenso no Googreads, já que a estrutura da narrativa é completamente diferente do habitual e os temas abordados, apesar de interessantes, parecem não monopolizar as pessoas em geral. A escrita não é fluida, tem várias linhas de desenvolvimento, muitas personagens e requer a nossa atenção. Está muito longe se ser uma leitura leve, não o é.
Acabei por gostar bastante de ler este livro. Fiquei com bastante curiosidade para ler outros títulos da autora.
O livro mais desafiante que li nos últimos tempos. Ou como a partir de uma premissa interessante é possível criar um livro tão diverso, múltiplo, profundo e surpreendente. Num mundo dominado pelos mercados e em que tudo se traduz num valor, como seria se tivéssemos de começar a pagar pelas palavras que usamos? Se a linguagem deixasse de ser gratuita? É esta ideia que Joana Bértholo desenvolve ao longo de quase 500 páginas, a espaços desconcertantes e enternecedoras, de forma absolutamente inovadora - tanto no conteúdo como na forma. Este ‘Ecologia’ é um livro com L grande e uma declaração de amor à língua e à linguagem, feita por alguém que através dela pensa o mundo insano em que vivemos e reflecte sobre a natureza dentro e fora de nós. Imperdível.
“Se descobrirmos o que na linguagem é natureza e na natureza o que é linguagem, estamos no caminho de reverter a voraz destruição do nosso planeta.”
A linguagem, as palavras, a literatura e os silêncios, em cada uma daquelas personagens e na humanidade. E essa eterna fórmula vencedora do livro dentro do próprio livro. Esbarramos desde o início com algo diferente, original, que nos faz parar, pensar nas vezes que talvez já tenhamos questionado o mesmo. Um bom exemplo disso é logo na página 24 esse mundo em que tudo se prefixa com "co" e vemos o nosso dia-a-dia ali, num parágrafo. Depois, toda aquela sequência dos dias que correm lá para a página 44 que nos faz pensar que mundo é este afinal? E se realmente as palavras se pagassem e se apagassem por si? Recorreríamos aos caderninhos da Candela e seriam outras as palavras "perdidas"? Quem de nós arriscaria morrer no vale do silêncio? Que ao menos o silêncio dos seis mil idiomas seja como o silêncio de Beethoven.
No outro dia alguém me dizia que este livro foi escrito para mim, e que podia ter sido escrito por mim. Se teria a capacidade de juntar tão habilmente tão importante reflexão não sei, mas que este livro me fala muito directamente, é verdade.
Apesar de não ter gostado especialmente de como acaba, isso perde quase toda a relevância quando sentimos que o importante neste livro é a mensagem, o que as palavras contêm, o seu valor ao invés do seu preço.
Resultado de uma investigação tremenda, esta dita distopia (que é só, a meu ver, uma quarta-feira da falta de Humanidade com que o mundo vive, sempre tudo à espera de mais um estalo chamado consequência) desconstrói não só a linguagem e o discurso, mas também o que somos, qual o nosso lugar na Natureza.
No entanto, não se deixem enganar, este não é um livro de leitura fácil e desprendida. Este é um livro que vos exige atenção, dedicação, e constante questionamento sobre que porra andamos todos aqui a fazer com toda a riqueza que o planeta nos ofereceu e que persistimos em desprezar, como se fôssemos coisa separada.
Além de uma dinâmica que pode parecer, por vezes, confusa (és tu, mundo?), com códigos QR (quem viu todos percebeu a riqueza que eles trouxeram à leitura), citações de acontecimentos reais, imagens e gravuras, mapas e linguagem de programação C++, a Joana dá-nos uma escrita intencional. Sim, esta é mesmo a palavra. Intenção. E a intenção aqui é instigar o pensamento crítico. Porque “mudar a forma como as pessoas pensam sobre o mundo é mudar o mundo.”
E neste mundo de dormências, em que o glossário economicista contaminou o vocabulário dos afectos, em que “investimos numa relação” e “lucramos” ou não com o amor ao próximo, é imperativo pensar. A História ensina quem quer aprender que “A forma mais perversa de tortura somos nós próprios”.
Parece-me que, neste Portugal, em que vivemos em 2021, em que “se não pensares tanto” parece que “funciona melhor”, num país em que já nos proibiram (foi há menos de 50 anos) de falar, é importante lembrar que “a linguagem é um bem precioso: use-o com sensatez!”.
Façamos algo enquanto a maioria ainda pensa que “mesmo que nos tirem a palavra ‘liberdade’ não nos podem tirar a ideia de liberdade”, e pode ser que não voltemos a ficar sem ela. Seja lá o que isso for.
Provavelmente um dos livros menos comuns que li ultimamente. A linguagem como moeda de troca, as palavras como bem de consumo. A necessidade de se reinventar e de aprender novas formas de comunicar. Uma corrida atrás do passado iludido e esquecido e o desespero por um futuro incerto.
"É pensar em qualquer livro, qualquer livro que passe o crivo do tempo e sobreviva ao fogo de artifício dos tops de vendas e ao espartilho das novidades e, sem excepção, ele terá sido traduzido do narrar de uma águia, de uma garça, de um tucano, de um pica-pau, de um albatroz, de uma catatua, de um maçarico, de alguma arara, ou de uma gralha. E, sim, confirmo, as gralhas não dão gralhas. A melhor literatura vem das aves, pois quando nós, proto-humanos, emitimos os primeiros grunhidos, já elas compunham longos tratados em tom épico e complexa métrica."
"Há quem se desencante com a literatura quando percebe que vem das aves... É justamente o contrário! Se não fossem os escritores, e as escritoras, tudo o que as aves têm para contar se perderia para sempre. Seria tudo um acervo de piar e trinar e chilrear... intraduzível." ❤️
"Falar desta e doutras formas começa a mudar a forma como as pessoas pensam, e mudar a forma como as pessoas pensam sobre o mundo é mudar o mundo. Falar começa a mudar o mundo.”
Este é o terceiro livro que leio da Joana Bértholo e já vi que se tornou uma autora favorita. Das melhores descobertas de 2023.
Em linhas completamente díspares de A História de Roma, traz-nos uma sociedade em muito semelhante à nossa. Apesar de saber que a Joana não gosta que se pense neste livro enquanto distopia, a verdade é que me relembrou Orwell. Há partes que poderiam dar origem a um episódio de Black Mirror. Com o "objetivo" de valorizar a linguagem, é desenvolvido um sistema tecnológico que permite taxar as palavras pronunciadas. Começa-se subtilmente, com algumas palavras apenas. Até que se dá um controlo sobre todo e qualquer tipo de linguagem, seja esta em forma de pensamento, falada ou escrita. Tudo feito sob o pretexto de facilitar e simplificar a vida dos cidadãos. A isto junta-se o medo e a intimidação. Como consequência, assiste-se a mais uma forma de desigualdade social. Há quem possa falar, mas também há quem não tenha dinheiro para o fazer.
Joana traz ainda um conjunto de personagens. Cada qual com as suas batalhas e debilidades, só vieram acrescentar ainda mais densidade à obra. Segui sempre a Carolina com grande curiosidade e empatia, simpatizando também com Lucía e Candela.
Não foi um livro fácil de entrar, confesso. Não só pela sua estrutura, é um livro que nos exige alguma atenção. Está construído de forma muitíssimo inteligente e propositada. Todos os QR Codes (sei que é difícil para alguns, mas convido-vos a tentar), toda a linguagem de programação e todas as imagens e alusões a situações reais conferem a esta leitura uma maior profundidade, que a retira de um plano mais unidimensional. Fico genuinamente perplexa quando penso na investigação e trabalho que este livro não terá dado.
Este livro não foi bem o que eu esperava. Eu queria ter amado, beijado com língua, e não rolou.
A ideia é super original e autora usa a linguagem como ninguém. Mas os personagens são altamente aborrecidos, à excepção da Candela que é tudo. A história é contada de uma maneira pouco convencional que claramente não é para mim. Talvez quando for mais adulta o livro me bata mais.
Simplesmente brilhante, sensacional, actual, incrível, uma das melhores leituras de 2025!!!!
Fui ler este livro porque foi recomendado no podcast dos Livros da Piça e já tinha curiosidade em ler algo da Joana Bértholo há algum tempo. Que arrombo de livro!!!!! Em Ecologia, encontramo-nos numa sociedade onde uma mulher rica e excêntrica decide implementar um "programa" de "valorização da linguagem" - ou seja, começa a ser cobrado falar. Exactamente: neste mundo, paga-se para falar.
Com esta premissa, a autora leva-nos numa viagem distópica muito contemporânea. O livro foi lançado em 2018 e está super actual. Há muito tempo que não lia uma distopia e soube bem perceber que continuam a ser escritas e tão bem escritas. Fora dos clássicos já reconhecidos, de Orwell e Huxley (por exemplo), nunca me tinha aventurado em nenhuma distopia moderna. Apesar desses Clássicos serem incríveis, pecam por serem sempre uma espécie de "homem dos anos 60/70 a imaginar o que será o futuro". No livro da Joana, a linguagem e o contexto já estão no nosso quotidiano: fala-se de capitalismo, inteligência artificial, "dispositivos" (iPads), tecnologia para ouvir conversas, a infiltração das marcas nas decisões governativas, enfim... Um retrato que, infelizmente, não parece assim tão distante. Espero que não seja um prenuncio do que está por vir.
Em suma, adorei ler este Ecologia. O único reparo que faço é que, se puderem, leiam a cópia física. Eu li em eBook e este livro em específico ganha por ser lido em formato físico, para ser fácil aceder às notas de rodapé, bem como perceber e marcar o ritmo da leitura. Os capítulos são curtos e têm entre si mudanças de narrativa e temporais, o que poderá ser mais perceptível na cópia física do livro.
Sabe quando repetimos uma palavra sem parar e ela perde o sentido? Que tipo de fenômeno psico-linguístico é esse? É esse tipo impressão que Ecologia, da portuguesa Joana Bértholo, causa.
Ecologia é uma distopia-performática sobre LINGUAGEM: uma magnata decide instalar um programa nível mundial no qual as palavras passam a ser cobradas. Ora, não falamos com consciência, devemos apreciar mais o que dizemos, estamos cada vez mais desvalorizando as palavras! Nada mais justo do que privatizá-las.
Por meio de uma narrativa polifônica (e cheia de peripécias) e tipos diferentes de textos — imagens, QR Code, notícias, códigos, e-mails —, a autora cria um romance inteligente. Todas as discussões possíveis envolvendo a linguagem e a tridimensionalidade da língua acontecem dentro do livro — e também discussões sobre cultura, política, tecnologia e sociedade. Joana orquestra tão bem essa história que você consegue enxergar esse acontecimento como sendo algo possível & perigoso.
Como há muitas vozes e recursos narrativos, a leitura pode se tornar cansativa em alguns momentos (mas nunca enfadonha). Talvez, se o livro fosse um pouco menor, essa sensação poderia ser evitada. Por isso, recomendo ler sem pressa.
Não quero revelar muito da trama, quero que conheçam sozinhos a Ana - Mulher-eco, seu filho Vicente, a jornalista e escritora Carolina, o fotógrafo Tápio, o trabalhador Nelson, a magnata e mercenária Darla, a curiosa criança Candela e seus pais, Lucía e Pablo.
Livro interessante de Joana Bértholo acerca da importância e impacto das palavras e da linguagem e o modo como estas influenciam a sociedade em que vivemos. Contudo, sinto que houve certas reflexões que me passaram ao lado e houve certas partes da história que foram exploradas de forma exaustiva. Dito isto, termino com um dos meus excertos preferidos do livro:
"As palavras até podem bem ser tuas, coisa-humana, mas sou eu a forma como a tua casa respira. A tua casa, este planeta. Eu, a linguagem" (p. 482).
A sociedade de consumo levada ao extremo em que as palavras têm um preço! Com um vocabulário muito rico a Joana leva-nos até uma sociedade que talvez não esteja muito distante. Um livro diferente.
Foi o primeiro livro que li da Joana Bértholo. E ainda que tenha estranhado a estrutura do livro e a introdução frenética de personagens ao início, rapidamente fiquei envolvido nesta distopia. Um livro que nos obriga a pensar no valor que damos às palavras, à forma como nos relacionamos uns com os outros, aprendemos e reaprendemos a comunicar. A prova indubitável que a linguagem é simbiótica de tudo o que a rodeia . Amei.
Ler este livro foi uma experiência literária incrível. Adorei a escrita da Joana, que no início pode ser confusa mas depois de entrarmos no ritmo, torna-se riquíssima. Adorei todas as reflexões e criticas feitas ao longo do livro, bem como o foco que foi dado à linguagem. Linguagem esta que é o centro da história, e uma realidade distópica que a Joana criou em que se começa a pagar pelas palavras. Gostei mesmo muito, e que bonito que é saber que quem escreveu este livro foi uma mulher Portuguesa. Livro este que deveria ter uma visibilidade muito maior, pois o que a Joana fez aqui foi arte! Fiquei bastante indecisa entre as 4* e 5* (muito mais inclinada para as 5*), sendo que optei por ficar nas 4.5* apenas pelo facto de ter sentido que de certa forma faltou algo ao final. Contudo, não retira o mérito de toda a beleza presente ao longo de todo o livro.
"Há no mundo muito mais pessoas que nunca mataram do que assassinos. É reconfortante pensar que há mais homens bons do que homens maus. Mais actos gentis do que actos criminosos ou violentos. Há mais muçulmanos pacifistas e moderados do que bombistas ou fundamentalistas. Mas a nossa atenção tende a enganchar-se ao desvio, no deleito, no erro e na excepção."