Apesar da imagem típica do Che Guevara como uma figura somente guerrilheira e de ação, ele fez várias intervenções teóricas no movimento revolucionário. Algumas observações sobre o livro que tive:
- Apesar do Che ter escrito pouco, eu acho que as experiências práticas dele e da revolução cubana abriram um novo campo teórico, especialmente na América Latina. Como diz o Michael Lowy, a revolução cubana foi "a primeira vez, desde muito tempo, em que um líder comunista de elevada importância tentou delinear uma estratégia mundial revolucionária que não era dependente dos interesses de um estado". O marxismo na América Latina estava preso na estrada sem saída do frentismo popular com a "burguesia nacional" que regularmente massacrava os movimentos, devido a uma análise estagista da história imposta pela Comintern (o partido afiliado á Comintern em Cuba, o PSP, ativamente apoiava o Batista pela sua natureza "burguesa nacional", e colaboraram no massacre dos trabalhadores), e foi a Revolução Cubana a quebrar isso. Começou como uma revolução com intenções de simplesmente derrubar o Batista, uma revolução burguesa, mas a vitória só aconteceu devido á mobilização operária nas cidades, e quando fez as tarefas anti-imperialistas da revolução burguesa e foi atacada pelos EUA, foi o proletariado que os puxou para uma revolução socialista e defendeu Cuba do imperialismo. Por isso, de uma certa maneira a rev. Cubana demonstrou que a teoria Trotskyista da Rev. Permanente estava correta, de que para ser anti-imperialista precisava de também ser proletária.
- A táctica focoísta é das coisas mais controversas do Che, e tem várias falhas. Dentro destas, é demasiado fetishista do espontaneísmo, e também esqueceu a mobilização nas cidades. Esta aconteceu e foi uma das causas da vitória da revolução, mas nunca foi diretamente coordenada em conjunto com as guerrilhas (algo que aconteceu na luta do MPLA também, e porque as cidades em Angola são centros de extração de matéria-prima também, ao contrário de cuba onde a extração é no campo, a falta de luta organizada nas cidades contra a burguesia deixou-a tornar-se mais forte e destruiu a revolução). A táctica focoísta nunca foi repetida com sucesso, e isso também é importante reconhecer. No entanto, há um aspeto da táctica focoísta que tem muita aplicabilidade hoje e que não vejo muita gente a discutir: em Cuba, o exército era extremamente profissionalizado, sem conscrição, e o soldado era muitas vezes pequeno-burguês e interessado no imperialsmo. Por isto, o focoísmo não se foca (pun intended) em fazer agitação no exército pela deserção, e tentar recrutá-los. Hoje em dia, a maior parte dos regimes alinhados com o imperialismo americano, como as Filipinas, por exemplo, não tem conscrição, e o exército dos EUA em si, apesar de ter uma camada de soldados desesperados economicamente, tem uma muito maior de pequenos burgueses e aristocracia laboral, em parte porque aprenderam das falhas da conscrição no Vietname. Hoje em dia, as Filipinas ou Israel, por exemplo, têm um exército mais parecido com o cubano dos anos 50 do que com o do Kuomintang ou Japão contra o qual o Mao lutou, e por isso a estratégia de desmoralizar os soldados faz mais sentido do que a estratégia da PPW Maoísta de recrutar de entre eles.
- O debate económico é honestamente bastante interessante, e acho que o modelo que o Che e o Ernest Mandel propunham era muito superior ao soviético. Era muito dependente de cálculo económico, de incentivar cada trabalhador a fazer contabilidade dos inputs da economia, e de ao mesmo tempo ser mais centralizado e mais democrático. Acho que, por isso, o Che estaria bastante interessado pelo campo da Cibernética, especialmente de gente como o Stafford Beer, se vivesse durante mais tempo (já era inspirado pelo Wiener). Hoje, devido á computação, a imagem do Che da economia planeada funcionar como "uma só fábrica" é muito mais possível. Honestamente, a parte mais importante desta questão é que, numa economia planeada de qualquer tipo, os fundos para desenvolvimento industrial e para os salários de trabalhadores vêm do mesmo sítio, e muitas vezes o desenvolvimento industrial pode ser melhor para a maioria dos trabalhadores a longo prazo do que o aumento salarial (numa economia planeada). O Che resolve isto com a ideia dos "incentivos morais", e nisso é bastante voluntarista. Eu entendo, mas acho que a solução para evitar prender a luta do proletariado á luta económica é a luta política, porque nela a minoria pode se tornar maioria e vice-versa, e as suas reindivicações são muito menos fechadas que as económicas. Acho que muito do proletariado preferia ter controlo sobre a indústria, voz no partido, a criação de comités em diversas partes da sua vida, feedback para melhorar a produção (que melhora o planeamento com nova informação, era o que fazia-se no projeto cybersyn). Para além disso, acho que outra medida necessária é diminuir a importância do salário na vida das pessoas ao socializar a reprodução da vida em geral (por exemplo, com lavandarias e cozinhas coletivas, habitação coletiva, jardins comunitários). Isto ajuda em duas coisas, em evitar que a luta económica seja primária, e também em diminuir a importância da lei do valor e do trabalho assalariado na economia. O Che é muito focado em usar o mínimo possível da lei de valor e da mercadoria na economia socialista, dando enfâse ás relações de produção contra o produtivismo soviético que já vinha de Estaline.
- Em muitas coisas, acho que o Che era inspirado pelo maoísmo (parece inspirado na linha de massas de algumas maneiras, e também na ideia de que a superestrutura pode afetar a base e nem sempre é ao contrário, focando-se no facto de que o capitalismo reproduz-se nas mentes das pessoas como sistema de dominação impessoal, e na necessidade de luta ideológica e cultural). Acho que de muitas maneiras a Rev. Cubana e a Chinesa ambas foram críticas imanentes ao estalinismo, que quebraram em fatores principais deste e recuperaram o movimento revolucionário mundial da sua ossificação, mas ao mesmo tempo não quebraram o suficiente com muitos dos erros teóricos e práticos do Estaline. Acho que nisso o Che não caíu tanto em erros estagistas (apesar de ter caído em erros moralistas e voluntaristas) em parte por ser mais aberto ao Trotskyismo (o seu conselheiro foi Ernest Mandel, recusou-se a atacar os trotskyistas que apoiaram a revolução, não tinha o mesmo "medo" de ler trotsky que muitos na URSS tinham, apesar das suas críticas, e era influenciado pelo Mariatégui que para mim era quase um trotskyista por negar-se em apoiar a burguesia nacional e apoiar a Oposição de Esquerda na URSS).
Em conclusão, acho que o Che Guevara, apesar das suas falhas, renovou muito o movimento revolucionário mundial, e era um teorista muito original que deve ser lido e não só admirado como um ídolo.