Depois de dois “Daqui Ali”, dois livros sobre duas viagens épicas, uma de Portugal a Singapura por terra, e uma de bicicleta de Portugal à África do Sul, chegou a vez de fazer 10.000 km de boleia do Panamá ao México, atravessando 8 países sem nunca pagar para dormir, e pôr de lado, por ora, o conceito “Daqui Ali”, explorando algo um pouco diferente.
Este livro começa em 2066. Aos 82 anos, Pedro tem Esclerose Lateral Amiotrófica e quer morrer. A ascensão do Partido Nacional Conservador levou à revogação da legalização da eutanásia e agora está preso ao seu corpo, tal como o velho na cama ao lado, que nem consciência carrega já consigo. Um dia, um jovem adulto, António, vem visitar este velho e Pedro ouve-o, conversando com um primo sobre o direito à escolha de terminação da VIDA.
Quando consegue apanhá-lo sozinho pede-lhe ajuda e vê-se então António confrontado com a diferença entre ter uma ideia e agir sobre ela, caindo no lugar-comum de convencer Pedro a viver. “Mas espero que leias e que, ao ler, percebas que eu sei o que é a VIDA. E a VIDA, para mim, não é isto que eu tenho agora…” pede Pedro, entregando-lhe o livro que escreveu, muitos anos antes, em 2019, sobre uma viagem que fez do Panamá ao México à boleia.
Tu vais ler o livro do Pedro e vais acompanhar também, em 10 encontros, a evolução da relação entre ambos, a decisão de António e o profundo impacto que o velho teve na sua VIDA. Ajudará António Pedro a morrer?
Acho que nasci a chorar, assustado com aquelas luzes todas, nos idos 84. O mundo não resistiu e encapsulou-me, oferecendo-me a estabilidade e alegrias mais comummente desejadas. De um liceu bem passado em Vale de Cambra segui para uma Universidade melhor passada, em Coimbra. Ao abrigo de desculpas de que não há trabalho para psicólogos em Portugal, deixei-me aterrar na Noruega por seis meses, e em Inglaterra por dois anos, seguindo um caminho que, ainda que incomum, já outras pessoas tinham traçado. Quis traçar o meu e despedi-me para ir viajar. Agora vivo meio ao desbarato, viajando, escrevendo, e trabalhando.
Nunca o conceito "livro dentro de um livro" fez tanto sentido. É um livro e, como todos os bons livros, é também uma metáfora para a vida. Há algo sempre mais profundo, podemos ir mergulhando dentro de nós sem nunca encontrarmos o núcleo. Usando um "myse en abime", o autor procura escavar para o interior de cada um, ainda que saiba, de antemão, que nunca encontrará o âmago, que é como quem diz, a resposta final. Isso não é o mais importante, o mais importante é tentar, mesmo sabendo que o resultado do nosso esforço poderá ser somente uma finta ilusória ao niilismo de estarmos aqui, qual personagem kafkiana. É um livro de viagens, mas é sobretudo uma viagem dentro de uma viagem. Fala-nos de uma aventura de quatro meses à boleia na América Central e fala-nos de grandes questões que nos cosem a todos, humanos. O que é o direito à vida? É ou não superior a tudo? Qual o real valor de uma amizade? Se procurarem respostas, este não é um livro para vocês, mas se souberem que o mel da existência é conseguir colocar as questões certas, então o mergulho nesta obra será como um salto sobre o precipício. A ler. Porque é bom. Porque está bem escrito. Porque acrescenta algo.
Uma boa forma de começar 2021, a viajar por lugares que eu própria já tinha atravessado, as descrições, os encontros das viagens são tão verdadeiros, tão bons, tão próximos. O amor de Pedro e Graciete é fantástico!
Em 2023 parti rumo ao Panamá, apenas com o voo de ida marcado. Sem rumo, acabei por visitar muitas das cidades que o Pedro percorreu.
Ler este livro em 2025 fez-me revistar Antigua, Granada, Tikal, a dolorosa subida ao Acatenango, entre muitas outras aventuras, e relembrou-me do quanto esta viagem me marcou.
Mas este não é só um livro de viagem. Na verdade, são dois livro, um dentro do outro. A viagem na América Central passa-se em 2018, a reflexão sobre o futuro e o tema da eutanásia, em 2066.
Em termos de escrita, foi difícil adaptar-me à informalidade deste livro. Por outro lado, foi inevitável ouvir a voz do Pedro enquanto li o livro, o que o tornou uma experiência especial, e um livro muito fácil de ler.
O livro está muito bem construído, a organização das ideias é excelente. Poderia beneficiar de uma revisão mais cuidada, com meia dúzia de erros de escrita que desconcentram o leitor.
O que esperar? Um livro de viagens na América Central, muitas experiências de CouchSurfing, alguma informação sobre a história da América Central, uma viagem ao futuro, uma reflexão sobre a eutanásia e sobre a vida, em geral.
"Tento observar esta evolução ao longo dos tempos e isso faz-me pensar duas vezes antes de rejeitar um conceito novo, pois noutros tempos novos conceitos foram introduzidos que pareceram ridículos à partida e eventualmente foram aceites. Confio na evolução. "