Em 1938, quando o filósofo Étienne Souriau faz o inventário dos diferentes modos de existência que povoam o mundo, uma classe de seres retém particularmente sua atenção: a dos seres virtuais. Trata-se das potencialidades que acompanham cada existência: aquilo que ela poderia ser se... Não são meras possibilidades, já que os virtuais existem à sua maneira. O problema é que carecem de realidade, como se não houvesse lugar para eles no mundo real. Quem pretende fazer com que existam mais, que tenham “mais” realidade, é, além de criador, um advogado, pois luta pelo “direito” de existirem com mais intensidade, de ocuparem legitimamente um lugar neste mundo. Cada criação não seria uma defesa em favor das novas existências que cria? Não será este o problema de cada existência, na medida em que se percebe privada do direito de existir de tal e qual maneira? É a interrogação que percorre este livro, na interseção entre a existência, a arte e o direito.
David Lapoujade is a French philosopher and a professor at the Université Paris-I Panthéon-Sorbonne. In addition to editing the posthumous collections of Deleuze's writings, Desert Islands and Two Regimes of Madness (both published in English by Semiotext(e)), he has written on pragmatism and the work of William James.
"Como diria Souriau, estamos entrando em um mundo no qual a solidez dos corpos, a clareza dos contornos e a fixidez das imagens se dissipam, dando lugar a verbos que afetam todos os modos de existência: aparecer, desaparecer, reaparecer". Antes da "sociedade líquida" de Zygmunt Bauman, em 1938, o filósofo Étienne Sourieau pensava a existência de um ponto de vista fenomenológico e metafísico em que os vários sujeitos têm seu existir colocado em xeque. Embora esse comprometimento do ser esteja mais ligado àquelas que foram definidas como "existências mínimas", a própria negação da existência de determinadas classificações sociais também negam a nossa existência. Isso porque elas só existem em contraparte a uma outra existência. Só existe o pobre porque existe o rico. Só existe o negro porque existe o branco. Só existe o gay porque existe o hetero. Assim colocadas, essas definições, esses estrangulamentos classificatórios servem, já de antemão, para a insurgência das "existências mínimas", uma vez que colocadas em oposição elas existem em virtualidade. O próximo passo é garantir sua legitimidade. Isso se dá através da arte, pois é a arte que torna o imaginário e o virtual em reais. É a arte que materializa e traz à tona os gestos destas "existências mínimas". A força do problemático é o seu problema, é o que torna a sua busca incessante. Essas existências querem "espantar os fantasmas que tomam o seu". Assim, os virtuais precisam se fazer ver por aqueles que os ignoram. "A força de um problema não é a sua tensão interna, é a incerteza que ele produz na (re)distribuição da realidade". Verdade, existência e realidade só são concretos se estiverem em posse de alguém e são manipuladas por essa pessoa. Mas quem detêm de facto a posse da verdade, da existência e da realidade? Os mínimos e virtuais precisam então conquistar essa existência, primeiro através de anáforas e, depois, pela instauração, através de gestos que a formalizem. "Se esses gestos são importantes não é apenas porque eles instauram novos modos de existência, mas sim porque são criadores de direito". Por isso muito mais complicado não é duvidar de uma existência, mas do direito de existir daquela coisa, daquele ser, sujeito ou indivíduo. "O processo é, portanto, ao mesmo tempo inevitável e interminável. Inevitável porque é preciso impedir que a acusação se torne condenação. Interminável porque o melhor a fazer é adiarmos a condenação; nunca seremos absolvidos". Em face a um governo total como o que estamos vivendo, as existências se reduzirão sempre ao mínimo possível.
Boníssim llibre de Lapoujade sobre la difícil filosofia d'Étienne Souriau. Buscant un pensament sobre la realitat dels imaginaris i la virtualitat, he trobat en Lapoujade una ètica i estètica, una idea valuosa sobre quins tipus d'existència hi ha, com participem en diversos de manera simultània, com podem passar d'un a l'altre, i com intensificar-ne la realitat. El discurs sobre el virtual és especialment preciós, pensant no tant en art sinó en política, en fantasmàtica, en mons-altres... Molt i molt interessant.
Esse livro foi indicado pela minha Professora de Estética para me auxiliar a escrever meu artigo científico sobre a potência da sutileza, sobre quando o detalhe vira imensidão. Conhecer a filosofia de Souriau foi um processo lindo pra entender mais sobre a percepção na arte e sobre a minha existência. Era tudo o que eu precisava ler. É nisso que eu acredito.
Digo: es un estado del arte, una recolección del trabajo de Souriau, entonces es difícil separar las perspectivas de Lapoujade, de aquellas que toma de referencia.
No obstante, más allá de la originalidad de la premisa e incluso del argumento, el tratamiento formal de esta propuesta es muy bueno. Hay una narrativa muy coherente y que a pesar de lo complejo que es agarrar un objeto tan frágil como la virtualidad, realmente lo instaura y lo transmodaliza, tal como defiende que hay que hacer con las existencias virtuales.
En definitiva la idea de que uno se funda en algo y se es testigo, no porque uno le da sentido a lo que testimonia, sino porque lo que uno testimonia lo constituye en el derecho de testimoniante me cambió la vida. Me hizo dar cuenta lo inherentemente relacional que son las formas de existencia y cómo la duda en algo, más que cuestionar la legitimidad de eso de lo que se duda debería cuestionar el punto de vista propio para percibir el mundo y percibirse en él.