A vida soube ser difícil durante a era Collor, especialmente para a delicada e forte Estela. Aos treze anos, quer ser filósofa. Aos treze anos, tenta se livrar das mágoas que a impedem de ser livre. Entre Porto Alegre e o Rio de Janeiro, atenta às bruscas transformações em sua vida, a menina tece sua “maturidade improvisada”, um modo de pesar a vida. Talvez, uma barreira contra os desafios pessoais: a relação ambígua com a mãe; a busca por um pouco de afeto do pai; a descoberta da sexualidade e os limites entre a religião e a liberdade.
Jeferson Tenório was born in Rio de Janeiro in 1977. Based in Porto Alegre, he is a doctoral student in Literary Theory at PUCRS and a lecturer in literature.
“Tive uma dor no peito que me trouxe outra revelação: a de que Deus era, na verdade, a minha mãe limpando o chão na casa das madames. Deus era a minha mãe tendo de sustentar a casa sozinha porque meu pai nos esquecera. Deus era a minha tia cuidando do tio Jairo com derrame. Deus era a Melissa querendo voar pela janela. Deus era a minha madrinha Jurema suportando o Padilha. Deus éramos nós sendo violentadas. Deus era eu carregando um filho morto no ventre.”
quase devastador.
(penso que a linguagem poderia ter sido mais estruturada de acordo com a personagem e com a mensagem, mas não chega a me incomodar)
(mudando umas notas antigas) gostei de como a questão da religião e da terrível igreja evangélica em ascensão no brasil apareceu aqui, mas só isso. acabou sendo um ritmo rápido demais pra falar de muita coisa sem um aprofundamento… também tinha trechos clichês demais e metáforas um tanto pedantes e sem sentido. a primeira parte me incomodou bastante, especialmente como foram narrados a primeira menstruação e o trauma vivido. o avesso da pele é melhor em todos os âmbitos, esse sim recomendo muito mais
“Estela sem Deus” foi o primeiro livro que li do autor e escritor brasileiro Jeferson Tenório.
Fiquei encantada. Tanto com a sua escrita poética como com a profundidade desta narrativa que, ao longo de três partes, me apresentou Estela, uma menina-mulher que parece ter tudo contra ela, menos o seu desejo de, um dia, ser filósofa. Estela é tão forte sem o saber. Ela é também o espelho das desigualdades sociais e de género, da precariedade, do racismo e violência (física e emocional) que existem no Brasil. Ela dá voz a meninas e mulheres que lutam para serem ouvidas, reconhecidas e respeitadas e chega a ser comovente acompanhar aquele que era um fino, frágil e submisso fio de voz que, dadas as circunstâncias da vida, se viu obrigado a crescer e a encontrar o seu próprio lugar no dia a dia. Muitas coisas foram silenciadas mas nunca as observações, questionamentos e pensamentos que Estela desenvolvia com uma simplicidade desconcertante.
Este livro fala-nos também da relação de Estela com Deus. Sem nada impingir ao leitor, Tenório aborda a religiosidade de uma forma tão bonita, desdobrando esta figura com uma sensibilidade inigualável. O próprio título do livro é uma constatação da solidão, do abandono e da luta de Estela em existir, de facto. De que é feito esse existir individual e social? Existir sem Deus é existir sem identidade ou ser-se sem personalidade? Será que as nossas “falhas” (sobretudo aos olhos dos outros) nos tornam em “poemas que deram errado”?
Gostaria de destacar uma passagem que achei belíssima:
“(...)lembro-me apenas do professor de biologia dizendo que a margem esquerda [do coração] era três vezes mais forte que a direita [por ser responsável por bombear sangue para o corpo]. (...) Às vezes, penso que algumas pessoas devem ter nascido com duas margens esquerdas para poder dar conta da vida.”
Este é um livro que sacode, que orienta o leitor para realidades que existem e que estão longe de serem excepção. É como se Estela gritasse “Eu existo, sim!”. É um livro duro, “desterrado” como a paisagem da capa mas, apesar de tudo, Estela continua a andar, a existir, a ser.
Recomendo muito (muito mesmo) a leitura deste livro.
Muito bom! Muito bem escrito! É o segundo livro que leio do autor e recomendo-o muito! Conta-nos a história de Estela, uma menina negra, e a sua entrada na adolescência e adultez. As suas dificuldades, as sua família disfuncional e o seu crescimento e evolução como pessoa estão aqui extremamente bem descritos por Jefferson Tenorio.
jeferson tenório é a grande surpresa deste ano. já tinha ficado fã com o «avesso da pele», mas agora que li o «estela sem deus» junta-se à lista de autores favoritos.
a escrita é, uma vez mais, belíssima. tenho o livro praticamente todo sublinhado 🥹. é envolvente e poética. e no final só queria abraçar esta menina. tal como no avesso da pele é abordada a temática do racismo, da violência, das desigualdades sociais, mas julgo que ainda vai mais longe. não me recordo de ver um autor masculino descrever a experiência feminina tão bem e com tamanha sensibilidade. e não é qualquer experiência feminina. com a história de estela, jeferson mostra o que é ser uma mulher negra num brasil pobre.
ao longo das três partes acompanhamos o crescimento de estela e logo no início compreendemos que não se trata de uma menina qualquer, foi obrigada a crescer demasiado rápido. com feridas para a vida toda. aqui estela mostra ser uma menina com tanta força! com a mãe doente é obrigada a desistir da escola e mais tarde acaba por se mudar para casa da sua madrinha, no rio de janeiro, juntamente com o seu irmão.
estela sem deus, estela com deus. abandonada, ao longo da sua infância procura-o e grita por ele, mas não vem. a dado momento ela pensa que “deus machuca as pessoas como se fossem baratas” quando pretende vingar-se de alguém; e noutro explicam-lhe que tudo aconteceu porque não tinha deus a seu lado. como encarar tal ideia? como não interiorizar pensamentos de rejeição e abandono como ‘como assim deus não me ama o suficiente para me proteger de tais coisas’ e por isso, em jeito de compensação, aproxima-se dele. jeferson tece uma crítica subtil ao papel e influência da religião evangélica no brasil e confesso que adorei, sinto que tornou tudo ainda mais real.
O livro é dividido em três partes: a segunda parte eu gostei bastante, explora um pouco mais a relação da Estela com Deus, a religião, a culpa cristã, e essa ambiguidade de um cristianismo que parece bondoso e acolhedor, mas que é responsável pela disseminação de tanto preconceito e moralidade. Achei que aqui, a escrita foi bem. De resto, os outros dois terços do livro foram detestáveis para mim. Cheio de reflexões clichês, a própria vontade da Estela de ser filósofa (que é colocada na sinopse do livro) é pouco desenvolvida. A Melissa é uma personagem, para mim, extremamente no estilo dos livros que eu lia do John Green quando adolescente. Uma construção de figura feminina que não gosto. A forma como o Jeferson Tenório descreve tantos fatos importantes da vida da Estela, como a menstruação e a primeira relação sexual, são evidentemente de uma perspectiva masculina sobre a mulher. Tantas violências também são colocadas sem grande desenvolvimento, e embora algumas coisas não precisem ser elaboradas, no livro me deixou um grande incômodo.
Eu esperava uma estória que desenvolvesse o sonho da personagem e o quanto sua realidade afeta seus quereres e poder, o livro faz isso de uma forma muito boa! Aliás essa é a única parte do livro que eu realmente me conectei. Agora a jornada da Estela se descobrindo mulher me incomoda muito, sinto que é uma visão de fora sobre essas questões, acho que o Jeferson Tenório tem uma visão esteriótipa? fetichista?distante? rasa? sobre se descobrir mulher, negra e pobre no Brasil.
É incrível como Jefferson sempre acerta. Uma construção de narrativa impecável e um final que emociona tanto quando o começo. O que mais gosto é o cuidado ao escrever e criar uma personagem feminina, o quão real ele é e como ele consegue captar e transmitir a dor de ser e se saber mulher mesmo quando ainda somos crianças.
“Eu gostava de dormir para poder sonhar. Nem sempre eu sonhava, mas sabia que, quando fechava os olhos, um mundo se apagava e a possibilidade de outro se abria.”
Alguns livros trazem personagens inesquecíveis. Alguns nos pegam pelos detalhes. Alguns, prestam um serviço por existirem. Alguns, trazem passagens maravilhosas. Esse livro de Jeferson Tenório contém, em si, tudo isso. Estela é uma personagem incrível, profunda desde a infância, sonha em ser filósofa sem saber que o é o tempo todo. O título traz "sem Deus", mas que Deus é esse que Estela não tem? Será que ela queria tê-lo? A personagem nos conduz pela triste história de sua infância e adolescência, contando o sofrimento de viver à margem, pelas beiradas, num país que sonhou alto, mas caiu vertiginosamente num abismo durante o início da década de 1990. Não é só Deus que estela não tem, é democracia, é espaço, é voz. E, no entanto, Tenório dá voz a essa personagem que procura seu espaço na marra, porque nada lhe é dado, tudo que conquista é na base da luta, não só dela, mas de mulheres poderosas que lhe cercam. Um poder que não está no dinheiro, na política ou na voz, está na insistência, nos apesares. Quem sabe d'O acontecimento, de Annie Ernaux, vai reconhecer que existem batalhas que são quase universais às mulheres. Mas também, ao ler Tenório, poderão vislumbrar que o recorte de raça nunca pode ser esquecido, num país que esqueceu dos seus e os abandona 'sem Deus'. A filósofa Estela, ao buscar refletir e conhecer, sente no fundo as dores da falta. A mim, essa falta já foi muito comum e parte dela ainda o é. Como diria o poeta: "Itabira é apenas uma fotografia na parede./Mas como dói!".
Fiquei muito na dúvida entre dar 3 ou 4 estrelas para esse livro, mas mantenho minha posição de que "gostei". O livro tem o mérito de ter escapado de alguns clichês, embora outros fiquem evidentes (não posso contar para não dar spoilers) - do tipo colocar uma determinada situação meio que de modo aleatório só pra ter como desculpa pra falar de outras coisas.
Estela é uma menina de 13 anos que deseja ser filósofa, mas precisa parar de estudar para ajudar a mãe a fazer faxinas, por conta de uma doença desenvolvida na pele. Junto com o irmão Augusto, Estela passa por várias dificuldades, e observa tudo, questiona. Em certo ponto vai morar no Rio de Janeiro com Augusto, na casa da madrinha.
Como o título sugere, a temática da existência, importância, crença (em) Deus é abordada. Gostei de como as coisas foram conduzidas e de ter esse exemplo de representação na literatura contemporânea.
Queria ter lido muito antes esse livro!! Jeferson Tenório consegue toda a atenção dos seus leitores, quando aborda temas contemporâneos, tão importantes e necessários!!! A personagem Estela vive uma realidade crua e perversa mas muito comum no Brasil: mulher, negra e pobre em um país racista, machista e desigual, onde a mulher ainda luta pelos seus direitos na sociedade. O autor trabalha de forma incrível a escrita, trata com seriedade as temáticas abordadas e em vários momentos articula com muita expertise as frases intercalando momentos difíceis com frases de pura poesia urbana e sabedoria. Enfim o penúltimo parágrafo me chocou bastante! Lindo e muito forte! Para mim superou O avesso da pele, que também li 2 vezes de tão sensacional que foi!! Jeferson merece ser lido!!
Depois de ler O Avesso da Pele e agora Estela sem Deus, acho que o Jeferson Tenório é um dos meus autores brasileiros preferidos da atualidade. Estela sem Deus é outro livro lindíssimo dele. Que sensibilidade absurda desse autor, para se colocar na pele de uma menina, narradora criança que vai crescendo e amadurecendo ao longo da obra, em uma história tão comum no Brasil, da menina negra com pai ausente e com mãe que trabalha como doméstica, às voltas com questões filosóficas e religiosas e com uma profundidade de sentimentos muito tocante. Ao contrário do Avesso da Pele, este é um livro sobre mulheres e seu papel na formação da identidade de uma menina que sofre pela violência, racismo, pobreza e machismo, permeada com a presença da religião e a ausência de estudo. Mas o Jeferson Tenório sabe dar um fio de esperança e uma força a todas essas tristezas. Gostei demais. Para quem se interessar, tem uma resenha muito boa desse livro, aqui: https://valkirias.com.br/estela-sem-d....
Dividida entre 3 e 4 estrelas. Às vezes sentia a linguagem poética disfarçando senso comum, ou que era óbvio que um homem estava escrevendo do ponto de vista de uma menina. Também foi difícil sentir o amadurecimento da Estela porque a voz dela é tão uniforme do começo ao fim. Ainda assim, destaquei váaarias passagens e valeu a leitura.
(Consigo imaginar ele sendo ensinado como clássico!)
"Estela sem Deus", de Jeferson Tenório, é um romance marcante e doloroso que acompanha Estela, uma jovem negra da periferia que procura no seu lugar no mundo. A narrativa em primeira pessoa aproxima-nos da protagonista, o que permite conhecer ainda melhor as suas angústias, dúvidas e a dura realidade que a rodeia. O autor constrói uma personagem complexa e multifacetada, que cativa com a sua força e sensibilidade.
A história aborda temas como racismo, desigualdade social, violência, religião e a difícil jornada da adolescência. A ausência paterna e a relação ambígua com a família são retratadas com nuances e expõem as fragilidades e os laços que unem essas personagens. A mudança de Porto Alegre para o Rio de Janeiro marca uma nova fase na vida de Estela, confrontando-a com novas experiências e desafios.
A escrita do autor é envolvente e direta e tanto vai mais para a oralidade como para a parte mais poética. A forma como o autor aborda temas tão delicados é um dos pontos altos da obra Sem cair em clichês ou soluções fáceis. A crueza da realidade é apresentada sem rodeios, mas com sensibilidade.
O que menos gostei foi em alguns momentos a narrativa ser lenta e o final demasiado abrupto.
"Estela sem Deus" é um livro que nos faz refletir sobre a realidade de muitos jovens no Brasil. A história de Estela é dolorosa, mas também inspiradora e mostra a força e a resiliência de quem luta por um futuro melhor. Recomendo a leitura para quem procura uma obra profunda e que nos convida a pensar sobre o mundo em que vivemos. Apesar do ritmo em alguns momentos e do final, a obra merece o reconhecimento pela sua importância e pela forma como aborda temas tão relevantes.
Jeferson Tenório é um autor que eu vou ler tudo o que decidir publicar sempre. Eu amei O avesso da pele e agora, lendo Estela sem Deus, fiquei ainda mais envolvido na escrita do autor. É um livro rápido, de fácil leitura, mas nem por isso menos profundo e impactante. Vale demais a leitura.
confirma-se: jeferson tenório é um autor favorito 🫶🏼
este livro é particularmente especial: foi-me trazido do brasil pela minha amiga raquel. tendo feito esta viagem para chegar até mim, sinto-o quase como um sacrifício. mas veio para tornar-me melhor pessoa. e só por isso valeu a pena o seu caminho. é sempre assim que me sinto quando leio jeferson tenório: melhor.
em “estela sem deus”, o autor, mais uma vez, revela uma escrita belíssima. escreve com a voz de estela, uma menina negra de 13 anos e, através dela, revela-nos a realidade de mulheres negras num brasil pobre. é, portanto, na sua interseccionalidade que este livro se torna ainda mais poderoso. e importante.
estela conta-nos sobre a sua vida de pobreza em porto alegre, sobre como teve de desistir da escola para ajudar a mãe doente, sendo obrigada a ir, com o seu irmão mais novo, para o rio de janeiro. fala-nos sobre toda a violência a que eles e a mãe são submetidos. fala-nos sobre religião, ela que quer ser filósofa para pensar a vida. e, na religião, no crer em deus que nem é sua escolha, revela-nos a luta com ela própria: afinal deus pode ser muita coisa.
a jovem, que se vai tornando mulher, nesta sua busca de identidade, mostra-nos que as escolhas devemos ser nós que as fazemos, não nos devem ser impingidas pela vida. apesar de isso nem sempre ser escolha. e de quantas estelas é feito o brasil?
a nossa protagonista foge das respostas mais óbvias, em busca de algo que faça sentido para si. e, no meio da angústia, da luta, do questionar, do romper com a norma, mostra-nos, também, a coragem e a profundidade de ser-se humano.
“estela sem deus” é simples, fluído, mas duro e belo como o jeferson tenório já nos habituou. é o meu terceiro livro do autor e eu já só quero mais!
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livro lido a propósito do mês da história negra ✊🏼
Considero este livro 10 estrelas ⭐️ Diz tanta coisa em tão poucas palavras, é definitivamente um livro para voltar a ler. Já sinto saudades da personagem, é daquelas que deixa saudades ❤️ Muitos parabéns 🎉 Quero ler mais livros seus 🙏⭐️⭐️⭐️⭐️⭐️📕
Estela sem Deus conta a história da Estela, uma jovem negra que sonha em ser filósofa. A narrativa poderia ser sobre os desafios comuns de uma estudante … mas a vida dela não é tão simples assim. Filha de uma empregada doméstica, Estela cresce ajudando a mãe nas faxinas dos casarões, convivendo de perto com desigualdades e traumas irreversíveis.
Com medo do futuro – que temia já estar escrito (drogas, gravidez precoce, prostituição) – a mãe decide mandar Estela e o irmão para o Rio de Janeiro. Porém a cidade nem tão maravilhosa tenta sufocar a sua espiritualidade, impondo outra fé a filha de Oxum.
O livro tenta abordar muita coisa ao mesmo tempo: racismo religioso, violência, machismo, pobreza, religiosidade, saúde da mulher, solidão … É tanta coisa que, para mim, ficou difícil me conectar com Estela. Talvez essa confusão tenha sido intencional, para mostrar como é a vida de quem carrega tanto nas costas. E, se foi, bom, funcionou – porque é cansativo.
Uma coisa que me incomodou foram as repetições de algumas expressões, como a “administração da tristeza”, que aparece várias vezes e acabou perdendo o impacto. Fora isso, acho que tiveram personagens em excesso, quase aleatórios, o que acabou me deixando confusa com a cronologia da história.
Agora, sobre a narrativa: dá para perceber o esforço do autor em escrever do ponto de vista de uma mulher, e eu admiro isso. Ele tem muita sensibilidade para tratar desses temas, mas não tem jeito, o olhar de um homem nunca vai ser exatamente o mesmo de uma mulher. Isso não desmerece o trabalho, mas, para mim, ficou essa sensação de que faltava alguma coisa.
No geral, Estela sem Deus é um livro muito triste, cheio de reflexões, marquei diversas passagens. Mesmo não sendo uma leitura que me pegou completamente, acho que é uma obra que vale a pena por tudo que traz à tona. Acho que o Avesso da Pele é uma leitura mais recomendada para quem quiser ter um primeiro contato com o autor!
Quando se pensa sobre os impactos de uma sociedade racista sobre a população preta, há muitas camadas que explanam as violências sofridas cotidianamente e que vamos descortinando diariamente numa construção antirracista. Se no “O avesso da pele”, livro anterior do autor, a narrativa estava centrada majoritariamente sobre a dinâmica masculina, com homens subjugados por um funcionamento sistêmico político-econômico, neste “Estela sem Deus” o autor se debruça em uma narrativa que se centra sobre a dinâmica feminina, com mulheres relegadas a um papel social de solidão, que driblam destinos que as levam a um encurtamento de futuro. Mulheres que criam filhos sozinhas, mas que fazem elas mesmas uma rede de apoio para superar desamparo, violências e fados. Juntam-se ao contexto racial o machismo, a religião, atravessando sexualidade, desejos, empoderamento, o texto do autor é muito elegante e dolorosamente poético, profundo em sua assertividade e questionamentos. O Deus que Estela expurga nesta história representa, enfim, todos os homens que, de alguma forma, creem ou exigem ter poder sobre o existir, o sentir, o pensar dessas mulheres, seja por meio de maridos com outras famílias, maridos violentos, pais ausentes, pastores dúbios, irmãos babacas. O Deus que ela encontra está, então, na resistência de mães solos, mulheres agredidas, adolescentes deprimidas, todas tratando de viver a vida possível, sem se esquecer da grandeza potencial que cada uma tem na margem esquerda de seus corações. Livro lindo, forte e necessário.
Jeferson Tenório ganhou notoriedade após o hype em torno do vencedor do Prêmio Jabuti de 2021 "O Avesso da Pele", que aborda o racismo de uma forma muito contundente. Agora, o autor não abandona o tema, mas foca na difícil vida da jovem Estela, uma garota negra de 13 anos, pobre, que sonha em ser filósofa mas tem que abandonar seus estudos para ajudar a mãe a fazer faxina. Como as dificuldades da família na periferia de Porto Alegre só aumentam, a mãe de Estela resolve mandá-la junto com seu irmão mais novo para o Rio de Janeiro, para morar com sua madrinha.
Uma fase de amadurecimento prematuro em função dessa drástica mudança, a experimentação da sexualidade e tantas outras descobertas são retratadas com incrível realismo, mostrando os obstáculos impostos por uma sociedade retratada como machista e racista. As angústias de ser uma adolescente pobre e negra no Brasil passam pelas dificuldades em conseguir estudar, a decepção com um pai ausente que abandonou a família, a educação sexual precária, a violência doméstica presente no dia a dia, a influência e ambiguidade da religião e tantos outros temas pelos quais o autor navega com propriedade.
Avaliação Final: 8,0/10 Leitura Concluída: 38º livro de 2023 Próxima Leitura: "Esqueletos no Saara" (Dean King)