agora eu queria o terraço eu queria deitar agora eu queria o maquinário do sonho sem dormir eu queria descansar agora eu queria esquecer eu queria correr sem as luvas agora eu queria te receber sem dor eu queria escrever um poema novo eu queria sorrir com mais dentes agora eu queria uma obviedade que ainda deixasse pairar um mistério ficcional por sobre minha cabeça minha cara agora eu queria pular três semanas eu queria agora desfazer a decisão de nunca mais confundir agredido e agressor agora eu queria dizer uma frase brutalmente simples para depois dela eu nunca mais ter que me explicar
Vou aproveitar para falar sobre uma coisa que não gosto. São muitas essas coisas, mas também são muitas as que gosto, então não vá assumindo nada. Poesia não é auto-ajuda, ainda que possa, como todo objeto que propõe uma fruição estética, ser instrumento de cura e libertação. Não precisa ser. Os poemas mais compartilhados por aqui, mesmo por pessoas que realmente gostam de poesia em algum grau, são aqueles que escrevem a prescrição e assinam no final. Que dizem categoricamente o que é não é amar, doer, caber e não caber.
Eu particularmente prefiro os poemas de Francisco Mallmann, brasileiro, maravilhosa, latino-americane, fervente (sem verniz amadeirado aqui, sem vento do norte) que sente muito mas sabe pouco, que maravilha é não saber tudo, queria eu poder dar um beijo nele (já dei, no livro, está dado). Francisco é todo multiplataforma, teatro, performance, e tralala, mas curiosamente esse é um livro de poemas da página. Vivem perfeitamente fora dela, é claro, queria eu mesmo declamar alguns, mas é bonito como vivem bem ali, deitados no berço esplêndido do pólen, versos de marica.
E neste mesmo tópico acho muito bonita a intercessão entre alguma dita poesia marginal, pois aparentemente para falar das coisas 'de marica' é preciso manter-se à margem (?), e um certo fino do fino da poesia contemporânea, Angélica Freitas e Ana Martins Marques sensivelmente referenciadas ou sentidas. Apesar de potencialmente pós apocalíptico, ainda que otimista, o poema que dá título ao livro me remete mais ao seu objeto mais imediato.
O fim da festa, todos os seus seres, juntos, esperando um ônibus, alguns cansados outros querendo um pouco mais, uma vida inteira de batalhas nas horas da madrugada, toda bicha doída de amor sofre igual, mas algumas sofrem diferente. Talvez seja um apocalipse mesmo, mas que para alguns começou antes e termina bem depois.
Realmente não esperava uma leitura tão catártica em alguns momentos e tão diferente da minha realidade em outros. Achei o livro e a escrita muito interessantes. E que eu termine essa resenha com uma frase do livro, me achando uma grande crítica literária hehe: “eu me declaro o que eu quiser.”
"ah, por favor, não me fale sobre heterossexualidade, me ofereça cinco reais, me dê um pendrive de presente, me leve para um piquenique no pôr-do-sol, mas não me fale sobre heterossexuais, estou adoecendo, não vê? insensível"
Meu primeiro contato com a poesia de Francisco é estarrecedor. As imagens manipuladas no papel e na mente criam uma atmosfera de suor, purpurina, sorrisos e revoltas. Trata do corpo, da alma, da carne, da aura. Poemas fortes e que pegam, abraçam e afastam. Excelente.
querido, te envio lencinhos que quando me entregaram, na hora do almoço, embrulhados em seda, agradeci com poucas lágrimas mas eu sabia que ao escrever essas palavras esses papéis iriam encharcados.
poesia-bicha-forte-arrebatadora-de-quem-se-declara-o-que-bem-entender-cataploft. viva francisco! viva os restos irresignados e resilientes que festejam apesar de!
Um livro que fala diretamente aos corações mais sensíveis, mais raivosos, mais inteligentes e mais acordados. Cada poema é um tapa, um beijo, um shade, um acalento. Feito de um de nós para nós.