“Uma família decadente, se afundando em dor e problemas. A casa, o dinheiro, os sentimentos. Tudo vai embora e o que resta para Isac e Ignacio é assistir sem poder intervir no que acontece.”
Quadrinista e ilustrador, Dieferson Trindade é um autor gaúcho de Porto Alegre. Artista independente, já colaborou em algumas poucas antologias nacionais, mas trabalha principalmente sozinho em graphic novels sensíveis, como forma de "exorcizar seus demônios". Em 2019 lançou a HQ Aérea com o roteirista Phelipe Peters, trabalhando quase sempre com financiamento coletivo pelo Catarse.
Os quadrinhos do Dieferson têm um jeito bem peculiar de se apresentarem e com certeza são a própria definição de quadrinho de autor, porque eles tem uma forma um estilo em particular e especial de interagir com o leitor. Assim como em seu quadrinho de estreia, Cornos, este Afronta também casa o cotidiano com maneiras bastante surreais de apresentá-lo. Neste Afronta, Dieferson traz um drama que acontece em boa parte dos lares brasileiros, seja de que classe seja: o do pai ausente. Uma ausência que só se faz presente em estados de consciência alterados, como a bebedeira que provoca a violência doméstica e acaba se tornando uma presença etérea nas mentes e nos corpos de toda uma família abalada. Além disso existe a dependência financeira e cultural que faz com que uma mulher, mãe de família, ache errado se separar do seu marido abusador. Esse é outro sinal da crise de masculinidade que vem acometendo nossos tempos: em que os homens por não cumprirem seu papel "de gênero" de provedores do lar, acabam se entregando aos vícios gerados por sua impotência e acabam descontando suas frustrações na mulher e nos filhos, ao mesmo tempo em que a companheira se vê obrigada a continuar com essa pessoa fraturada, por mais que ele provoque todas as disrupturas naqueles que deveria amar, por uma força sociocultural - e talvez religiosa - que acaba prejudicando inúmeras famílias mundo afora. A Afronta, então, ao meu ver, é construída pela sociedade que obriga a famílias se juntarem e depois as obriga a permanecerem juntas mesmo quando não são mais famílias.
É impressionante como é possível se dizer tanto, em tão poucas páginas. Em "Afronta", Dieferson Trindade retrata uma dura realidade vivida por muitas famílias: o abuso de álcool (ou outras drogas) por parte de algum dos membros (geralmente o pai), e a desestabilização, violência, marcas e traumas que podem decorrer dessa situação. Uma HQ dura, triste, mas que diz muito.