Fernanda Botelho, ficcionista e poetisa, publicou A Gata e a Fábula em 1960. Co-fundadora da revista "Távola Redonda", na década de 50, juntamente com outros destacados autores da nossa literatura, integra-se num movimento a que Eduardo Lourenço chamou a "metamorfose da ficção portuguesa". A novidade destes autores, em relação a toda a literatura anterior, é que se distanciam de aspirações de combate contra os valores que o regime pretendia impor e se limitam a mostrar o seu esvaziamento. Fernanda Botelho foi uma das personalidades que mais genialmente soube expor esse fenómeno. Em A Gata e a Fábula trata a questão do lugar da mulher na sociedade, temática que, como núcleo, organiza toda a estrutura do romance. Provenientes de uma aristocracia nortenha, empobrecida, as mulheres tentam preservar o seu estatuto através do casamento que encaram, tal como a contraparte masculina, como um destino. Mas é justamente na geração dos mais jovens que o determinismo começa a falhar, em função de impulsos incontroláveis, por vezes violentos, por vezes grotescos, em personagens como os jovens Paula Fernanda ou Duarte Henrique. A riqueza dos recursos estilísticos, tão singulares, que caracterizam a escrita de Fernanda Botelho intensificam a dramaticidade deste universo. A Gata e a Fábula é um romance galardoado com o Prémio Camilo Castelo Branco. A Gata e a Fábula de Fernanda Botelho
Maria Fernanda Botelho nasceu no Porto no dia 1 de Dezembro de 1926 e faleceu em Lisboa no dia 11 de Dezembro de 2007. Estudou Filologia Clássica nas Universidades de Coimbra e Lisboa. Foi, nos anos 50, uma das fundadora da revista Távola Redonda. Tornou-se conhecida como poetisa primeiro e como romancista depois. Ganhou vários prémios, entre os quais o Prémio Camilo Castelo Branco, o Prémio da Crítica e o Prémio Eça de Queirós.
' A Gata e a Fábula ' by Fernanda Botelho is a work that has at its heart the revisitation of the origins of the childhood world of its characters. The characters in this novel represented, at the time of its original publication, in 1960, a generation that was asserting itself and questioning itself in the suspended Portuguese post-war world. The story revolves around a group of women belonging to the impoverished aristocracy, who seek to maintain their status through marriage, considering it an end in itself and rejecting outright an independent life as a "spinster." Fernanda Botelho draws a social portrait of her novel, as in the rest of her work. At the same time, she works on narrative processes, focusing mainly on the character's inner monologue.
Descobri este romance num acaso de feira da ladra, seduzido pelo design vanguardista antigo da capa. A prosa começou cheia de força, os primeiros parágrafos do livro são um portento de linguagem, mas depressa estabiliza num romance de sensações e sentimentos. Diria que vazio, a busca infrutífera para fugir a essa sensação, é o grande tema deste livro.
Somos levados ao Portugal dos anos 40, para o seio de famílias de classe alta. Pessoas para quem as aparências contam, e as relações familiares são um eterno negócio por vantagens financeiras. O casamento é o meio privilegiado para se garantir uma vida desafogada, quer casando com pessoas financeiramente mais afluentes, quer sonhando com o futuro de potenciais herdeiros. Cruzam-se aqui duas famílias minhotas, cujos filhos parecem destinados a um casamento que unirá o nome aristocrático mas sem dinheiro de uns à riqueza de outros. É um destino a que o complexo Duarte, e a muito senhora do seu nariz Paula, tentarão fugir até um choque final.
Duarte é a principal personagem deste romance, homem que cresce algo vitimizado pelo pai por não ser um típico rapazola amante de tropelias e ser mais dado aos livros. A relação do pai é de um profundo desprezo, é um homem que desde sempre entrou no jogo dos casamentos e heranças para ter uma vida desafogada com rendimentos, que passarão para os seus filhos. Mas como homem do século XX, Duarte incomoda-se com esse destino, procurando outra vida nos estudos e em viagens. De qualquer forma, o peso da tradição acabará por o apanhar, e regressará à aldeia minhota para cumprir o seu destino de casar com a amiga de infância.
Esta é bem conhecida pelo seu espírito independente, algo irreverente, inconveniente e pouco domável. No fundo, trata-se do conflito entre o querer ser livre e os grilhões familiares e sociais que a prendem. A liberdade, encontrá-la-á no final, ao recusar o casamento, conseguindo libertar-se do destino que a todos parecia ser conveniente.
Retrato de um mundo de pequenez, de aristocracia tacanha, do querer viver de aparências e rendimentos, sem nada criar, nada produzir, apenas pensar em esquemas e estratégias para enriquecer. Crítica a uma sociedade conservadora, retrógrada, para quem a autopreservação é o valor supremo. Uma interessante surpresa, vinda de uma escritora que apesar de ter o seu lugar de importância na história da literatura portuguesa, parece hoje um pouco esquecida (bem, nunca tinha ouvido falar dela) fora de círculos académicos.
Uma agradável surpresa. Deparei-me, pela primeira vez, com o nome da escritora Fernanda Botelho numa oficina de "Mulheres Raras". O tema versava a escrita das mulheres no século XX e na descoberta de autoras que pelo seu percurso são, pouco conhecidas. A narrativa do século XX em Portugal assenta em José Saramago, mas e os outros? Preciosidades quase desconhecidas, silenciadas, votadas ao segundo plano da literatura. Fernanda Botelho é um desses casos; os rasgos de polifonia em "A Gata e a Fábula" transformam este livro num dos melhores livros que li nos últimos tempos. E qual é o espaço de Fernanda Botelho na literatura portuguesa? Leiam, por favor. Nem que seja para dizer que não gostam, como fazem com José Saramago; uns gostam outros não, mas todos já leram alguma coisa. Por isso, leiam, por favor.