A presente edição agrupa num único tomo a obra poética da autora, seguindo e atualizando os critérios de fixação de texto adotados nas edições anteriores, graças ao notável trabalho de Maria Andresen Sousa Tavares e Carlos Mendes de Sousa, que assinam, respetivamente, o prefácio a esta edição, e a Nota de Edição. São aqui incluídos, pela primeira vez, alguns poemas inéditos que integram o espólio da autora, em depósito na Biblioteca Nacional.
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDERSEN nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919. Entre 1936 e 1939 frequentou o curso de Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que não concluiu. Foi Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Escritores e Deputada à Assembleia Constituinte, pelo Partido Socialista (1975). A sua obra reparte-se pela ficção e pela poesia, embora seja nesta última que a sua inspiração clássica dá ao seu verso uma dimensão solar e luminosa, que permite ouvir nitidamente a palavra com todo o peso da sua musicalidade limpa, ao encontro do modelo clássico. Entre as suas obras poéticas contam-se Coral (1950), Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962), Geografia (1967), Navegações (1983), Ilhas (1989), Musa (1994) e O Búzio de Cós e Outros Poemas (1997). Em ficção publicou Contos Exemplares (1962) e Histórias da Terra e do Mar (1983). Da sua literatura infantil destacam-se O Rapaz de Bronze (1956), A Menina do Mar (1958), A Fada Oriana (1958), O Cavaleiro da Dinamarca (1964) e A Floresta (1968). Em 1999 é-lhe atribuído o Prémio Camões, pelo conjunto da sua obra, e em 2001 ganha o Prémio Max Jacob de Poesia. Foi condecorada pela Presidência da República com a Grã-Cruz da Ordem de Sant’Iago da Espada, em 1998. Faleceu em Lisboa, a 2 de Julho de 2004.
Toda a poesia de Sophia reunida num volume épico... foi uma verdadeira maratona literária! Eu andava a treinar, a reunir fôlego e coragem (porque tenho dicionários com menos páginas que isto) mas a verdade é que não custou absolutamente nada. É certo que não é um livro muito portátil, requer algum cuidado no manuseamento, indicado para ler em casa ao serão e ir consultando de vez em quando. Em vez de ler dez pequenos volumes, resolvi-me por um só. O olhar desliza pelos versos, a descobrir o poema - verdade seja dita - alguns já conhecia de cor, de coração mesmo, e têm-me acompanhado ao longo da vida e servido em diversas ocasiões. Gostei bastante das "Artes Poéticas", em que a autora explica a sua relação com a poesia e a aparição dos poemas. Como não ser como fazer para rimar quando quero, acho a rima um acontecimento extraordinário, por isso admiro bastante os poetas. Claro que a poesia não é só rima, mas é muito som, ritmo, tem qualquer coisa visual, de geometria que me fascina. E tem cheiros, e texturas, e sabores. É coisa para ser lida com todos os sentidos, pois claro.
Foi quase um ano para ler toda a obra de Sophia mas não podia estar mais satisfeito com o que encontrei.
Esta Obra Poética reune todos os seus poemas publicados em livros, mas também em revistas, jornais e tanto mais. Chego a não ter palavras para descrever tudo o que li. Só recomendo a leitura a todos os amantes de literatura.
Que se passe a cobrar bilhete a partir deste momento Que seja inaugurado em Lisboa pela Madonna e o Marcelo E talvez então se comece a visitar mais este monumento Que nem assim perderia o seu valor, permanecendo belo
"25 DE ABRIL Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noite e do silêncio E livres habitamos a substância do tempo"
"Porque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão. Porque os outros têm medo mas tu não[...] Porque os outros se calam mas tu não. Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não. Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos[...]"
"Mar, Metade da minha alma é feita de maresia."
"SALGUEIRO MAIA Aquele que na hora da vitória Respeitou o vencido Aquele que deu tudo e não pediu a paga Aquele que na hora da ganância Perdeu o apetite [...] Aquele que foi «Fiel à palavra dada à ideia tida»[...]"
"TEJO Aqui e além em Lisboa — quando vamos Com pressa ou distraídos pelas ruas Ao virar da esquina de súbito avistamos Irisado o Tejo: Então se tornam Leve o nosso corpo e a alma alada"
"Voltar ali onde A verde rebentação da vaga A espuma o nevoeiro o horizonte a praia Guardam intacta a impetuosa Juventude antiga — Mas como sem os amigos Sem a partilha o abraço a comunhão Respirar o cheiro a alga da maresia E colher a estrela do mar em minha mão"
"Com fúria e raiva acuso o demagogo E o seu capitalismo das palavras[...] Com fúria e raiva acuso o demagogo Que se promove à sombra da palavra E da palavra faz poder e jogo[...]"
"Há muito que deixei aquela praia De grandes areais e grandes vagas Mas sou eu ainda quem na brisa respira E é por mim que espera cintilando a maré vaza"
"Num deserto sem água Numa noite sem lua Num país sem nome Ou numa terra nua Por maior que seja o desespero Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."
"No poema ficou o fogo mais secreto O intenso fogo devorador das coisas Que esteve sempre muito longe e muito perto"
"Era preciso agradecer às flores Terem guardado em si, Límpida e pura, Aquela promessa antiga De uma manhã futura."
"LIBERDADE Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade."
Fechar essa obra poética é ter a certeza de reler sempre. Sophia possui uma consistência poética absurda, ela já inicia com poemas ótimos. E essa qualidade se mantém ao longo das obras. Para preservar uma noção de cada obra em sua especificidade, fui lendo aos poucos, relendo poemas marcantes, colocando post its nos poemas que me interessavam para trabalhar no futuro e tendo em mente a ideia geral do livro o tanto quanto possível. É fundamental, inspirador, profundo.
Deixemos à porta o ruído, a mágoa, a raiva e a desesperança. É tempo de entrar num mundo apolíneo e justo, onde é a claridade que nos recebe, em silêncio. Este é o melhor refúgio que posso encontrar.
A poesia de Sophia é muito visual, algo melancólica, com uma «pesada consciência da morte» e inúmeras dicotomias. Com o mar sempre presente, deambula pelo desejo de partir, pelo assombro, pelo pânico, pelo deslumbramento. Há, inclusive, uma polaridade entre o lado sombrio e a luminosidade das coisas. E é percetível a importância das casas na sua vida. Nestes poemas, parece condensar o mundo, por isso, temos temas tão diversos como a noite, o jardim, a natureza, os deuses, o amor, a alegria, o luto, o êxtase e a influência de outros artistas.
Além disso, reforçou um pensamento que já partilhei entre amigos: a capacidade de escrever sobre trivialidades, transcendendo-as: a observação aparenta ser simples, mas ficamos a pensar naqueles versos e compreendemos que são feitos de camadas infinitas - talvez pela cadência, talvez pela inquietação da poetisa. Isso é um dom que me inspira.
Sophia de Mello Breyner Andresen traz sempre uma sensibilidade diferente para as suas poesias. Existem poemas que nos fazem fechar o livro e refletir sobre o que foi lido. Muitos deles merecem uma reflexão posterior. Admito que os meus poemas favoritos foram aqueles que abordavam a natureza, seja como tema central, metáfora ou personificação. Como escritora, esta obra inspirou-me bastante a escrever.