O enredo encena as vidas de um grupo de jovens que luta pelos seus ideais e se debate com as inevitáveis contradições entre os seus impulsos juvenis e as limitações impostas pelo governo de Mussolini. A tomada da conciência de cada um dos protagonistas é, assim, delicada, pura e heróica, como só nessa idade é possível, por vezes com uma carga verdadeiramente trágica, mas nunca deixando de irradiar o esplendor da cidade renascentista onde vivem. O amor, a arte, a amizade, o valor da intervenção, da luta política, a solidariedade são temas que atravessam todo este romance e que, muitas vezes, e sob outras formas, hão-de reaparecer na obra de Abelaira.
Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras de Lisboa. Exerceu os cargos de Director de programas da RTP (1977-78), das revistas Vida Mundial (1974-75) e Seara Nova (1968-69) e foi Presidente da Associação Portuguesa de Escritores (1978-79). A sua obra romanesca é marcada pela influência do noveau roman, através do jogo complexo com o tempo e o espaço, a que se acrescenta uma presença, por vezes irónica, do narrador que faz intervir a dúvida sobre a verosimilhança da enunciação ficcional. Publicou A Cidade das Flores (1959), As Boas Intenções (Prémio Ricardo Malheiros, 1963), Enseada Amena (1966), Bolor (1968), Quatro Paredes Nuas (1972), Sem Tecto Entre Ruínas (Prémio Cidade de Lisboa, 1978), O Bosque Harmonioso (1982), Deste Modo ou Daquele (1990), Outrora Agora (Prémio Eça de Queiroz, Grande Prémio do Romance e Novela da APE, 1997). Foi condecorado pela Presidência da República com a Comenda da Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1997.
Romance publicado em 1959 (o primeiro do autor) situa-se na Itália (Florença) de Mussolini, anos 30. Ao focar-se no regime fascista italiano, o que o autor pretende é denunciar a situação portuguesa e, assim, “sugerir uma certa imagem de Portugal, o Portugal fascista dos anos 50”. Desta forma, colocando a acção noutro país, o autor logra a política de censura salazarista. A narrativa dividida em duas partes, aborda o comportamento dos jovens perante o regime opressor no antes e durante a segunda guerra mundial. É interessante constatar como funcionou muito bem a transposição da situação portuguesa para o meio político, social e cultural italiano. As preocupações, os desejos, os comportamentos retratados evidenciam claramente o que se passava em Portugal. (É estranho que a censura não tivesse percebido, ou foi-lhe útil ser hipócrita como o autor refere no posfácio?).
“É assim, como poderemos viver felizes sob este regime? Ele mata-nos o espírito e até nos faz descrer das nossas próprias qualidades: pois não é certo que somos incapazes dum gesto heróico e de acabar com ele duma vez para sempre? Não. Estamos roídos pelo medo, pela nossa própria cobardia.” (p. 234) Atitudes, como a falta de empenho político, incapacidade de lutar, apatia perante o opressor, medo, ausência de fé, autocomiseração, descrença no futuro, conformismo, estão muito bem explanadas ao longo da narrativa e são representativas de uma juventude italiana, mas sobretudo portuguesa. “ - Não crês no futuro. No fundo conformaste-te com o presente, embora ele te repugne. Desiste. Tornaste-te conformista.” (p. 178)
A Cidade das Flores continua a ser um romance intemporal e actual. De forma sublime e com alguma ironia, o autor descreve situações, constrói diálogos que ora corta ora intercala, que provocam no leitor imensas questões, imensas dúvidas sobre a existência humana, o relacionamento amoroso, a amizade, a (in)justiça, o pensamento crítico, o valor da arte na sociedade, a vida rotineira, a opressão e a guerra.
Recomendo! É importante manter viva a história de um país.
A acção situa-se em Florença, na véspera e durante a fase inicial da 2ª Guerra Mundial. Através de um grupo de personagens que se debate com dilemas éticos e com a necessidade de sobreviver e procurar o amor, Abelaira dirige-se, claramente, aos leitores de finais dos anos 50 que, em Portugal, enfrentavam também um regime repressivo que os obrigava a lidar com impasses, decisões e angústias. A dimensão alegórica é tão evidente que o autor, no posfácio à edição que li (Círculo de Leitores, 1980), se interroga sobre o que terá levado a censura do Estado Novo a permitir a publicação. Há muitas coisas interessantes neste romance. Sempre me interessou deveras a maneira como um autor se apodera de um espaço urbano que conhece mal (como era, assumidamente, o caso com a Florença de Abelaira), investindo os recursos e o poder evocativo que se esperaria da parte de alguém com uma sólida ligação sentimental ao lugar em questão. É também muito conseguido o tom de hiper-lucidez que percorre os diálogos e os encontros, mais ou menos aleatórios, entre as personagens, como se a época e a angústia lhes exacerbasse os sentidos: as menções a objectos ou gestos minúsculos, supérfluos para a narrativa, fornecem um contraponto inesperado à gravidade dos diálogos. Esta oposição entre a gravidade, própria dos tempos funestos de Mussolini, e uma ligeireza que soa a reivindicação, por parte das personagens, do direito a serem jovens e volúveis, é outro dos aspectos notáveis do livro. A maior fraqueza é uma certa fragilidade e inconsequência que decorre da aposta em falar de uma época enquanto retrata outra. A narrativa estende-se, muito conscientemente equidistante entre a parábola e o realismo, sem nunca se soltar nem ganhar a espessura e a exuberância que a teria elevado acima da condição de exercicio - um exercício tranquilo, livre e, a espaços, comovente.
Concluído em 1957 e publicado em 1959, o romance A Cidade das Flores é a primeira obra de Augusto Abelaira. A trama – melhor, as diversas tramas que compõem o discurso romanesco – desenrola-se em Florença, num período em que o regime fascista de Benito Mussolini estava consolidado e a Itália preparava-se para entrar na segunda guerra mundial. As personagens – jovens – pertencem à classe média de Florença e vivem o drama de uma consciência dilacerada perante a situação que o país vive, os seus valores morais e a sua impotência para agir. O autor terá deslocado o espaço romanesco para um lugar fora do território nacional para iludir a censura, naquilo que seria, também, um questionamento da situação portuguesa, do regime autoritário de Oliveira Salazar, e de uma geração de portugueses oposicionistas ao regime, provenientes da classe média, mas com um pathos muito diferente daquele que habita os protagonistas do romance neo-realista em voga desde a década de quarenta.
Li na sinopse que para escapar à censura Salazarista o autor situou a ação em Itália... Não consegui entender como é que esse facto salvou o autor da censura e até mesmo da cadeia. Demasiados cenários políticos, no extremo da intervenção e da luta contra o regime político em vigor, críticas ferocíssimas ao fascismo, descrições pormenorizadas das relações amorosas, sociais e familiares. A certa altura o autor até põe as suas personagens a desvalorizar o casamento como instituição e como o pilar da família e, a promover a mancebia. Não posso garantir, mas não consigo acreditar que este livro tenha passado pelas mãos e, principalmente pelos olhos dos censores do Estado Novo.