Depois de Teste de resistores, Marília Garcia dá continuidade à sua pesquisa sobre o processo poético. Na última parte de Câmera lenta, ela se dedica a uma profunda análise sobre as hélices do avião e sobre a vontade de decifração. O poema, aqui, é o lugar para experimentar, exercitar o pensamento “ao vivo” e testar procedimentos novos, sempre em aberto. Para Italo Moriconi, que assina a orelha, trata-se de uma “poética desbravadora, sofisticada, antenada”.
Marília Garcia nasceu no Rio de Janeiro, em 1979. Graduou-se em letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde defendeu a dissertação Velocidades e vozes sobre o livro Galáxias, de Haroldo de Campos. Tradutora, também integra o conselho da revista de poesia Inimigo Rumor, da editora 7Letras. Seu primeiro livro foi Encontro às cegas (Moby Dick, 2001). Lançou, em 2007, 20 poemas para o seu walkman, uma coedição Cosac Naify e 7Letras. O livro integra a coleção Ás de Colete e concorreu ao Prêmio Portugal Telecom de 2008.
Marília Garcia a mais diretora fotógrafa foquista cenógrafa figurinista produtora cineasta das nossas poetas fazendo aqui seu roteiro sobre manipular o tempo, o corte, rebobinar a imagem, voltar e avançar. Impecável.
ai eu gostei tanto... diferente de muita coisa de poesia que eu já tinha lido e, como acontece sempre nesses casos, um dedo forçando meu olho a abrir pra outras coisas que eu nem imaginava que podiam ser feitas, e expandindo uma liberdade que eu achei que eu já tinha dominado para outra ligeiramente maior.
gosto como os poemas se repetem, retornam, interferem uns aos outros
das leituras da marilia talvez tenha sido o que menos me pegou, ainda sim alguns poemas lidos aqui figuram na minha lista de favoritos o último das hélices, o acidente da mãe e o fascínio do duchamp que decreta o fim dos quadros
o mais bonito pra mim é o sussurrar de darwin pros seus tomates
É preciso ler esse livro até o fim; o epílogo é uma espécie de manual de instruções do que foi lido até então. É uma coleção de fragmentos interligados e muitas vezes repetidos sobre o deslocamento; simultaneamente, é um texto que desloca a própria poesia do lugar tradicional.
Quando a Mayara Blasi me falou da Marília Garcia, eu pensei que eu seria arrebatada por ela. Lembrei que já tinha um livro dela na estante, mas não peguei na hora, adiando o encontro. Ontem, acabei cedendo.
Eu queria ser atravessada - e me frustrei um pouco. Talvez exatamente por ser essa a principal característica deste livro: ele confronta suas expectativas do que é um poema, do que é um livro de poemas. Ele te frustra.
Ele joga.
Bagunça um pouco as certezas porque você percebe que os poemas deste livro estão muito próximos assim da crônica, muito próximos assim do ensaio. Muito longe do que a gente imagina que seja um poema e de como a gente
espera
que soe um poema.
Ele não quer te arrebatar ou atravessar.
(Assim, ele me venceu)
Ele também é muito oral, e remete sempre a um tempo fluido e amplificado, quando ela diz, por exemplo, "apresentei este texto pela primeira vez/em 2014" no começo de um poema, e o "este texto" é o próprio poema. De repente, você se depara com uma escandalosa verdade: o poema tem um antes. Ele existe num antes fora do texto e fora
da nossa leitura
e isso é ridiculamente óbvio mas pra sempre impensável.
(ouroboros: a serpente morde a própria causa, o texto é metatexto, a mão desenha uma mão que desenha a mão primeira. É tudo cíclico e autorreferente)
ouvi marília garcia lendo "hola, spleen" no youtube e fiquei fascinada, é um poema que volta e meia acho que dialoga com outras coisas que vejo/leio. e então fui ler câmera lenta e talvez dizer que se trata de uma leitura não seja suficiente: eu experimentei esse livro. se você pegar ele nas mãos, numa livraria, e folhear rapidamente, já vai ver que a experiência com a página vai se alargando: de poemas mais concisos, com versos menores, ele vai se expandindo pela página, criando outros ritmos, outras leituras. essa expansão se dá também no campo da poesia, que se expande para o cinema, o ensaio, as narrativas. há, então, vários deslocamentos.
no pensamento italiano (que é o que eu tenho estudado nos últimos tempos), tem sempre uma volta à origem (ou a uma origem), e eu não pude não encontrar isso aqui também: qual é a origem de um poema? de onde ele sai? e ainda, para onde ele vai? nos poemas da marília, as possibilidades são muitas. vemos as mesmas palavras, as mesmas construções, se repetindo, mas adquirindo sempre novos caminhos: a gente volta, mas nunca para o mesmo lugar.
Esse livro de poesias marcou um término muito doloroso meu. Acho que isso temperou mais a angustia da incompreensibilidade da poesia. Não sei se especificamente a da Marilia, ou se num geral poesia tem um que de difícil apreensão. Não se lê como literatura. Acho que ngm aprende a ler poesia sem antes sentir alguma coisa que não consegue descrever. Daí parece que aprende a sustentar o que se frustra de diálogo entre o poema e leitor. Uma incomunicabilidade, que a gente entende por sermos duas pessoas (o poeta e o leitor) compartilhando dele.