O dia a dia de injustiças, desigualdades, agressões físicas e psicológicas expõe diariamente a demanda sempre urgente de construção de uma sociedade mais igualitária, em que seja minimamente viável viver em conjunto. Nos ensaios presentes neste livro, os autores refletem sobre os conceitos de racismo, a finalidade dessa construção social que afeta a vida no planeta e as formas de atuação que provocam tanto desgaste, crueldade e mortes. A luta constante contra o racismo prevê conhecimento sobre a origem, os mecanismos históricos de aplicação dos diversos racismos e uma análise contínua para entender e repensar os reflexos e prejuízos causados na sociedade atual.
Eu não vou me deter em questões menores, acho que o maior problema desses ensaios é a ausência de um programa. Fazer denúncia, identificar problemas é fácil. Considerando o caráter político dos textos, senti falta de um ensaio que fizesse um compilado das políticas públicas que já existem e que também ousasse em propor outras. Alguns do textos citam de forma esporádica a lei que torna obrigatório o ensino da cultura e história dos afrobrasileiros e indígenas, mas há outros mecanismos legais como o Estatuto da Igualdade Racial que trata, por exemplo, da saúde das pessoas afrodescendentes. Acaso isso se converteu em algum programa de Estado? (Eu sei que não) Como está a situação das escolas indígenas e quilombolas no país? Têm estrutura? Professores adequados e suficientes? Faltou fazer esses debates que pra mim são prioritários.
Esse livro foi um das vários a respeito do racismo que a Cia. das Letras distribuiu gratuitamente, em formato eletrônico, em comemoração ao Dia da Consciência Negra em 2020. Confesso que não sou estudioso do tema e, por essa razão, os artigos que integram a obra me proporcionaram o grande prazer da descoberta e da reflexão. Revelaram-me novos aspectos desse tema espinhoso, que, ao lado do comunismo, despertou tantas paixões e conflitos na história da humanidade, como bem observou Hannah Arendt. Dentre eles, dou destaque à defesa da existência de vários tipos de racismo que não relacionado a características físicas dos indivíduos (religioso, ambiental, institucional etc.), à questão da interseccionalidade (que leva, p.ex., mulheres negras a sofrerem dupla discriminação: por serem mulheres e por serem negras), as mudanças estéticas que as mulheres com traços negros se impõem para tentar escapar do preconceito, ainda que às custas de sua autoestima, e o interessantíssimo afrofuturismo, cujo grande expoente é o filme “Pantera Negra”, que impulsionou a criação de histórias que aliam ficção científica e culturas de matriz africana. Recomendo!
Há ensaios sobre o racismo voltado às pessoas pretas, aos indígenas e aos asiáticos; sobre o racismo estrutural e ambiental; sobre como as feministas negras tiveram que lutar para serem ouvidas no movimento feminista e até um ensaio muito interessante que explica o afrofuturismo. Os textos são bem escritos, didáticos e ajudam a entender os vários tipos de racismo na sociedade brasileira. Vale muito a pena ler, é uma leitura que ensina muito.