Andreia C. Faria nasceu no Porto, em 1984. Publicou em 2008 o seu primeiro livro de poemas, De haver relento (Cosmorama Edições). Seguiram-se Flúor (Textura Edições, 2013), Um pouco acima do lugar onde melhor se escuta o coração (Edições Artefacto, 2015) e Tão Bela Como Qualquer Rapaz (Língua Morta, 2017), que recebeu o Prémio SPA 2017 para Melhor Livro de Poesia.
Caderno clavicórdio 4,5* Pavões 4* Pequena arte de amar 4* Eva 5* Quando o milho alto 3* O nosso melhor ouvido 3,5* Peixe-lua 4*
Gostei muito dos capítulos em que a autora fala das coisas e dos movimentos banais do dia a dia e as mistura com coisas transcendentes Também gostei muito das partes mais confessionais e da relação com o corpo/corpos. Há no entanto uma vertente muito dura na sua escrita. Terna, mas dura.
É preciso um talento especial, quase uma intuição, para escrever boas frases de abertura. Uma boa frase de abertura pode ao mesmo tempo sintetizar e predispor o leitor para o que se segue. Deve transportar o leitor para outro universo; colocar em andamento um mecanismo que torna impossível parar de ler.
A Andreia tem dúvida um talento especial e o "Clavicórdio" foi um dos livros mais impressionantes que li nos últimos tempos.
Deixo-vos com algumas das frases com que arranca os vários capítulos e/ou secções:
"Acontece-me ao contrário: os sonhos da noite são a vida."
"Um sonho range como um caixão, mas é lúcido como um aquário e sabe florir."
"Como um tolo fala excessivamente em seu coração, assim eu escrevo, tentando ao fim do dia que ele ranja, que se assombre e rache e das metades calhem brasas espalhadas pelo sono."
"Quais poemas?, digo. Ninguém quer, só para lhe ver a tinta, o próprio coração mastigado como um choco."
"Guardo indícios. Não explico o que encontro. As entranhas do peixe lançadas com a água suja, guelras frias no escoadouro."
"Durante muito tempo o cheiro da roupa ao fim do dia foi a única ideia que eu fiz de uma mulher."
"Se me esfolassem haviam de descobrir uma levedura íntima, branca, matrimonial."
"As pessoas justas ocultam o mundo sob o tecido grosseiro da literalidade"
"O mal é a boca fechada de Deus."
"Não é de menosprezar a influência da beleza nas mais íntimas, meticulosas, em teoria livres decisões que tomamos."
"Se alguém, na idade em que se encontra, desconhece a arte de amar, não vá ao médico:"
"Uma vez no metro vi um homem endoidecer."
"Quando o sol se pôs eu estava a assar o peixe-lua."
"Ela sabe, como eu sei, que o amor e a alegria precisam de ser expulsos antes de os aceitarmos, precisam de insistir nas suas formas desfeitas, precisam de morrer e de ressuscitar antes de os deixarmos entrar nas nossas nossas vidas. Ela sabe, mas faz de conta que não."
A sensação que dá é a de ter escrito 7 romances, eliminado partes menos interessantes deles e coleccionasse-os neste livro. Como se tivesse escrito 7 tentativas falhadas e inacabadas ao concurso de contos do Pingo Doce e no rescaldo decidiu publicá-las todas neste livro sem sentido, rumo ou vontade de tê-lo.
Se todos os livros fossem assim, a literatura portuguesa estaria condenada a virar uma língua morta.