«Penso na poesia de Cláudia R. Sampaio como no discurso furioso que apenas alguém de profunda ternura poderia fazer. Sua tragédia, explícita, frontal, é a da saber a delicadeza quando tudo em seu redor propende para o grotesco e sua cabeça desafia para duvidar continuamente. Magnífica poeta, seu impasse é constante: "Quem sabe se não é agora que / possuo toda a loucura / e me faço mulher // Eu que da cintura para cima sou triste / e daí para baixo uma praia / a quem explodiram o mar / para depois o transformarem em / homem e em assombro também".
A expressão de Cláudia R. Sampaio é das mais contundentes da contemporaneidade. Não se ergue panfletária, ergue-se numa urgência íntima que não teme expôr, usando sua vulnerabilidade para força, como alguém que mapeia as feridas procurando cicatrizá-las, e também glorificá-las, com o verso. Toda a poesia abeira a terapêutica, e aqui a terapêutica é fundamental, inclusive como forma de classificar cada detalhe do mundo, como protesto e como alegria do possível. A loucura e a terapia são íntimas e fertilizam, a um tempo, o pensamento e a sabedoria.
Que maravilha o desabrido desta poesia. Que maravilha que não seja demasiado limpa, demasiado educada, e se coloque sobretudo enquanto necessidade além da razão e de qualquer etiqueta. Uma poesia que redime tanta coisa mas que também gratamente infecta: "desta vida à outra / castigaram-nos com abraços / afogando o adeus corcunda / adiantado pelas colisões das / palavras / veneno abençoado / do nosso lar.".» Valter Hugo Mãe
Cláudia R. Sampaio é uma poeta e artista plástica nascida em Lisboa (1981). Estudou escrita de argumento na escola Superior de Teatro e Cinema, escreveu para cinema, televisão e teatro. Publicou os livros de poesia: Os dias da Corja, A primeira urina da manhã, Ver no escuro, 1025mg, Outro nome para a solidão, a antologia Já não me deito em pose de morrer e Uma mulher aparentemente viva. Está também publicada no Brasil com a trilogia Inteira como um coice do Universo (Edições Macondo). Tem desenvolvido, em parceria, um trabalho musical a partir dos seus poemas e já integrou vários grupos como diseuse. Em 2019 juntou-se ao colectivo artístico MANICÓMIO. No âmbito do trabalho desenvolvido neste projeto, integrou em Janeiro de 2020 a primeira delegação portuguesa a ser convidada pela Outsider Art Fair, a maior feira de arte informal do mundo, em Nova Iorque, para expor a sua obra. Vive em Lisboa com as suas duas gatas: Polly Jean e Aurora.
Gostei bastante mas não me deslumbrou. Comprei este livro por causa do título (já não me deito em pose de morrer), queria encontrar mais frases assim: coisas em forma de. Mas o estilo é um pouco diferente do que eu estava à espera (bastante mais intimo/visceral) Não deixa de ser poesia que eu considero bastante boa. Há aqui muito desassombro e pouco artifício.
"Estamos aqui e eu quero dizer-te que é de ti que vêm as casas é de ti que vêm os ossos E se quiseres podemos ser como as pontes: eu num lado, tu no outro e no meio a distância que quisermos dar."
Cláudia R. Sampaio
*** Tenho o hábito (antigo, muito antigo) de fazer pequenas anotações a lápis, mas vários são os critérios a que obedeço: os livros têm de ser meus, as marcas não podem danificar o papel, e têm uma função de mapeamento - é uma noção quase geográfica, assinalam o aqui e o agora, o momento de leitura e de contacto. Podem ser passagens inteiras, frases, termos, páginas, o importante é que as assinale porque sei que vou querer regressar: como mapear o coração, de certa forma, são geografias dos afectos. Ora, com este livro da Cláudia R. Sampaio (o primeiro que li da autora, e que me foi recomendado por uma pessoa que conheci recentemente) aconteceu um fenómeno interessante e que suscitou uma reflexão: eram poucos os poemas que conhecia da sua autoria, ou melhor, nem chegando a essa escala talvez, o que conhecia eram excertos, frases, ideias isoladas... e se essas informações chegaram até mim, chegaram porque outras pessoas também as tinham seleccionado porque viram ali algo de especial, algo que se destacava do resto do corpo do texto, algo que, de certa forma, transcendia a língua e a linguagem. Pensei que é interessante a forma como alguns poemas (ou excertos de poemas, inícios de poemas) se tornam tão sonantes, até "populares", ao ponto de se destacarem do todo... como se contivessem em si um grau de veracidade, algo que escapa ao próprio poeta, ao próprio escritor, à poesia, e que se ergue e se traduz em sensação (uma espécie de ferida que é subjectiva, mas também objectiva pela forma como parece tocar várias pessoas, ao mesmo tempo e do mesmo modo).
Queria que a poesia da C.R.S. tivesse valido por si própria, acho que merecia isso, mas as referências que temos dentro de nós impossibilitam o grau zero da experiência. Pensei muito em A. Pizarnik e em S. Plath, e cheguei a zangar-me comigo mesma porque essa colagem me pareceu preguiçosa e perigosa. Mas não deixa de ter um fundamento (pelas temáticas, pelo nível de exposição, pela sensibilidade) e de ser um elogio que lhe posso tecer.
É o meu primeiro encontro com a poesia de CRS. É uma poesia crua e despida que grita emoções e sentimentos. Quase de forma transversal tem presença feminina o que, não sendo habitual, se torna muito agradável. E depois tem também histórias intensas la dentro... de loucura, desejo, amor mas, sobretudo, de descoberta do eu. É porque no final de um livro de poesia fica sempre um vazio, este fecha esse próprio vazio com um brilhante diálogo entre a autora e o magnífico Valter Hugo Mãe. E ficamos aconchegados até à próxima leitura...
A culpa é tua se dizes sempre o mesmo nome se tens sempre a mesma idade e a mesma casa se quando revelas a tua identidade é impossível que o céu te expluda e que te acudas de incertezas e de novos buracos. A culpa é tua se ainda não morreste, se nunca te atrincheiraste à espera de uma bomba que te mude os olhos se nasces sempre no mesmo dia.
Não te aflijas. Estás sempre a tempo de não dormir na mesma posição com a mão aberta em esmola
Também me custa sobreviver a estes dias mas o que ainda não chegou é infinito.
"Ela pensava: que bom é cair porque normalmente não se pode cair em nenhum lugar querem sempre levantar-nos, não entendem que é preciso cair, é preciso estar junto ao chão para depois se subir em verdade e ver tudo"
Cláudia R. Sampaio é uma voz poética inconfundível. Merecia muito mais destaque nas "letras" nacionais.
Não que haja algo de errado ou insuficiente na poesia de Cláudia R. Sampaio. É crua, áspera, contemporânea. Infelizmente não me fez sentir grande coisa.
A melhor parte é talvez a conversa da autora com Valter Hugo Mãe.
“Mas não te preocupes, não desapareço hoje Quando me conheceste já eu não existia e tu sabes que essas saudades que vais tendo são as minhas.”
"sabes o que é uma alma mal lavada? são as memórias todas arrumadas em cinzeiros abraçadas a beatas, sem irem á cremação"
Estes poemas escolhidos da Cláudia R. Sampaio deram cabo de mim. Apetecia-me sublinhar tudo, guardar tudo. Há passagens incríveis, lindas e íntimas. Melhores do que a passagem que deixei aqui, no entanto, quando li isto, sobre o que é uma alma mal lavada, arrebatou-me de uma maneira obscura.
Para quem não tem hábito de ler poesia e quer começar e não sabe como nem por onde, recomendo vivamente este "Já não me deito em pose de morrer".
A poesia, quando é boa, é como um tiro. É tal a força com que trespassa que nem temos tempo de sentir a bala que nos atinge. Damos por nós, estamos estendidos no chão, com o coração na boca. “E se quiseres podemos ser como as pontes: eu num lado, tu no outro e no meio a distância que quisermos dar.” [A conversa entre a CRS e o VHM é, também e só por si, um poema.]
"Mas não dizia a ninguém que não sabia ser e não dizia a ninguém que não sabia onde ia Caminhava, alta como quem não fala Calava, perfeita como quem não via Sem que alguém reparasse que ela era ausência, e que só tinha mundo onde não estava e que só amava o que não sabia" (A mulher da cor de um lírio, II)
“Para se falar é preciso estar dentro da vida, encontrar uma rua que nos leve ao peito mas as ruas não andam e eu nem a casa regresso
A minha linguagem é mais seca que um deserto e mais incompreensível que estes loucos que trago pendurados na boca Falar provoca doenças Há que ter cuidado para não morrermos de palavras por isso nem sou eu que escrevo, é a mão da minha infra-consciência
Mas quero dizer-te que estamos aqui, não duvides, perante os carros mal estacionados, perante os braços exemplares dos nossos amigos — e as suas ausências perante o modo como atinges o ar com a graça do que te eleva, e o desembarque da tua exclamação divina
Estamos aqui e eu quero dizer-te que é de ti que vêm as casas é de ti que vêm os ossos E se quiseres podemos ser como as pontes: eu num lado, tu no noutro e no meio a distância que quisermos dar.”
Uma voz franca e frontal. Genuinamente crua. Poesia contemporânea como há muito não descobria. E no final, para nos prender ainda mais, somos convidados para uma extraordinária conversa entre a autora e o Valter Hugo Mãe. Que bela descoberta esta!
Uma vez quiseram-me louca, a arder e eu ardi com a discrição de um fogo posto porque a cura vai na mesma direcção que a nossa febre
Ateei-me como um relâmpago inesperado à luz do dia Eu parecia uma basílica em chamas de altar por estrear, a arder sozinha
Sempre me recusei a arder como os outros
Ardam-se mais à esquerda ou mais à direita mais ao vento de sul ou de norte, mas labaredem-se, sejam fogos que ardem!
Porque a pior que a desdita loucura é toda a gente andar em brasa mas ninguém chega a incêndio
Uma escrita crua, visceral, sem receio de espelhar todas as emoções que lhe fervilham no peito. Além disso, estes poemas carregam um traço de absurdo, de loucura, mostrando bem a dualidade que habita em todos nós. E, depois, o silêncio que fica no vazio, no que não se compreende, nas angústias e nos traumas que fazem morada desde a infância. Achei fascinante a maneira como o livro termina, porque acredito que acrescenta uma essência ainda mais pessoal.
Poeta portuguesa contemporânea (das melhores na minha opinião pessoal). Este é um livro quase-quase-perfeito. Livro quase-quase-perfeito cheio de palavras, poesia, única como só a Cláudia sabe.
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" (...) Continuarei sempre a espantar-me com a solidão a rachar-me o rosto. (...) "
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" (...) Também me custa sobreviver a estes dias mas o que ainda não chegou é infinito. "
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" (...) e sempre que pisares o passado limpa os pés."
"É claro que é necessária a mais obscena das resistências. Estamos inevitavelmente predispostos ao encosto do que nos é oferecido, a descoberta é sempre um abalo, mas não paremos de procurar. Há tanto indecifrável em cada gesto. Mesmo nos que se repetem para lá do tempo. Vejamos a imagem do meu avô a descascar uma maçã com a navalha. É assim todos os dias. Absolutamente todos. "
Não sendo a poesia um estilo literário que tenho por hábito ler, a escolha deste livro revelou-se ser um feliz acaso e uma maravilhosa surpresa. Textos fluidos, de fácil compreensão e com um estilo muito próprio. Fiquei fã da autora e recomendo a sua leitura ao público feminino.
A Cláudia R. Sampaio é uma espécie de alquimista que converte dor em poesia. Não sei se apreciei a coletânea na íntegra, mas há muitas pepitas de ouro nestas páginas.
"Talvez possa dizer que tentar ver no escuro tem sido o meu ofício."