Primoroso na elaboração estilística, magistral na composição dos tipos sociais, sólido na arquitetura do enredo, Casa de Pensão descortina um cenário urbano, o da corte carioca, afinando com argúcia o olhar que capta um espaço miúdo e entulhado de conflitos humanos, a degradante habitação coletiva, em que se apresentam os mais diversos - e inesquecíveis - personagens, tomados quase todos pela mediocridade e mesquinharia. Casa de Pensão se firma como notável realização literária. E, como tal, é obra para todos os tempos.
Era filho do português David Gonçalves de Azevedo e de Emília Amália Pinto de Magalhães. Seu pai era viúvo e a mãe era separada do marido, algo que configurava grande escândalo na sociedade da época. Foi irmão do dramaturgo e jornalista Artur Azevedo.
Desde cedo dedicou-se ao desenho através de caricaturas e à pintura. Em 1876 viaja ao Rio de Janeiro, a fim de estudar Belas Artes, obtendo desde então sustento com seus desenhos para jornais.
Com o falecimento do pai em 1879, volta para o Maranhão, onde começa finalmente a escrever. E em 1881, publica O Mulato, obra que choca a sociedade pela sua forma crua ao desnudar a questão racial. O autor já era abolicionista convicto.
O sucesso desta habilita-o a voltar para a Capital do Império, onde escreve incessantemente novos romances, contos, crônicas e até peças teatrais.
Sua obra é vista como irregular por diversos críticos, uma vez que oscilava entre o Romantismo açucarado, com cunho comercial e direcionado ao grande público, e outras mais elaboradas, pois deixava a sua marca de grande escritor naturalista.
Feito diplomata, em 1895, serve em diversos países, inclusive o Japão. Chega finalmente, em 1910, a Buenos Aires, cidade onde veio a falecer menos de três anos depois.
Amâncio deixa o aliviado pai e a chorosa mãe no Maranhão e parte para o Rio de Janeiro para estudar medicina.No começo ,ainda tímido, se instala na casa de Campos , amigo de seu pai.
Com o passar do tempo o jovem Amâncio demonstra ser um jovem preguiçoso, mulherengo, festeiro, e para ter um pouco mais de privacidade deixa a casa de Campos e se muda para a casa de pensão de Madame Brizard e seu marido João Coqueiro. Nessa casa de pensão é vagarosamente manipulado em um plano de Madame Brizard para fazê -lo se casar com Amélia, irmã de João Coqueiro , por interesses financeiros , pois se acreditava que Amâncio era herdeiro de grande fortuna. Amâncio contudo, mesmo sendo conquistado por Amélia, continua com sua vida de mulherengo dando em cima de Hortênsia, mulher de Campos,de Lúcia, uma hóspede da casa de pensão, e etc. Só que um dia Amélia intercepta uma carta de Amâncio e a coisa se torna perigosa…
A obra de Aluísio é naturalista e apresenta os defeitos de uma sociedade egoísta,onde cada um é movido por seus próprios interesses , onde chega se ao absurdo de um irmão negociar a irmã, por interesses financeiros . Mas não sei podemos culpá-los , já que os personagens são os que são , por causa do meio onde vivem!
Terceiro livro que leio do mestre Aluísio Azevedo e terceiro que desfruto enormemente. Não o colocaria no nível de O Mulato e O Cortiço, contudo, mas sim meio degrau abaixo. A estória que se nos conta é bem dinâmica, divertida e com uma destreza narrativa que, na minha curta experiência como leitor da produção brasileira, poucas vezes tenho visto na literatura pré-modernista. Além disso, a crítica à sociedade burguesa da época é tão nítida e detalhada de maneira tão sumamente elegante, que ao leitor só lhe resta se render diante da pluma virtuosíssima do nordestino. Recomendado não, recomendadíssimO!
I have read it by curiosity and later when it was demanded, in a class called Journalistic Narratives during my graduation. Through a journalistic perspective it may be cool, but it is not really entertaining.
"(...) desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade."
Amâncio de Vasconcelos, maranhense de nascimento e herdeiro de grande fortuna, deixa a terra natal aos seus 20 anos para vir à Corte (Rio de Janeiro) estudar Medicina. Preguiçoso e mulherengo, porém extremamente ingênuo e impressionável, deixa-se enganar por tudo e todos e acaba caindo nas garras de João Coqueiro, dono da pensão onde se hospeda por influência deste.
"Casa de Pensão" é uma espécie de narrativa intermediária entre o romance de personagem ("O Mulato") e o romance de espaço ("O Cortiço"). Como em "O Mulato", todas as ações ainda estão vinculadas à trajetória do herói, nesse caso, Amâncio de Vasconcelos. Mas, como em "O Cortiço", a conquista, ordenação e manutenção de um espaço é que impulsiona, motiva e ordena a ação. Espaço e personagem lutam, lado a lado, para evitar a degradação. As teses naturalistas, especialmente o determinismo, alicerçam a construção das personagens e das tramas.
Paralelos com a formação do povo brasileiro e com a situação de impunidade atual em nosso país é facilmente visível no decorrer da narrativa. Recomendo a todos que se interessem por um romance bem escrito e cheio de ironias.
Neste livro o gênio Aluísio de Azevedo constrói o "avesso" de "O Cortiço". Ao invés de falar da vida nos cortiços do Rio de Janeiro, do pragmatismo de seus moradores, da pobreza que oprime, fala da vida da pequena burguesia descompromissada da cidade, dos universitários fanfarrões, do romantismo que anuvia suas mentes e dos ambientes luxuosos. É um livro muito bom para quem pretende entender um pouco mais sobre a brasilidade.
2.5- A história do livro é interessante mas achei extremamente extenso sem nenhum motivo, há páginas e mais páginas de conversa furada que acabam não tendo nenhuma importância para o desfecho final, apesar de saber que a obra é naturalista e a deterioração do meio reflete a deterioração dos personagens houve coisas que eu sinceramente não me importava.
honestly, my rating speaks less to the actual quality of the book - which is really good, well written and paced for the majority of it (althought the ending felt a bit rushed compared to the rest) - and more to my personal dislike of naturalism as a school of literature. despite its "lessons", the criticism made in the book remains relevant nowadays, which is always interesting for books written in the old days.
the fact that this book was inspired by a real case (the questão capistrano) has the potential to make it more fun to read or more boring, but neverthless is always interesting.
Torneando ainda mais a característica literária de Aluísio de Azevedo, não vejo necessidade de cerimônias ao apresentar Casa de Pensão (1884) como, até então, uma das melhores obras que já me chegou em mãos.
Apesar de algumas excentricidades, que posso chamar até de antropofágicas, dada sua semelhança, a obra revela uma quebra de expectativas que acaba por endossar a linearidade dos eventos, na medida em que eles se intensificam.
Todavia, algo que costuma confundir, assim como em O Mulato (1881), é a introdução, com suas menções aos personagens e diálogos. Afinal, começamos com Campos e achamos que ele é o protagonista. Já projetamos uma ideia e iniciamos o processo de familiarização e empatia, e então a perspectiva muda e agora é sobre o Amâncio.
Sendo ou não uma característica do autor, ou até mesmo de nossa literatura, não posso deixar de dizer que essas introduções, utilizadas como viés para apresentar o real protagonista, acabam na agradando tanto quanto poderia.
“Sua pequena testa, curta e sem espinhas, margeada de cabelos crespos, não denunciava o que naquela cabeça havia de voluptuoso e ruim. Seu todo acanhado, fraco e modesto não deixava transparecer a brutalidade daquele temperamento cálido e desensofrido.“
Um de meus prazeres encontra-se facilmente no teor da escrita de Aluísio de Azevedo, e talvez até mais que o próprio enredo, algumas de suas descrições fazem valer a obra valer a pena.
Essa descrição citada, por exemplo, é interessante por revelar o que nossa realmente somos. Sempre teremos algo a oferecer, seja pouco ou muito, e por vezes isso não fica expresso em nossa aparência, que esconde o que há de intrínseco em nossas mentes.
“Os pais ignorantes, viciados pelos costumes bárbaros do Brasil, atrofiados pelo hábito de lidar com escravos, entendiam que aquele animal era o único professor capaz de “endireitar os filhos”.“
Não entrando no teor do período escravocrata do Brasil, essa frase revela-nos como nossos tutores possuem papel fundamental na formação de nosso caráter. Por meio da ignorância, ou da sensatez, toda criança será modelada, e o mesmo ocorreu com Amâncio, cuja infância prendeu minha atenção.
Como pode haver tanta suberversão de valores, a ponto de acharem que o tipo de "corretivo" aplicado pelo professor é adequado para uma criança? Soa ainda mais interessante saber que toda essa repressão a Amâncio, acompanhada de punições, gerou um homem com instintos refreados, domesticado para agir de acordo com o que a sociedade queria que ele fosse, como se fosse um bicho.
Alguns momentos especiais, todavia, são cruciais para a formação do caráter de um homem. Foi o que ocorreu com Amâncio. Pelo rigor, falta de liberdade e pela primeira sensação única em uma festa, onde seus sentidos afloraram, formou-se um espírito sedento que marcaria todas as consequências de sua trajetória.
Em determinado momento, a narrativa ganha uma estrutura mais adequada com sua introdução mais aprofundada. Começou a me despertar, e desde então me perguntei o que estaria reservado a Amâncio, que viveria sua centelha de liberdade em outro Estado, na até então suposta casa de Campos. O que se instaurou na mente daquele rapaz, até então oprimido?
“As criadas da casa ou as mulatinhas da vizinhança já o enfaravam: era preciso descobrir amores mais finos, mais dignos, que, nem só lhe contentassem a carne, como igualmente lhe socorressem as ânsias da imaginação.“
Postulando a trama e seu objetivo central, com essa frase fica evidente que Casa de Pensão (1884) girará em torno dessa busca. Um ópio se carne e a busca pela realização do imaginário, onde Amâncio torna-se o herói de sua nova odisseia.
A princípio, o personagem está com uma base boa o suficiente para me interessar, e seus desejos de mocidade são um elo entre o leitor e a obra, que ajuda-nos a despertar os sentidos, o desejo, e a procura pela realização.
Esta busca de Amâncio por uma aventura, com sua primeira viagem, junto à descrição do sentimento expressado por Aluísio, remete-me às fases já ocorridas em minha vida. Vendo isso no protagonista, acaba por prosperar em mim um desejo maior de reviver e ganhar novas linhas em minha história, e essa familiarização que a obra propõe ao leitor é de um caráter mágico indescritível.
Apesar de ser comum relatarmos a situação de nossas vidas para os outros, sinto que o autor foi meio enfático no momento da carta do Amâncio para sua mãe, Ângela. É como se ele estivesse apegado à memória do passado, relutando superficialmente contra o amadurecimento no âmbito de suas responsabilidades. Tornar ao passado é uma forma de fuga da realidade.
“Tu não precisas de meios de vida, precisas é de uma posição na sociedade.“
Sendo até então da província, agora na capital, Amâncio vê-se induzido a formalidades para ter aceitação em meio à sociedade (particularmente, a de Paiva e seus amigos). A pergunta que fica, é: qual mudança se operará nele? Pois o subentendido é que há pessoas muito mais inescrupulosas que Amâncio, provando que, talvez, ele tenha uma trajetória muito mais intensa pela frente, apesar de sua "impetuosidsde".
Uma situação até que contraditória foi a contrariedade de Amâncio ao acordar em uma República, após sua embriaguez. Como essa experiência causou desconforto a ele? Creio que essa repulsa, na verdade, foi um ímpeto de covardia ante novas vivências que assustaram-lhe a o espírito.
É curioso entender os pormenores sobre o comportamento de Amâncio. Desde a sua inclinação duvidosa entre ficar na casa de Campos, ou ir à casa de João Coqueiro, pensando no maior interesse que lhe propusesse liberdade: a de cativar a esposa de Campos, Hortência, ou a de encontrar sua vida boêmia no Rio de Janeiro, sob o mesmo teto que Amélia.
Sua raiva com os eventos que lhe chegam, para se tomar uma decisão forçada, demonstra sua insatisfação por ainda não deter pleno domínio sobre os eventos a ele direcionados, idealizados outrora.
Ler essa obra é ter os sentidos mexidos. Percebo que a formação de um caráter pode afetar os eventos mínimos de uma história. Nesse caso, a deturpação de Amâncio fez ele olhar Amélia com malícia, e não compostura. Até tentou-se a mudar parte de sua trajetória para ter em mãos o prazer.
“Ah! se aos vinte já se conhecesse a mulher... se então já se soubesse quais são os seus gostos e suas preferências...se tal acontecesse, nem uma só se conservaria virtuosa!“
Parte da obra resvala a soberania que uma sutileza pode trazer sob outrem. Com um dom, um dote natural, pode-se alcançar a mente de outro até que este sinta-se tão inclinado a sucumbir ante o desejo, a ponto de abandonar sua moral. Essa característica impregnada na obra torna-a muito sensual, e a Valsa dançada por Amâncio e Hortência é uma confirmação dessa essência.
A obra tem um poder sobre aquele que lê. Por meio da vivência de Amâncio, em sua mocidade, acaba por suscitar em nós um denso desejo de, assim como ele, ir a outros patamares para desfrutar do ópio da carne, em uma dança que mexe com os sentidos, no mais denso mistério a ser desvendado. Essa inclinação passa a surgir em mim, como um fogo interior, e curiosamente, passa a ser um ideal almejado.
As ideias sobre o funcionamento das relações entre homens e mulheres, e também sobre o agrado a mulher, de acordo com Freitas, tem seu sentido. Existe uma subversão, onde a bondade, a honestidade e a retidão não suscita-lhes muito mais que uma brisa. Vale a pena aprofundar-se nessa ideologia para aqueles que buscam romper a barreira da moral.
“E, Amâncio, inflamado pelos princípios morais que ele só cultivava teoricamente, parecia mais que ninguém preocupado com a pureza dos costumes.“
Quase como que sendo uma deturpação completa da Moral, Amâncio inspira lascívia e não vive para outras coisas, se não isso. A forma aprofundada como Aluísio está retratando os desejos do jovem é verdadeiramente surpreendente.
Parte do caráter da obra é mostrar como estamos cercados de complicações, seja pelo desejo insaciado, a artimanha para se cativar alguém, as idealizações, a sobrevivência, ganância, ou outras coisas presentes na índole humana.
Soa até engraçado, pois Amâncio é aquele que busca deliberações, mas é afetado pela artimanha alheia. Um provinciano sendo ingênuo na capital; o preço que ele paga para ser aceito, para ganhar sua posição na sociedade.
Este é o mundo de oportunismo que nunca mudou, e jamais mudará. Tudo envolve uma atitude questionável, que no fim, visa obter o benefício próprio às custas do outro. Um egoísmo doentio! Com isso, a família de Coqueiro demonstra uma prova contínua de sua intenção, onde cada vez mais aproximam Amâncio, metodicamente, para sugar-lhe os bens.
Por sua natureza impulsiva, colérica e lasciva, o protagonista demonstra ser um jovem viril, porém imaturo, pela forma como administra suas finanças, e também por permitir que seus caprichos ganhem vazão às custas do dinheiro que lhe dispõem. No fim, tudo é uma compra; uma comercialização. Valores agregados pelo que se tem a oferecer, e escrúpulos permitidos pelas vantagens do que o outro oferece.
É maravilhoso como a vontade de desfrutar a vida levou Amâncio a uma reviravolta das grandes. Acompanhamos, gradativamente, ele saindo do êxtase de suas deliberações e descobertas, indo para a irritabilidade, até o momento de sua acusação. Há algo mais brasileiresco do que a mudança brusca dos eventos? É um fogo de intensidade!
Com os momentos finais, o calor da fofoca que percorre as ruas e divide opiniões; tudo isso, mesmo os discursos, gera grande expectativa de um denso alvoroço. Vindo, então, a derradeira carta que chegou às mãos de Campos, que dá à obra novos toques de beleza. Sendo sincero, não pude sequer prosseguir com a leitura, pelo fato inesperado, muito bem articulado, que me fez ter um pico de adrenalina a ponto de ter que interromper a leitura, ansioso pelo que poderia discorrer daquela revelação.
Não entrando nas minucias da obra, é possível se compadecer da situação de outros personagens também, que a princípio, nos eram inoportunos, que é o caso de Coqueiro. Essa raposa não se compadeceria de Amâncio, mas é legal se perceber no estado de estar a favor de um, e depois ficar irresoluto, vendo a miséria do outro.
A massa é facilmente influenciada, e Aluísio brinca com o leitor, fazendo nós nos compadecermos de Amâncio, depois de Coqueiro, e então de Amâncio novamente. O mesmo ocorre com o povo, que apenas quer balbúrdia, especulações e um viés para endossar suas vidas.
Ainda assim, sinto a necessidade de revelar que, apesar do caráter de nossa literatura, algumas mudanças bruscas impactam de forma diferente. É de uma grande artimanha fazer com que a obra siga para este suplicio final. É triste. É abissal. É como se Aluísio gostasse de gerar heróis. Personagens incríveis, propensos a um fim trágico, em semelhança a Romeu e Julieta.
Dessa vez, o contexto foi bem articulado, e numa onda de cólera, Amâncio e sua família sofre as consequências do mundo moderno, que consiste em um sugar a força e bens do outro, para se sobressair. Nisso, Coqueiro também viu-se inserido, mas em circunstâncias diferentes. Há justificativa para os meios, mas nada pode defini-los como os mais corretos. Ainda assim, cada um por sua essência, agiu como deveria ter agido, e esse alvoroço torna-se apenas mais uma história e marca na existência de outros.
Amâncio, de certa forma, tornou-se o herói em uma trágica história. Mas o caráter brasileiresco da obra consiste na rapidez de algumas informações, como a presença da Lúcia no velório, sem detalhamento de seus sentimentos, ou uma leve menção ao estado de Hortência, sem agravar o que fora dito. Já Amélia, não se sabe! No fim, Amâncio, em sua jovialidade, colheu o amargor da sobrevivência e da deturpação dos fatos.
Apesar de uma parte minha querer um final mais endossado, que foi palpitante com o último respirar de Amâncio, e com sua última palavra, depois disso foi tudo muito frio. É um marco da obra brasileira deixar certo vazio; um frio nas entranhas; um quê de incompreensão. Mas não acho que tenha valido a pena todo este confronto para, no fim, ganhar apenas as desgraças e misérias, tudo tardiamente, estando, sobretudo, totalmente sozinho no final e sem nada além de sua mãe.
Essa é uma grave lição que a obra evidencia: aparentemente, todos nesta vida são locandeiros, com exceção de alguns poucos que nos são como a Ângela. Alguns poucos que sofrerão por nós, e se doarão incondicionalmente. É preciso ter cautela, ou somos sacrificados em vão, por caprichos, assim como os de Amâncio, ocasionando, também, a desgraça daqueles que nos cercam. Um capricho tem poder de nos cegar, e nisso, alguns predadores espreitam para armar ciladas para nós. Estando ou não em sua razão de viver deliberadamente, depravado em instintos, numa volúpia insaciável, as consequências chegam por meio de sua própria procura.
Romance naturalista inspirado no famoso caso criminal chamado Questão Capistrano.
Nota: 4.0 / 5.0 (ÓTIMO)
Rio de Janeiro. 1976. Uma mulher observa que a sua casa extensa pode ser transformada. Gerar um dinheiro adicional, haja vista a chance de ceder alguns quartos para alugar, como uma pensão. Ela mora com o seu filho, Antônio Alexandre Pereira e Julia. Convencida pelo rapaz, aluga um dos espaços para Antônio João Capistrano da Cunha, colega de estudos de seu filho. Nas idas e vindas do cotidiano, o inquilino é acusado de ter violentado sexualmente a jovem, causando desconforto no seio familiar. Desinteressado nas cobranças da matriarca por honrar a situação, o rapaz continua a sua vida sem se importar com o acontecimento. Levado a julgamento, Capistrano é solto. Ovacionado pelos colegas e por parte da população, é levado para uma comemoração. Num ato de fúria, o irmão da moça, sentindo-se traído e disposto a vingar-se, desfere cinco tiros e o aniquila numa rua deserta, após a saída do badalado evento posterior ao processo de absolvição. Uma grande comoção toma conta da cidade. Luto oficial de sete dias é decretado, dois dias de aulas suspensas, num enterro que se tornou um grandioso evento. A situação de julgamento se repete, agora com o autor da vingança. Absolvido após descrever as motivações, também é louvado e recebe honrarias por ter agido de maneira a manter a integridade do nome de sua família. Eis a curiosa Questão Capistrano, transformada em enredo literário pelo competente crivo de um dos maiores escritores brasileiros do século XIX.
Representante do período de nossa história literária conhecida por Naturalismo, o escritor Aluísio de Azevedo traçou descrições deterministas de nichos caricaturais cariocas que expunham a coletividade nos romances O Mulato e O Cortiço, duas de suas obras mais conhecidas, sendo Casa de Pensão a obra do meio, publicação que demonstra a transição na maturidade da escrita entre os dois clássicos costumeiramente presentes em exames seletivos e parte integrante da trajetória escolar na etapa de nossas vidas onde cursamos o Ensino Médio. Narrado em 3ª pessoa, o romance em questão traz, ao longo de seus 22 capítulos, uma história que se inspira neste crime bastante comentado, ocorrido em 1876, conhecido e já mencionado como Questão Capistrano. Em sua versão ficcional, nomes são trocados e elementos literários naturalistas são inseridos para engrossar o caldo do enredo que flerta com os temas corriqueiros da produção daquele período, isto é, adultério, os males da hereditariedade, sexualidade exacerbada dos personagens, relações de favor, traições, austeridade no bojo familiar, determinismo que evidencia as questões genéticas e a relação do ser humano com o ambiente em que vive, dentre outros tópicos característicos que se distanciou das idealizações e dos arroubos românticos.
Por meio de descrições minuciosas, algo que culmina em pouca ação e mais passagens de linguagem detalhada, Aluísio de Azevedo analisa apuradamente os comportamentos humanos da sociedade, numa observação interessante do espaço urbano do Rio de Janeiro naquele ponto do século XIX, já bastante transformado e prestes a se modernizar ainda mais com as constantes inovações tecnológicas que demarcaram o período. Publicado em 1884, Casa de Pensão retrata a travessia de um protagonista que tinha tudo para dar certo na vida, mas infelizmente se tornou vítima de infortúnios que vão das relações familiares desequilibradas ao processo de influência do meio que passou a viver quando se mudou do território maranhense para estudar Medicina numa universidade carioca, na época, a Corte. Amâncio, jovem descrito como oriundo de família rica, se apresenta no romance como preguiçoso, mulherengo, numa existência deslumbrada e focada na badalação. Logo em sua chegada, ele se hospeda na casa de amigos dos seus pais, um lugar com códigos mais rígidos, culminando na sua saída para a pensão onde os acontecimentos tenebrosos terminarão de maneira indesejada para o personagem.
Em seu caminho, o rapaz encontrará Luís Campos, o patriarca da casa onde se hospeda inicialmente, homem que é amigo de seu pai. Casado com Hortênsia, uma mulher aparentemente infeliz no casamento, este receptor jamais imaginará que o jovem terá um tórrido caso com a sua esposa. Paiva Rocha, colega que lhe apresenta a vida boêmia, é o catalisador das mudanças de Amâncio, pois as suas constantes saídas para festas e prostíbulos acabam criando um clima de desagrado na casa de Campos, levando o personagem a se mudar para a pensão que intitula o romance, comandada por João Coqueiro, um provinciano que estuda na mesma faculdade que o protagonista e logo se aproxima, interessado no que o rapaz tem para lhe oferecer financeiramente. Não demora, a irmã de Coqueiro entra na história, Amélia, jovem decidida a seduzir Amâncio para a retirada de dinheiro, quantias que beneficiariam a ela e ao irmão esperto e desonesto. Moldado, como já mencionado, o rapaz aproveita bastante a atmosfera vulgar e badalada do local, um antro de perdição para os olhares tradicionais.
Ao longo das 145 páginas de Casa de Pensão, o escritor naturalista reforça a construção de Amâncio se baseando não apenas na moldagem do tempo presente, mas fincado nas ressonâncias de sua criação. Descrito como abobalhado, o jovem era o típico garoto que apanhava na escola, além de passar por privações sentimentais em casa, ao menos pela parte de seu pai, um homem austero, frio, sem dosagem alguma de emoções paternais para o filho. Apesar da presença de Ângela, a sua mãe excessivamente sentimental, o ambiente familiar não trazia boa sustentação para Amâncio. Ele contraiu sífilis de sua ama-de-leite, dentre outros perrengues que de acordo com a cartilha naturalista foram definidores para formação de seu caráter. A sua partida é bastante sentida por sua mãe, mas para o pai, era uma estratégia de reformar o jovem nada proativo, uma chance de transforma-lo em homem evoluído. O comecinho de sua nova jornada até parece que vai ser uma viagem em trilhos seguros, mas não demora muito para a trajetória de Amâncio descarrilhar: bebidas, mulheres e festas. E, com isso, o corpo aberto para as traições e manobras que viriam adiante, modificadoras de seu destino.
Em seu cotidiano com prostitutas, corruptos e baderneiros, Amâncio goza dos privilégios de uma vida desregrada, até o dia em que recebe a notícia de falecimento de seu pai. A sua mãe deseja que o jovem se desloque para sua cidade natal, tendo em vista cuidar das burocracias. Ele se organiza para a ida, mas Amélia, já envolvida, só permite o seu deslocamento depois do casamento devidamente registrado, afinal, ela e o irmão não queriam perder o projeto de extorsão que tinham organizado. Acuado, o rapaz não deseja levar o caso com seriedade e planeja uma fuga, descoberta por João Coqueiro, sedento pelo dinheiro, figura que arruma duas testemunhas falsas e um advogado para acusar o suposto amigo de sedução, basicamente, é como se Amâncio tivesse assediado Amélia e fugido de sua responsabilidade. Dois oficiais o prendem durante a sua viagem. Luís Campos até se posiciona para ajudar, mas depois de receber uma das cartas trocadas entre o jovem e sua esposa, declina do objetivo. Preso, Amâncio é absolvido três meses depois, após um julgamento que o transforma em herói, sendo ovacionado na saída e recebido com festejos por seus colegas de faculdade. Da prisão, ela segue direto para comemoração num sofisticado hotel do Rio de Janeiro. João, furioso, planeja a vingança.
Ele espera Amâncio ficar numa situação vulnerável para atacar. Antes, adentra por uma crise que quase o leva ao suicídio, mas num lapso, abandona a ideia para assassinar o rapaz com diversos tiros. Sem chance de se defender, a única palavra do protagonista ceifado é “mamãe”, antes de morrer em decorrência dos tiros no peito. Motivado pelo fato de ter se transformado em alvo de pilhérias na cidade, João Coqueiro comete o seu crime em nome da própria honra, arruinada. Após aguardar contato do filho, sem sucesso, Ângela segue para a Corte e descobre da pior maneira possível que o seu garoto faleceu tragicamente. Com traços românticos em seu encerramento, Casa de Pensão capricha nas passagens minuciosas até mesmo em seu desfecho mais agitado que os demais capítulos do romance, numa abordagem de um caso real que sacudiu as estruturas da opinião pública carioca na época, uma reflexão sobre honra feminina e assuntos correlatos, com reações de todo tipo, favoráveis e contrárias ao desfecho criminoso.
O romance começou a ser publicado em 1883, como folhetim, no jornal Folha Nova, ganhando formato de livro posteriormente. Conectado com o estilo de sua época, Casa de Pensão traz descrições que podem se tornar cansativas para o leitor contemporâneo, pedindo um olhar diacrônico para que a viagem literária se faça de maneira mais assertiva. Ao final do trajeto, nós leitores podemos refletir sobre como a racionalidade escrava da emoção se desenvolve como um dos principais tópicos temáticos desta interessante história de relações tórridas, não apenas sentimentais e sexuais, mas também no bojo do contato humano efervescente, de pessoas tomadas por ambições e levadas ao crime para fazer valer os seus respectivos pontos de vista. Questões raciais, preconceitos, injustiças de ordem social e a miséria de uma parte da sociedade carioca, problemas deste período que ainda se desdobram em pleno século XXI, integram o enredo de Casa de Pensão, um clássico da nossa literatura que deve ser conhecido e desvendado pela juventude leitora em processo de formação, mas também pelos demais leitores que já passaram da fase estudantil e se interessam por uma leitura instigante, com uma trama bastante conectada com a nossa realidade. Curioso observar que o enredo ainda não rendeu um bom filme, série ou peça teatral mais recente. É um material valioso para tais suportes.
=> Análise de Casa de Pensão – Influências do Naturalismo
No início da carreira, o Romantismo ainda deixava resquícios na literatura de Aluísio de Azevedo, que foi caminhando pelo Realismo e se encontrou no Naturalismo, quando escreveu a obra Casa de Pensão e outras também famosas, como O cortiço.
O Naturalismo, como já visto no nosso artigo sobre o tema, aborda temas polêmicos como as injustiças sociais e os preconceitos de raças e classes; que ainda não eram muito falados na sociedade literária da época.
As características do Naturalismo presente nesta obra são:
- O determinismo, em que as personagens são modificadas pelo ambiente em que vivem e pela herança genética (infância de Amâncio)
- A sexualização das personagens (badernas)
- A inclinação ao pensamento socialista em detrimento do pensamento burguês (as intenções burguesas de Amâncio)
- A crítica aos comportamentos e padrões tradicionais, que são mostrados como hipocrisia nas personagens (comportamento de Dona Hortência)
* Já leu outra obra de Aluísio Azevedo, O Cortiço? Veja os detalhes da vertente naturalista:
Em O Mulato, todas as ações estão vinculadas à trajetória do herói. Mas, em O Cortiço, a conquista e manutenção de um espaço é que impulsiona a ação. Na obra Casa de Pensão, ambos os movimentos são perceptíveis , por isso é considerado intermediário.
Outro fator presente em Casa de Pensão, é a riqueza de detalhes minuciosos para descrever cenas, pessoas e lugares; visando garantir veracidade à narrativa. Assim, faz o leitor criar um paralelo reflexivo sobre o que lê na obra e o que vê no seu cotidiano.
Ninguém presta neste livro. Não por serem vilões maléficos ao estilo Disney, mas por não terem a mais simples decência humana.
Azevedo sempre se esmerou em expor as hipocrisias sociais e o que se considera como o verdadeiro caráter brasileiro. Assim, seus personagens lutam para evitar a miséria, isso é o que define suas motivações: enriquecer é não passar necessidades. E para isso vale tudo, perda da honra, enganar o próximo, conchavos e conluios, aquelas pequenas corrupções do dia-a-dia de quem tem que contar moedas para comprar o pão.
Isso tudo seria perdoável... porém o personagem principal, Amâncio, é aquele típico "filho d'algo" que devido a abusos na infância, sejam eles pela violência ou pela carência, enxerga as pessoas - principalmente as mulheres e os pobres - como algo próximo a gado, a animais. Ali para satisfazer suas necessidades físicas e nem um pouco merecedor de estima ou respeito.
Essas duas naturezas entram em conflito na casa de pensão que é o título. Uma história que é feita de puro desprezo e fofoca.
O livro trata da história do Maranhense Amâncio que se muda à corte para estudar na Escola de Medicina. O jovem crê-se muito astuto e vê diante de si, logo ao chegar, um mar de possibilidades de aproveitar sua juventude do modo que lhe convém. Todavia, o rapaz logo se vê rodeado de aproveitadores (à exceção de um tal Campos, a quem seu pai ajudara), e ele mesmo não se mostra uma figura de caráter tão ilibado quanto se fizera pensar em princípio. O romance mergulha na superficialidade das relações sociais da época, expõe a moral maculada e a falta de sinceridade (até mesmo para consigo mesmo) do brasileiro médio. Ademais, é importante notar que trata-se de um romance naturalista que dá grande importância ao ambiente dos indivíduos em sua formação do caráter e nos traços todos de suas personalidades.
4.5 Um livro tão atual que chega a ser bizarro! Realmente vale muito a pena ler os clássicos, durante toda a leitura fiz muitos paralelos com a sociedade brasileira de hoje. A parte do julgamento e o pós podiam facilmente se passar em 2024: as flutuações na opinião pública, a culpabilização da Amélia (mesmo que ela estivesse errada), e o assédio que a família sofreu também. Amâncio foi um personagem tão, tão realista que ele facilmente poderia ser uma pessoa real (uma pessoa terrível porém real). O autor fez um trabalho maravilhoso retratando ele, suas nuances e a maneira como a mente de um herdeiro homem e jovem funciona. Assim como retratou os outros personagens e a ambientação geral da trama. É o segundo livro que leio dele e amei tanto quanto o primeiro.
Que obra! Uma análise espetacular, quando entendida, da psique humana. Pessoalmente, tocou em um lugar bem profundo.
“Todavia, esses pequenos episódios da infância, tão insignificantes na aparência, decretaram a direção que devia tomar o caráter de Amâncio. Desde logo habituou-se a fazer uma falsa ideia dos seus semelhantes; julgou os homens por seu pai, seu professor e seus condiscípulos. E abominou-os. Principiou a aborrecê-los secretamente, por uma fatalidade do ressentimento; principiou a desconfiar de todos, a prevenir-se contra tudo, a disfarçar, a fingir que era o que exigiam brutalmente que ele fosse”.
Amâncio, um rapaz ingênuo sai do Maranhão para cursar medicina no Rio de Janeiro e acaba se deslumbrando com a fervilhante vida boêmia da capital. Conhece as pessoas erradas como João Coqueiro, dono da pensão onde o rapaz vai morar. O espertalhão passa a usar sua irmã Amélia, por quem Amâncio se apaixona, para explorar o rapaz e espremê-lo até o último mil-réis, uma espécie de real da época. O pobre rapaz vai passar por muitos maus momentos antes de descobrir que muito melhor teria sido se tivesse ficado quietinho estudando anatomia (não comparada) no seu canto.
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An important novel from the Brazilian naturalist movement, Casa de Pensão has an interesting plot, in which the naturalist`s dearest themes are widely discussed. Aluísio Azevedo follows strictly the lessons learned from Zola, and even though he lacks some of the master's talent to create a perfectly structurated novel from the formal perspective, his characters can also be quite authentic.
Romance naturalista inspirado no famoso caso criminal chamado Questão Capistrano.
Nota: 4.0 / 5.0 (ÓTIMO)
Rio de Janeiro. 1976. Uma mulher observa que a sua casa extensa pode ser transformada. Gerar um dinheiro adicional, haja vista a chance de ceder alguns quartos para alugar, como uma pensão. Ela mora com o seu filho, Antônio Alexandre Pereira e Julia. Convencida pelo rapaz, aluga um dos espaços para Antônio João Capistrano da Cunha, colega de estudos de seu filho. Nas idas e vindas do cotidiano, o inquilino é acusado de ter violentado sexualmente a jovem, causando desconforto no seio familiar. Desinteressado nas cobranças da matriarca por honrar a situação, o rapaz continua a sua vida sem se importar com o acontecimento. Levado a julgamento, Capistrano é solto. Ovacionado pelos colegas e por parte da população, é levado para uma comemoração. Num ato de fúria, o irmão da moça, sentindo-se traído e disposto a vingar-se, desfere cinco tiros e o aniquila numa rua deserta, após a saída do badalado evento posterior ao processo de absolvição. Uma grande comoção toma conta da cidade. Luto oficial de sete dias é decretado, dois dias de aulas suspensas, num enterro que se tornou um grandioso evento. A situação de julgamento se repete, agora com o autor da vingança. Absolvido após descrever as motivações, também é louvado e recebe honrarias por ter agido de maneira a manter a integridade do nome de sua família. Eis a curiosa Questão Capistrano, transformada em enredo literário pelo competente crivo de um dos maiores escritores brasileiros do século XIX.
Representante do período de nossa história literária conhecida por Naturalismo, o escritor Aluísio de Azevedo traçou descrições deterministas de nichos caricaturais cariocas que expunham a coletividade nos romances O Mulato e O Cortiço, duas de suas obras mais conhecidas, sendo Casa de Pensão a obra do meio, publicação que demonstra a transição na maturidade da escrita entre os dois clássicos costumeiramente presentes em exames seletivos e parte integrante da trajetória escolar na etapa de nossas vidas onde cursamos o Ensino Médio. Narrado em 3ª pessoa, o romance em questão traz, ao longo de seus 22 capítulos, uma história que se inspira neste crime bastante comentado, ocorrido em 1876, conhecido e já mencionado como Questão Capistrano. Em sua versão ficcional, nomes são trocados e elementos literários naturalistas são inseridos para engrossar o caldo do enredo que flerta com os temas corriqueiros da produção daquele período, isto é, adultério, os males da hereditariedade, sexualidade exacerbada dos personagens, relações de favor, traições, austeridade no bojo familiar, determinismo que evidencia as questões genéticas e a relação do ser humano com o ambiente em que vive, dentre outros tópicos característicos que se distanciou das idealizações e dos arroubos românticos.
Por meio de descrições minuciosas, algo que culmina em pouca ação e mais passagens de linguagem detalhada, Aluísio de Azevedo analisa apuradamente os comportamentos humanos da sociedade, numa observação interessante do espaço urbano do Rio de Janeiro naquele ponto do século XIX, já bastante transformado e prestes a se modernizar ainda mais com as constantes inovações tecnológicas que demarcaram o período. Publicado em 1884, Casa de Pensão retrata a travessia de um protagonista que tinha tudo para dar certo na vida, mas infelizmente se tornou vítima de infortúnios que vão das relações familiares desequilibradas ao processo de influência do meio que passou a viver quando se mudou do território maranhense para estudar Medicina numa universidade carioca, na época, a Corte. Amâncio, jovem descrito como oriundo de família rica, se apresenta no romance como preguiçoso, mulherengo, numa existência deslumbrada e focada na badalação. Logo em sua chegada, ele se hospeda na casa de amigos dos seus pais, um lugar com códigos mais rígidos, culminando na sua saída para a pensão onde os acontecimentos tenebrosos terminarão de maneira indesejada para o personagem.
Em seu caminho, o rapaz encontrará Luís Campos, o patriarca da casa onde se hospeda inicialmente, homem que é amigo de seu pai. Casado com Hortênsia, uma mulher aparentemente infeliz no casamento, este receptor jamais imaginará que o jovem terá um tórrido caso com a sua esposa. Paiva Rocha, colega que lhe apresenta a vida boêmia, é o catalisador das mudanças de Amâncio, pois as suas constantes saídas para festas e prostíbulos acabam criando um clima de desagrado na casa de Campos, levando o personagem a se mudar para a pensão que intitula o romance, comandada por João Coqueiro, um provinciano que estuda na mesma faculdade que o protagonista e logo se aproxima, interessado no que o rapaz tem para lhe oferecer financeiramente. Não demora, a irmã de Coqueiro entra na história, Amélia, jovem decidida a seduzir Amâncio para a retirada de dinheiro, quantias que beneficiariam a ela e ao irmão esperto e desonesto. Moldado, como já mencionado, o rapaz aproveita bastante a atmosfera vulgar e badalada do local, um antro de perdição para os olhares tradicionais.
Ao longo das 145 páginas de Casa de Pensão, o escritor naturalista reforça a construção de Amâncio se baseando não apenas na moldagem do tempo presente, mas fincado nas ressonâncias de sua criação. Descrito como abobalhado, o jovem era o típico garoto que apanhava na escola, além de passar por privações sentimentais em casa, ao menos pela parte de seu pai, um homem austero, frio, sem dosagem alguma de emoções paternais para o filho. Apesar da presença de Ângela, a sua mãe excessivamente sentimental, o ambiente familiar não trazia boa sustentação para Amâncio. Ele contraiu sífilis de sua ama-de-leite, dentre outros perrengues que de acordo com a cartilha naturalista foram definidores para formação de seu caráter. A sua partida é bastante sentida por sua mãe, mas para o pai, era uma estratégia de reformar o jovem nada proativo, uma chance de transforma-lo em homem evoluído. O comecinho de sua nova jornada até parece que vai ser uma viagem em trilhos seguros, mas não demora muito para a trajetória de Amâncio descarrilhar: bebidas, mulheres e festas. E, com isso, o corpo aberto para as traições e manobras que viriam adiante, modificadoras de seu destino.
Em seu cotidiano com prostitutas, corruptos e baderneiros, Amâncio goza dos privilégios de uma vida desregrada, até o dia em que recebe a notícia de falecimento de seu pai. A sua mãe deseja que o jovem se desloque para sua cidade natal, tendo em vista cuidar das burocracias. Ele se organiza para a ida, mas Amélia, já envolvida, só permite o seu deslocamento depois do casamento devidamente registrado, afinal, ela e o irmão não queriam perder o projeto de extorsão que tinham organizado. Acuado, o rapaz não deseja levar o caso com seriedade e planeja uma fuga, descoberta por João Coqueiro, sedento pelo dinheiro, figura que arruma duas testemunhas falsas e um advogado para acusar o suposto amigo de sedução, basicamente, é como se Amâncio tivesse assediado Amélia e fugido de sua responsabilidade. Dois oficiais o prendem durante a sua viagem. Luís Campos até se posiciona para ajudar, mas depois de receber uma das cartas trocadas entre o jovem e sua esposa, declina do objetivo. Preso, Amâncio é absolvido três meses depois, após um julgamento que o transforma em herói, sendo ovacionado na saída e recebido com festejos por seus colegas de faculdade. Da prisão, ela segue direto para comemoração num sofisticado hotel do Rio de Janeiro. João, furioso, planeja a vingança.
Ele espera Amâncio ficar numa situação vulnerável para atacar. Antes, adentra por uma crise que quase o leva ao suicídio, mas num lapso, abandona a ideia para assassinar o rapaz com diversos tiros. Sem chance de se defender, a única palavra do protagonista ceifado é “mamãe”, antes de morrer em decorrência dos tiros no peito. Motivado pelo fato de ter se transformado em alvo de pilhérias na cidade, João Coqueiro comete o seu crime em nome da própria honra, arruinada. Após aguardar contato do filho, sem sucesso, Ângela segue para a Corte e descobre da pior maneira possível que o seu garoto faleceu tragicamente. Com traços românticos em seu encerramento, Casa de Pensão capricha nas passagens minuciosas até mesmo em seu desfecho mais agitado que os demais capítulos do romance, numa abordagem de um caso real que sacudiu as estruturas da opinião pública carioca na época, uma reflexão sobre honra feminina e assuntos correlatos, com reações de todo tipo, favoráveis e contrárias ao desfecho criminoso.
O romance começou a ser publicado em 1883, como folhetim, no jornal Folha Nova, ganhando formato de livro posteriormente. Conectado com o estilo de sua época, Casa de Pensão traz descrições que podem se tornar cansativas para o leitor contemporâneo, pedindo um olhar diacrônico para que a viagem literária se faça de maneira mais assertiva. Ao final do trajeto, nós leitores podemos refletir sobre como a racionalidade escrava da emoção se desenvolve como um dos principais tópicos temáticos desta interessante história de relações tórridas, não apenas sentimentais e sexuais, mas também no bojo do contato humano efervescente, de pessoas tomadas por ambições e levadas ao crime para fazer valer os seus respectivos pontos de vista. Questões raciais, preconceitos, injustiças de ordem social e a miséria de uma parte da sociedade carioca, problemas deste período que ainda se desdobram em pleno século XXI, integram o enredo de Casa de Pensão, um clássico da nossa literatura que deve ser conhecido e desvendado pela juventude leitora em processo de formação, mas também pelos demais leitores que já passaram da fase estudantil e se interessam por uma leitura instigante, com uma trama bastante conectada com a nossa realidade. Curioso observar que o enredo ainda não rendeu um bom filme, série ou peça teatral mais recente. É um material valioso para tais suportes.
Análise de Casa de Pensão – Influências do Naturalismo
No início da carreira, o Romantismo ainda deixava resquícios na literatura de Aluísio de Azevedo, que foi caminhando pelo Realismo e se encontrou no Naturalismo, quando escreveu a obra Casa de Pensão e outras também famosas, como O cortiço.
O Naturalismo, como já visto no nosso artigo sobre o tema, aborda temas polêmicos como as injustiças sociais e os preconceitos de raças e classes; que ainda não eram muito falados na sociedade literária da época.
As características do Naturalismo presente nesta obra são:
- O determinismo, em que as personagens são modificadas pelo ambiente em que vivem e pela herança genética (infância de Amâncio)
- A sexualização das personagens (badernas)
- A inclinação ao pensamento socialista em detrimento do pensamento burguês (as intenções burguesas de Amâncio)
- A crítica aos comportamentos e padrões tradicionais, que são mostrados como hipocrisia nas personagens (comportamento de Dona Hortência)
Já leu outra obra de Aluísio Azevedo, O Cortiço? Veja os detalhes da vertente naturalista:
Em O Mulato, todas as ações estão vinculadas à trajetória do herói. Mas, em O Cortiço, a conquista e manutenção de um espaço é que impulsiona a ação. Na obra Casa de Pensão, ambos os movimentos são perceptíveis , por isso é considerado intermediário.
Outro fator presente em Casa de Pensão, é a riqueza de detalhes minuciosos para descrever cenas, pessoas e lugares; visando garantir veracidade à narrativa. Assim, faz o leitor criar um paralelo reflexivo sobre o que lê na obra e o que vê no seu cotidiano.
Ao fechar as páginas de "Casa de Pensão", de Aluísio Azevedo, sinto uma mistura de perplexidade e reflexão sobre a sociedade carioca do século XIX, tão brilhantemente retratada em suas tramas densas e complexas. A narrativa nos apresenta Amâncio, um estudante mimado e egocêntrico, cujas ambições superficiais e relacionamentos rasos me fizeram pensar na fragilidade da busca por satisfação que permeia a vida contemporânea. Ao se instalar na pensão de João Coqueiro, que se revela um verdadeiro manipulador, bem como sua esposa, Madame Brizar, a história começa a tomar rumos que evidenciam as armadilhas das relações sociais e a ambição desenfreada de seus personagens. A descida de Amâncio à teia de enganos e manipulações, especialmente com a jovem Amélia, que se transforma de amante a exigente mercenária do afeto alheio, é um espelho distorcido, mas familiar, das dinâmicas que ainda hoje observamos em muitos relacionamentos. A ambição, que se transforma em moeda de troca nas exigências de presentes e dinheiro, culmina em decisões desesperadas e desastrosas, como a compra da casa para evitar um escândalo que, ironicamente, acaba desencadeando a tragédia que se avizinha. O pesar de Amâncio ao perceber que estava sendo controlado pelos Coqueiro evoca uma tristeza que, por um momento, me transporta para suas lutas internas e questionamentos sobre sua verdadeira liberdade em meio a tanta manipulação. A ascensão e queda de Coqueiro, envolto na vergonha e dificuldades financeiras após a libertação de Amâncio, ressoam com a fragilidade da moralidade e da reputação na sociedade, destacando a efemeridade das relações e do status social. A brutalidade do clímax, em que Coqueiro decide confrontar Amâncio e acaba por matá-lo, me deixou chocado e refletindo sobre as extremidades que os seres humanos podem alcançar em nome do orgulho e da vaidade. O retorno da mãe de Amâncio ao Rio, sem saber do trágico fim de seu filho, evoca uma tragédia grega, onde os laços familiares são desfeitos pela teia implacável do destino. Assim como Azevedo, ao visitar cortes e pensões, conseguiu capturar a essência da vida urbana e as tensões de uma sociedade em transformação, percebo agora as infinitas narrativas que se desenrolam nas esquinas e nos pequenos comércios da cidade, ecoando os sentimentos da ambição, do desejo e da luta por espaço que permeiam a experiência humana. O realismo e o naturalismo entrelaçados na obra, repletos de críticas sociais e reflexões sobre comportamentos humano e moralidade, me deixaram a pensar em como essas questões ainda reverberam em nossas vidas. "Casa de Pensão" não é apenas um relato de um tempo passado, mas um convite à introspecção sobre nossas próprias relações, ambições e a inevitável influência do ambiente em que estamos inseridos, mostrando que, apesar da passagem do tempo, as complexities da vida humana permanecem tão intrincadas quanto eram no século XIX. Ao termino deste livro, não posso deixar de me perguntar: até que ponto somos resultado do nosso contexto, e onde está a linha entre poder e impotência nas relações que construímos?
Amâncio é um personagem insuportável, moralmente reprovável, folgado, preguiçoso, simplesmente uma pessoa chata mesmo, e no geral, salvo o pobre Campos e a coitada da D. Ângela, todos os outros personagens do livro também são gente péssima. O que é uma visão triste, mas interessante sobre a classe média, e muito diferente da variedade de caráteres apresentada em O Cortiço, onde a pobreza poderia exaltar a nobreza de um coração com trabalho duro, ou a sua ruindade, se teu possuidor fosse da preguiça. Embora o foco seja Amâncio, é impossível não reparar que aos olhos do narrador, mulher nenhuma é confiável, salvo talvez a mãe, que infelizmente é tola. Todas cheias de esquemas, de atalhos e ingratidão. O que também se vê nos homens, mas com um menor destaque, por serem tão frequentemente, vítimas desses seres ardilosos que são as mulheres.
Mas não me entendam mal: detestar os personagens, torcer contra todos e ter no geral uma postura de, entre Amâncio e Coqueiro, torcer é para a briga, faz parte da atração do livro. A leitura e fluída e não há momentos de tédio! Gostei muito, embora, né, esteja um pouquinho abaixo do brilho de O Cortiço.
AMÂNCIO É UM CACHORRO, UM SAFADO, a história se baseia na safadeza desse macho, e pensa num cara carente, sei que naturalistas focam nisso, de sua essência ser baseada em algo hereditário, mas sinceramente que preguiça desse homem, nn pode ver UM rabo de saia que já fica se babando. Pra época dele, era um cafajeste, sendo q ele apenas vivia a vida que um garoto de 16 anos vive hoje em dia, com suas três ficantes e pipipipopopo, mas QUERER PEGAR MULHER CASADA???? acho que ele precisava mesmo se aquietar, nn que a morte lhe era merecida, mas que ele era um desesperado, ele era.
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Como autor da escola naturalista, o interessante das obras de Aluísio de Azevedo é experienciar a bestificação do homem e a hipocrisia de toda a sociedade envolta na trama, bem como Amâncio, personagem principal do livro. A história talvez não seja tão cativante quando “o Cortiço”, mas não deixa de ser um ótimo romance experimental da literatura brasileira, especialmente por se basear em um crime real ocorrido na “corte”. Recomendo a leitura!
O começo é maçante e o Amâncio consegue ser insuportável em muitos momentos e embora seja um livro naturalista, observei poucas características dessa corrente. Apesar dos apesares, as intrigas finais conseguem ser realmente interessantes e surpreendentes, e, em geral, o livro é realmente bom pra sua época.
Apesar de tudo o que se passa, Vasconcelos não altera o seu modo de ser e agir porque isso foi determinado na sua formação de caráter quando criança. O seu destino já estava firmado. O seu trágico fim era certo.
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