Um romance poderoso e emocionante sobre duas mulheres que viveram intensamente a ditadura. Leninha, a mais temida e poderosa figura feminina da polícia política portuguesa: a PIDE; e Laura, uma das vítimas que mais sofreu às mãos da terrível agente. Baseado na vida de uma figura tão terrível como fascinante: a mulher que chegou mais alto na hierarquia da PIDE, ainda hoje uma grande desconhecida para a maioria dos portugueses.
ANA CRISTINA SILVA nasceu em Vila Franca de Xira, a 11 de Novembro de 1964. Professora no ISPA [Instituto Superior de Psicologia Aplicada] desde 1992, concluiu o doutoramento em Psicologia, na Especialidade de Psicologia da Educação pela Universidade do Minho em 2001, desenvolvendo investigação neste domínio. Tem artigos científicos publicados em revistas e obras colectivas portuguesas e estrangeiras. A sua estreia literária ocorreu em 2002 com a publicação do romance Mariana, Todas as Cartas. Em 2012, o seu romance Cartas Vermelhas foi seleccionado para a short list do Prémio Fernando Namora, facto que se repetiu em 2013, com a obra O Rei do Monte Brasil.
Não estava ao seu alcance apagar tudo, não era capaz de se esquecer da tortura a não ser em momentos de alheamento ou de estranha plenitude. Só a justiça poderia, em parte, redimi-la. Também viera derrubar o esquecimento, pressentindo que daí a alguns anos, não muitos, ninguém se preocuparia em saber o que acontecera nos calabouços da PIDE.
Queria ter lido este livro em Abril, por razões óbvias, mas a verdade é que todos os meses são bons para ler e saber mais sobre os horrores da ditadura. Apesar de já conhecer os métodos de tortura aqui mencionados, porque a maldade é, obviamente, universal e não maior ou menor em Portugal, gostei particularmente do confronto entre duas mulheres muito determinadas: Laura, uma jovem estudante universitária que foi presa pela PIDE, e Leninha a agente perfeita para este trabalho sujo, pelo qual seria posteriormente julgada.
“Nunca eliminaria os vestígios das longas noites de Caxias, jamais conseguiria que as recordações da tortura emudecessem completamente; aliás, não pretendia esquecê-las, mas tão-só mantê-las em suspenso.” - porque a memória dos carrascos e vítimas do nosso país não devem nunca ser esquecidas... só assim conseguimos impedir-nos de cometer os mesmos erros no futuro
No rescaldo das eleições para o Parlamento Europeu, percebo com tristeza o peso da abstenção e penso o quanto isto é revelador daquilo em que nos vamos tornando. Independentemente das razões que assistam às pessoas, de esta poder ser uma forma de manifestar desagrado ou desencanto perante a política e os políticos, o que me parece estar cada vez mais em causa é a questão da memória enquanto vinco identitário da nossa história colectiva. Quanto deste alheamento é devido ao facto de termos cada vez mais dificuldade em lembrar o quanto devemos àqueles que deram tudo de si – inclusive a própria vida – para que escolher em liberdade pudesse ser hoje um direito de todos? Em seu nome, em nome da sua memória, votar é, mais do que um direito, um dever de consciência. E aos deveres de consciência não temos como fugir!
É sobretudo por isto que o mais recente romance da escritora Ana Cristina Silva é tão importante, porquanto nos recorda que a História não deve ser negada nem esquecida, avivando uma memória que se vai esboroando, ao mesmo tempo que nos devolve histórias dum período triste, sinistro, que alguns insistem em branquear. Fazendo incidir a sua atenção em “duas mulheres que ficaram na história da PIDE”, como podemos ler na capa do livro, “As Longas Noites de Caxias” é a história de todas as mulheres e de todos os homens que foram humilhados e isolados, sofreram a privação do sono, os espancamentos, a “estátua”, os insultos e as chantagens e que, como consequência imediata da tortura a que foram sujeitos, se viram acometidos de alucinações e delírio, perdas de conhecimento, ansiedade, insónia e tentativa de suicídio. Mas também daquelas figuras sinistras que, pretendendo justificar o injustificável, perseguiram , torturaram e mataram.
Os méritos de “As Longas Noites de Caxias”, porém, não se esgotam neste trazer à superfície os lugares, os nomes e os acontecimentos que marcaram um tempo que importa lembrar. Ana Cristina Silva sabe como tornar a leitura mais apetecível, avançando e recuando no tempo para melhor cruzar os acontecimentos. Ao leitor caberá a tarefa de combinar as pontas deixadas soltas e ir percebendo a dimensão interior destas duas mulheres, por força das circunstâncias em lados opostos da barricada. Apresentando Laura como uma mulher de convicções fortes e que resiste, apesar das humilhações e privações a que é sujeita, é sobretudo na figura da agente Leninha e na sua complexa personalidade que a autora se detém, penetrando na sua intimidade e privacidade, levantando o véu das falsas aparências e revelando o pulsante estigma do mal sempre pronto a manifestar-se.
Debaixo da pele deste livro, perceberá o leitor o dedo apontado àqueles que reabilitaram parcialmente a PIDE, aos tribunais que julgaram com indulgência escandalosa as atrocidades cometidas, àqueles que atribuíram pensões de reforma aos pides e a quem contribuiu, directa ou indirectamente, para que os membros de uma associação criminosa passassem, burocraticamente, à categoria de vulgares servidores do Estado. Ao mesmo tempo, “As Longas Noites de Caxias” não deixa de encerrar um lamento em nome de quem se sente injustiçado, devolvendo a voz àqueles cuja estatura moral e cívica exige que não sejam esquecidos. Numa altura em que vemos ser chumbada pelo executivo camarário a iniciativa do escritor Pedro Vieira, pedindo que o nome de João Arruda, Fernando Gesteiro, Fernando dos Reis e José Barnetto, os quatro jovens mortos pela PIDE no dia 25 de Abril de 1974, fosse dado a uma rua de Lisboa, cingimos ao peito “As Longas Noites de Caxias” e, irmanados no sentido de que a memória nunca se apague, gritamos Liberdade!
Um romance fora do comum mas muito oportuno, este. Em primeiro lugar, por ter um tema ainda muito ausente da literatura portuguesa, o da polícia política e do terror que instilou. E em segundo lugar porque quem protagoniza são duas mulheres, a vítima e o algoz. As personagens são a antítese uma da outra, pólos opostos na dignidade. Ana Cristina Silva preparou muito bem as páginas da tortura física e psicológica, possivelmente com recurso a testemunhos de antigas presas políticas. E essas páginas, mesmo que as mais difíceis de ler pela sua violência, são as mais bem sucedidas do romance. A reflexão de Leninha sobre o dever, sem nunca se aperceber de que era uma máscara para o seu próprio sadismo, responde com desconforto à pergunta do leitor- por quê?
A literatura pode ter várias funções. Há quem a utilize como forma de distracção, para estudar algum assunto, como forma de enriquecimento pessoal ou para fazer pensar. Eu incluo este livro de Ana Cristina Silva nesta última categoria. "As Longas Noites de Caxias" é um livro perturbador e que nos põe a cabeça a funcionar. Esta obra perturba, em primeiro lugar, porque, embora seja uma obra de ficção, se baseia em factos verídicos relativamente recentes. Em segundo, faz-nos pensar que a História se pode repetir, mais cedo ou mais tarde. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte para que não seja possível perseguir alguém porque pensa de maneira diferente.
Neste livro acompanhamos o percurso individual bem como o "encontro" em Caxias de duas figuras antagónicas, uma jovem universitária presa política e uma agente da PIDE. Uma dessas personagem, a agente Leninha, foi inspirada em Madalena Oliveira, a única mulher a atingir o cargo de Chefe de Brigada. Esta mulher era, particularmente, cruel e chegou a ser julgada e condenada por crimes de violência desnecessária em 1977. A história da outra personagem, a estudante universitária Laura, podia ser a história de tantas mulheres corajosas que passaram pela prisão de Caxias e que sofreram as várias sevícias que ali foram praticadas.
A autora articula a trama através de avanços e recuos temporais para percebermos como é que as circunstâncias da vida conduziram aquelas 2 mulheres ao momento em que as suas existências se cruzaram. A descrição das várias noites de tortura sofridas por Laura são tão reais que quase sentimos as dores que ela sentiu. Em relação a Leninha, compreendemos como é que a sua história pessoal contribuíu, em grande medida, para o seu carácter cruel e violento. Todavia, na minha opinião, isso em nada justifica a violência desmedida exercida sobre as presas políticas.
Mas ainda conseguimos encontrar outra personagem central, o medo. O medo está presente em quase todas as páginas de forma extremamente real e assustadora.
Ana Cristina Silva criou, com esta obra, uma oportunidade para que as gerações mais novas vejam o lado mais obscuro da ditadura e que compactuem com quem quer apagar, ou dissimular, a História
Tendo em conta o progressivo aumento da extrema-direita um pouco por toda a Europa, inclusivé em Portugal, temo que estas situações se possam voltar a repetir. Aliás, até nos entram pela casa dentro, através da televisão, histórias de violência extrema e desnecessária exercida por figuras da autoridade.
Esse livro posso dizer tranquilamente que é daqueles livros por vezes incômodos de ler por sabermos que coisas iguais senão piores as que são narradas aconteceram e ainda acontecem na nossa realidade e é exatamente por isso que acredito ser uma leitura essencial, não a melhor da minha vida ou uma obra prima, mas um livro importante. Um livro para nunca deixarmos as memórias desses horrores morrerem, é uma lembrança de que precisamos lutar para que essas histórias não se repitam. E embora seja uma história bem pesada achei a forma da escrita bem corrida/leve, tem detalhes o suficiente para passar de forma clara a mensagem porém não muitos ao ponto de tornar massivo, me pareceu uma boa forma de trazer um equilíbrio para o ritmo da leitura. É realmente uma pena que a editora tenha parado de produzir e que não tenha o formato e-book à venda. Também achei um tanto interessante os paralelos feitos entre as narrativas de vida tanto da torturada como da torturadora e a mistura do passado com o presente.
Livro curto, podia ter sido muito mais elaborado, a sensação que tive foi que ler a reportagem sobre a Leninha ou este livro era quase a mesma coisa. Há relatos online bem mais chocantes que este livro, mas se calhar o mal é meu, provavelmente se eu tivesse um profundo desconhecimento sobre estes acontecimentos tinha sido diferente. Seja como for, está um livro bem escrito e que tenta dar o ponto de vista da torturadora, mas o narrador na terceira pessoa pareceu um pouco impessoal.
Knjiga prati dvije osobe, agenticu zloglasnog PIDEa i Lauru Branco - zrtvu zloglasne agentice. Knjigu sam posudio iz razloga da se malo bolje upoznam sa Salazarom i njegovim sistemom, ali zapravo nista novo nisam naucio.. mislio sam da ce autorica ici malo dublje u to kako su se ti agenti odnosili prema "anarhistima"; kako tece samo hapsenje i ispitivanje; grozne posljedice nemilosrdnog mucenja; itd.. ali nista od toga. Malo sam razocaran moram priznati..
Esta obra é um relato vívido e vivido, na época em que Salazar subjugava as pessoas em Portugal. Focado para as lutas estudantis testemunha a marca indelével que deixaram em algumas vidas, as mortes, as detenções e as torturas a que eram sujeitos os que arriscavam. Vivemos tempos em a qualidade da democracia é posta em causa em todo o mundo. Numa época em que os extremos estão a ganhar mais terreno junto dos jovens. Num tempo em que se simulam atentados para chamar a atenção. Não deixemos de conhecer um passado histórico recente, para não cairmos no engodo das palavras e construirmos um futuro melhor.
Existe um silêncio que se cala vergado à miséria e ao trabalho à jorna, que se submete, calando-se perante as injustiças, um silêncio que suprime as palavras que denunciam os camaradas. Em todos eles existe uma dor cuja memória é agora resgatada.