Quando Adriana ganha finalmente coragem para sair de casa com o filho de cinco anos, pondo fim ao casamento com Alessandro, mal pode imaginar que o marido, incapaz de aceitar o divórcio, tudo fará para a destruir - nem que para isso tenha de destruir o próprio filho.
Apneia é uma viagem ao mundo sórdido da violência conjugal e parental, através de um labirinto negro em que os limites da resistência psicológica são postos à prova, ameaçando desabar a qualquer instante, e dos meandros tortuosos de uma Justiça por vezes incompreensível, desumana e desfasada da realidade.
Escrito com uma sobriedade e frieza inquietantes, Apneia é um romance intenso, absorvente e perturbador, que ilustra com uma autenticidade desarmante o estado de guerra em que vivem milhares de famílias estilhaçadas, e com o qual, inevitavelmente, muitos leitores se vão identificar, encontrando nestas páginas ecos da sua própria experiência.
Tânia Ganho was born in Coimbra, in 1973, and starting writing at an early age. When she was 12, she won a national literary competition, "Ler Melhor para Viver Melhor", but it was only in 2005 that she decided to publish her first novel, "A Vida Sem Ti" ("Life Without You", Oficina do Livro), followed by "Cuba Libre" (Oficina do Livro, 2007), "A Lucidez do Amor" ("The War Wife", Porto Editora, 2010) , "A Mulher-Casa" ("La Femme-Maison", Porto Editora, 2012), and "Apneia" (Casa das Letras, 2020), a disturbing story about domestic violence and child abuse.
"Apneia" was semifinalist of the Oceanos Prize and finalist of the Bertrand Prize for Best Portuguese Novel of the Year. In 2021, Tânia Ganho won a six-month literary grant from the Ministry of Culture in order to write her next novel, set in Lisbon and in a wolf conservation centre.
In 2012, she won the Cidade de Araçatuba Brazilian Prize for best international short-story.
Tânia Ganho taught translation as guest lecturer at the University of Coimbra and has been working as a literary translator for the past two decades. She has translated authors such as Angela Davis, Maya Angelou, Amor Towles, Alice Walker, Leïla Slimani, Rachel Cusk, Chimamanda Adichie, David Lodge, Hervé Le Tellier, among many others.
She is regularly invited to participate in literary festivals and to give talks on translation and writing.
Que leitura …intensa, compulsiva, perturbadora…não existem adjectivos suficientes .. Que livro monstruoso…formidável, nem estou em mim…já tenho um novo favorito este ano…
Que mestria na desconstrução de algumas personagens..não sendo mãe mesmo assim revi-me na angústia da Adriana, acho que às vezes me apetecia saltar para dentro do livro e gritar.. Revi-me na situação do filho, a criança ping pong que salta de um lado e ouve, salta para o outro e ouve diferente.. uma contradição de sentimentos e emoções desnorteadas, um crescer confuso e instável.. Abdiquei de tempo de sono e de refeições para ler este livro bem rápido, porque simplesmente não conseguia parar e queria continuar a absorver tudo, a perceber como iria terminar a história…
Obrigada á autora por este livro maravilhoso, ainda nem estou em mim com as emoções todas que o mesmo desencadeou … 5 estrelas porque não posso dar 100!!! e de longe dos melhores livros que já li na vida!!!
Ao fim de 100 páginas dei por mim a pensar " Não acredito que a história deste divórcio se vai arrastar por mais 550 páginas ". Arrasta-se e parece-me ser isso que a autora pretende, que a história deste divórcio seja como a de tantos outros divórcios que se arrastam. Vão sugando os seus intervenientes até não sobrar mais nada. Os filhos, suposta razão dos inúmeros conflitos, são apenas armas de arremesso, troféus de vingança. Infelizmente acho que todos conhecemos pelo menos um divórcio assim e é também por isso que este livro me disse tanto, é angustiante de tão real. Fez-me sentir como a mãe do livro, impotente. São por volta de 650 páginas de impotência, de amor, de resiliência, de angustia e de ódio.
Este livro tirou-me o folgo em praticamente toda a sua narrativa.
As minhas emoções ficaram ao rubro. Senti tudo na pele como se fosse eu a vivenciar. Vivi neste livro.
Este livro leva-nos a conhecer Adriana, a sua história, a sua luta, a sua força.
Adriana vive em primeira mão a violência conjugal. Após, por fim ao casamento com Alessandro, mal poderia imaginar que o seu pesadelo ainda mal estava a começar. A vítima seria agora o filho.
Entramos assim numa luta que parece nunca ter fim, onde tudo o que está certo parece errado e tudo o que está errado parece certo. Faz-nos realmente pensar se realmente há justiça.
Neste livro exploramos as dimensões negras da violência conjugal, da alienação parental e do abuso sexual.
Conhecemos e vivemos a luta de uma mãe pelo filho. A luta de muitas mulheres ainda nos dias que correm. Observamos a realidade de muitas mulheres que passam pelo mesmo. Este livro deu uma voz a essas mulheres.
Uma luta que parece infinita, a correr em processos de tribunal, em apoios psicológicos, em tudo e mais alguma coisa e depois os anos passarem e nada ser feito.
Uma leitura intensa. Absorvi cada pedacinho de ensinamento que este livro me deu, cada mensagem que me transmitiu, cada emoção que senti ao ler.
E sempre que me perguntarem que livro recomendo, a minha resposta será sempre Apneia.
Este livro é avassalador. Um livro que vai ficar, seguramente, na minha lista de preferidos do ano. Uma leitura intensa e compulsiva.
Nesta história conhecemos Adriana, que após sair de casa depois de 5 anos de casamento, luta pela guarda do seu filho Edoardo. Alessandro, o pai e ex-marido, não aceita e tudo faz para fazer tornar a sua vida num inferno.
É um livro que mexe com as nossas emoções. A injustiça e o nojo estão sempre presentes ao longo livro. A escrita da autora é tão envolvente que sentimos a constante angustia de Adriana e como mãe senti uma empatia tremenda pela personagem.
É um livro maravilhoso! Não se deixem enganar e assustar pelo tamanho.
Apneia é o primeiro livro que li da autora Tânia Ganho, apesar de já ter lido ótimas reviews de A Mulher-Casa. Apesar de se tratar de um romance gigantesco de 690 páginas, li-o em três fôlegos. Terminei-o compulsivamente de madrugada, e refleti sobre ele e acordei a tentar pôr as ideias no lugar.
Este é um romance sobre burocracia, sobre tribunais, autoridades, profissionais de saúde mental, e retrata a infindável luta de uma mãe pela segurança do filho. É um livro avassalador, que nos angustia e envergonha, que nos deixa frustrados e impotentes, envolvidos nesta espiral de desespero, de declínio emocional. É a história de uma mulher (mãe) no limite, mas também de uma criança manipulada por um pai sádico e do sistema que cede terreno para que o pai pratique os seus abusos psicológicos.
Conforme a sinopse indica, Apneia conta a história de um divórcio litigioso, e das lutas em tribunal pela guarda de uma criança. Adriana é pintora, e portanto sensível e fraca. Ela própria reconhece o seu lado subserviente, e torna-se assim a vítima perfeita para um homem manipulador e sem escrúpulos (provavelmente um sociopata) como Alessandro. Depois de anos a destruir a auto-estima da mulher, ele jura-lhe que vai deixá-la sem nada quando esta se atreve a pôr um ponto final no casamento. Como qualquer calculista, depressa compreende que o melhor modo de a destruir emocionalmente é usando o filho, Edoardo, como arma de arremesso.
A construção das personagens está muito bem feita. Adriana e Edoardo passam por várias fases ao longo da narrativa, há um crescimento dos dois, e foi precisamente a evolução de Edoardo, enquanto a disputa pela sua "posse" se arrastava em tribunal, que me manteve tão presa ao livro. Quanto a Adriana, exasperou-me muitas vezes. Apetecia-me sacudi-la, esbofeteá-la, passar-lhe parte da minha fúria e sentido de inconformismo, mas tive de entender que nem todas as mulheres dispõem de ferramentas para pararem o mal quando ele as toma como alvo. Como é sugerido no livro, quando não se sabe o que é o ódio, não sabemos como defender-nos quando nos odeiam (parafraseando).
O lado exasperante do livro é a surdez e a cegueira da Justiça face à questão da guarda deste jovem, decidida na barra do tribunal de menores. A frustração de sentir que falamos sem ser ouvidos, que esbarramos em autorizações, gente incompetente, prazos infindáveis, desprezo e falta de empatia, está muito bem descrita e rouba-nos o ar. Há uma sensação de urgência, de luta por sobrevivência, por paz, ao longo de todo o livro. Há uma Adriana que, apesar de nunca baixar os braços, se vai transformando num náufrago, despojada de vida pessoal, de tranquilidade para criar, de liberdade para se mover e para levar o filho consigo. A sombra do ex-marido priva-os de ar, mantém-nos suspensos do medo, do terror, da insegurança. Como dizia um investigador num programa sobre abusos domésticos a que assisti, violência doméstica é homicídio em câmara lenta, e não é preciso introduzir violência física na equação para comprometer a integridade física de uma vítima. Em vez de nódoas negras e abrasões, Adriana tem ansiedade, ataques de pânico, depressão.
A somar ao tema premente, desconcertante, e às personagens palpáveis, a autora entrega-nos a história com uma prosa magnífica. Maravilhava-me ao ler os seus parágrafos sobre as reflexões de Adriana, sobre os seus sentimentos e sobre o seu despertar da ingenuidade para a realidade da indiferença e do descaso. Tantas vezes pensei que, se este livro fosse editado em língua inglesa, com certeza seria um best-seller internacional e rapidamente adaptado ao cinema.
Acrescento ainda o retrato de Lisboa, da Margem Sul e "da ilha" como locais que me são próximos e palpáveis. Adoro ler romances com esta qualidade descritiva sobre paisagens que me são caras, que conheço e que vejo assim envoltas em poesia, em melancolia.
Atribuo 4,5 estrelas ao romance, e não 5, porque este livro esteve quase, quase a tornar-se um dos livros da minha vida. Tal foi o prazer e o envolvimento com que o absorvi, que o final não me satisfez e decidi arrumá-lo para o canto. Na minha cabeça, a história não terminou como a autora a escreveu, mas sim do modo como eu vinha imaginando nas últimas cem páginas. Não é do leitor "gostar" ou "não gostar" de um final, mas num livro que mexeu tanto com os meus sentimentos, que se tornou tão íntimo, antevi um final. Entranhei a lição, e por isso acarinho essas ideias que o livro plantou em mim, e que não se coadunam com as páginas que o encerram.
Livro obrigatório e escritora a seguir de perto. Recomendo sem reservas.
Uma história que me conseguiu manter inquieto, angustiado, sôfrego e em permanente tormenta. Um continuum de emoções ao rubro. Das primeiras às últimas páginas. Uma história capaz de desequilibrar o mais estável, de consternar o mais entusiasta e de devastar o mais resguardado, o ser mais edificado e sereno.
Esta leitura foi um desassossego. Desassossego quando antecipava o momento da leitura, pois sabia que a tónica, a julgar pelo que já tinha lido, manter-se-ia. Desassossego aquando da leitura, pois é um enredo que nos provoca isso mesmo - um enorme desassossego. Desassossego, após os momentos de leitura, pois ficava complicado esquecer o tópico dominante e o sentimento de revolta perdurava.
E o principal tema, a meu ver não é o divórcio, não é o divórcio litigioso, não é o divórcio litigioso envolvendo numa criança menor, não é a infinita luta processual nos tribunais, a indiferença, a inércia e, mais do que isso, a desumanização dos tribunais. Verdade, este livro, estas 700 páginas exploram tudo isso e muito mais… Além de um tema , que não indicarei, para não ser um spoiler, a cobardia é um fator predominante neste livro. Os constantes atos cobardes sobre os mais frágeis.
Não sendo um livro gráfico é um livro “incomodativo”, uma vez que persiste em toda a narração um clima constante de pesadelo, de violência psicológica sobre aqueles que jamais a deveriam sofrer. Uma luta que dura anos, sem fim à vista, destacando o lado negro da justiça.
Foi uma leitura esgotante. Por vezes, enquanto lia, dei por mim rígido, tenso, claramente uma resposta à incompreensão, à revolta do que lia. Um livro duro e cru na mensagem que pretendeu transmitir. Não digo que desconhecia a possibilidade de ocorrerem casos semelhantes. Digo sim, que a escrita de Tânia Ganho, fez-me vivenciar está história, acompanhando a luta esgotante de quem, injustamente, vê as autoridades que mais deveriam apoiar, descartar, desvalorizar e descredibilizar. A desumanização ao mais alto nível. As pessoas nunca poderão ser apenas números.
Um livro que não nos afugenta da realidade. Um livro onde facilmente nos colocamos no lugar das personagens mais frágeis e acompanhamos as suas lutas e nos sentimos esgotados.
O final pareceu-me algo “acelerado”, algo “deslocado”. Razão para não ter atribuído as 5 estrelas.
Apneia, que título também empregue. E não é que, por vezes, necessitava de relembrar o cérebro que tinha de respirar, pois estava a suster a respiração …
Uma leitura OBRIGATÓRIA a todos os pais separados, com filhos.
O título deste livro assenta-lhe maravilhosamente e descreve toda a minha experiência. Li-o de forma compulsiva, sem conseguir pensar noutra coisa, só a querer saber quando é que iria conseguir respirar novamente.
Apneia significa suspender a respiração. Foi a suster a respiração que li este livro e é com a respiração suspensa que esta mãe viveu grande parte da sua vida, aqui retratada.
Apneia é sobre uma mãe que, quando o filho tem 5 anos, decide sair de casa, na altura já sentindo que atingira o seu limite mas ainda sem saber o longo caminho que tinha de percorrer com o divórcio, com toda a violência conjugal e parental, com uma luta hercúlea com a justiça e mais muito mais.
Este livro conta-nos a história de uma mãe que luta pelo filho até às últimas consequências, uma mãe que anula a sua identidade e cuja vida gira à volta de ser 'mulher de' ou 'mãe de'. Tudo na vida da Adriana ficou em suspenso. Sobre a injustiça, a violência, a solidão, a vontade de desistir, a impotência, a descrença, a violência, a obsessão, a desconfiança, a mentira, sobre o remediar sempre ao invés de prevenir, sobre a inércia das autoridades, mas também sobre fé (embora poucas vezes) e sobre o amor incondicional de uma mãe por um filho.
A letra é grande, os capítulos pequenos, apesar do livro ser enorme, lê-se relativamente bem. Por vezes a repetição de tantos acontecimentos violentos semelhantes sufocou-me e cansou-me, no entanto, entendo perfeitamente a intenção da autora e a repetição foi necessária para caracterizarmos e interiorizarmos estas personagens tão fortes. Não é um livro que se leia de ânimo leve, é um livro que nos envolve e consome. É um livro que muitas vezes me pedia uma pausa. É um murro no estômago, tira-nos o fôlego, mas, ao mesmo tempo, é um livro fundamental e necessário, é um livro que tem de ser lido e que não passará certamente de forma desinteressada.
A história pode não ser real mas é baseada em várias histórias reais e é impossível ficar indiferente a este livro. Muito dificilmente me vou esquecer dele. E é por isto que só poderia ser um livro 5⭐️
Isto não é vida, não pode ser, não podem existir pessoas a viver anos e anos assim, a sobreviver apenas.
Este não é um livro de ficção qualquer, é um verdadeiro tratado sobre a violência doméstica e os abusos que ocorrem demasiadas vezes, perante a inércia ou o desinteresse cúmplice de uma série de atores e instituições cujo papel é totalmente desvirtuado e apagado pela borracha da burocracia e desse monstro chamado "sistema". É chocante a indiferença, é escandalosa sobretudo a incompetência despudorada com que os responsáveis lidam com as vítimas, escondendo-se atrás dos seus prazos, das suas vestes, da sua autoridade e da sua impunidade. Esta obra expõe, de forma certeira e inequívoca, a incapacidade das polícias, dos tribunais, dos peritos, da sociedade, dos poderes e dos grandes especialistas quando se trata de proteger as vítimas e afastar e punir os agressores. Aparece um ou outro que quer fazer a diferença, até ajuda numa certa fase, mas o resultado final é sempre o mesmo: o agressor é inocente até prova em contrário e as vítimas estão vivas até morte em contrário. E quando não se morre, os danos emocionais são incalculáveis. Ao longo destas páginas, percebe-se a sensação de apneia que se tem quando todas as ameaças são permitidas, desculpadas, desvalorizadas, subestimadas. Quando todo o mal é permitido. Quando o mundo está de pernas para o ar. Obrigada, Tânia Ganho, por este tratado tão bem escrito, tão bem documentado e tão tristemente real.
Foram 700 páginas que balançaram entre o sentimento de nojo, injustiça e aborrecimento. O meu estômago que o diga. Como eu odiei aquele homem! Apesar da fluidez dos capítulos curtos acho que se repetiram, talvez para acompanharmos o cansaço de quem passa por uma situação semelhante. O final não sendo aquele que esperava, também é rápido e distante da realidade que esta história conta. Foi talvez aquilo que mais me desagradou. Uma leitura que não conseguimos largar apesar do cansaço 🏊
7 de Junho de 2022 - já morreram 13 mulheres vítimas de violência doméstica este ano em Portugal.
A violência física e psicológica sobre as mulheres e as crianças é uma das feridas da nossa sociedade. Muitas dessas vítimas passam por processos traumáticos quando chegam aos tribunais. Há casos que se arrastam sem justificação, há tecnicalidades utilizadas pelos advogados que servem para parar a engrenagem que movimenta a justiça. Há muitas coisas que estão mal e devem ser faladas sem pudor e sem tabus.
Tânia Ganho escreve bem, isso é inegável.
Mas, e há sempre o maldito mas…criou três personagens com quem não consegui sentir qualquer tipo de empatia. Detestei-os a todos, a uns mais de que a outros. Há algumas situações que me parecem exageradas, principalmente no que toca à forma como os advogados falam com os seus clientes, como os juízes falam em sessões de tribunal e também como os psicólogos se comunicam com as alegadas vítimas. A Adriana só lhe aparecem pela frente maus profissionais. Caramba, é a lei de Murphy na sua plenitude. A juntar a isto a apatia que Adriana muitas vezes mostrava dava-me nervos. Do Alessandro não vou nem falar, é um FDP. São 696 páginas, e 300 páginas são pura palha, servem para criar a tal sensação de apneia, mas a mim só me cansou.
Sai um pontapé na boca para a mesa 1, um pontapé na cabeça para a mesa 2 e um pontapé os túbaros para a mesa 3. Só um é merecido. Vá, fora de eufemismos, brevemente a opinião completa.
Opinião: Aaaah! As saudades que eu tinha de ler Tânia Ganho! Alguma vez leram o seu romance Mulher-Casa? Foi essa obra que me introduziu à escritora portuguesa e desde então que volta e meia me perguntava quando teríamos o privilégio de um novo romance. Esse momento chegou em 2020, ainda estava eu a viver nos Estados Unidos, mas assim que aterrei em Portugal, passados poucos dias, o livro chegou-me às mãos. Que momento feliz! Melhor ainda foi ter partilhado esta leitura com uma amiga muito querida. Decidimos mergulhar juntas neste belo e arrepiante Apneia.
Apneia – suspensão da respiração (priberam).
Logo de início o título do livro faz todo o sentido. Tânia Ganho começa a narrativa com a descrição de uma situação que nos deixa logo em alerta para a evolução e potencial violência psicológica da história. Quando a premissa é violenta, o que nos espera na conclusão? O caminho que nos leva de um a outro fez-me lembrar uma caminhada numa floresta com trilhos íngremes, em que volta e meia temos vertigens e tememos pela nossa segurança, alternada com parcas e falsas sensações de descanso.
Sendo um livro longo, a mestria de Tânia Ganho pontuou-se na estratégia de optar por capítulos curtos e rápidos, alternando entre pontos temporais, motivando o leitor a manter-se atento. Durante a leitura, existem alguns elementos que se repetem como que para nos relembrar constantemente de padrões que merecem a nossa atenção. Apesar de ser uma história de cariz sério, pesado e violento, a verdade é que após o início agressivo, temos um intervalo emotivo de algumas dezenas de páginas, em que Tânia Ganho vai lançando todas as sementes necessárias para a certa altura se iniciar uma subida íngreme, sem forma de voltar atrás, de apneia constante, que nos revolve o estômago e nos desarma.
Sem mais rodeios, Apneia é capaz de ser um dos romances mais necessários na literatura portuguesa devido à forma como expõe um dos maiores problemas da nossa sociedade – abuso doméstico e infantil. E há aqui um ponto muito importante que se relaciona com a noção que temos de violência e abuso. Quando se fala de violência doméstica ou abuso, a grande tendência é associar-se esses conceitos a um sinónimo de agressão física. A história de Adriana e Edoardo vem mostrar-nos, precisamente, como é que sem haver evidência de violência física podem perpetuar-se abusos psicológicos que destroem qualquer sentido do “eu”, qualquer sentido de autopreservação, havendo uma alienação e um percurso de submissão inconsciente.
No seu romance anterior, o Mulher-Casa, a escritora portuguesa já tinha explorado uma relação mãe-filho que muito me impressionou. Não sou mãe, portanto há coisas que só posso imaginar. Em Apneia, é difícil conceber colocar-me nos pés de Adriana. Os pensamentos irracionais que me passaram pela cabeça à medida que avançava na leitura fizeram-me crer que nunca ninguém, jamais, por mais forte que seja, estará alguma vez preparado para a imprevisibilidade que pode ser ter um parceiro/a com as características psicológicas e de personalidade de Alessandro. Mais, o sentimento de impotência sempre tão latente é desconcertante.
O abuso psicológico constante, o bullying, o gaslighting, e outras técnicas de deturpação de personalidade do próximo, deixam marcas para uma vida. Foi difícil aceitar que, por vezes, psicólogos e psiquiatras testemunhos destas situações decidam lavar as mãos e retirarem-se dos processos por serem litigiosos. Compreendo que haja intimidação por parte de intervenientes envolvidos, mas não lhes cabe eles, perante o juramento que fizeram, denunciar todos os riscos que lhes saltam à vista? Quanto vale a saúde psicológica de uma criança, com todos os riscos que a mesma acarreta para o seu desenvolvimento e formação de personalidade enquanto adulto?
O outro ponto fundamental deste romance, que me enfureceu de início ao fim, é a descrição do processo judicial, tanto de divórcio como de custódia de um filho, que é completamente desumanizador. Tendo a escritora feito um estudo profundo e apurado, com testemunhos de quem passou por situações semelhantes, de como tudo se processa, é revoltante ver um sistema a funcionar tão mal e que é tão enviesado pelos preceitos que se tem do papel do homem e da mulher numa família e na sociedade. É completamente revoltante e aberrante que este tipo de processos se arraste por tanto tempo sem garantir qualquer tipo de segurança aos intervenientes, muito menos às crianças.
“As palavras afiguravam-se-lhe sempre aquém. Insuficiente perante a dor. Como se a dor fosse incompatível com a articulação da linguagem. Com a ordem. A dor era o caos e o caos não obedecia à gramática, a regências, concordâncias, tempos verbais. Tudo era presente; o passado e o futuro transfiguravam-se em presente. Se escrevesse, seria para dizer << Eu sou a minha dor >> e não era verdade, ela era muito mais do que a sua dor, até porque havia uma hierarquia e a sua ficava longe do topo da pirâmide. Existiam dores tão piores, recordava a si mesma, e enumerava-as, para se lembrar de que a sua era suportável. Mas não era compatível com palavras.”
Destaco esta citação porque, honestamente, poderia escrever muito mais, mas nada do que estou a escrever me parece suficiente para fazer jus à palete de emoções que fui sentindo. Um pormenor lírico belíssimo, que ainda não referi aqui, foram as referências literárias e artísticas ao longo da narrativa, reforçando a vulnerabilidade física e mental retratados na pele da personagem de Adriana.
Para terminar, a última parte do livro foi extremamente dolorosa de ler. Se houve dias em que só consegui ler poucas páginas, para o fim já lia madrugada fora, tentando de alguma forma arranjar cenários mentais para salvar uma situação impossível. O fim, em si, a situação com que Tânia Ganho decidiu fechar o livro, é um fim à filme, mas que, a meu ver, tenta dar alguma esperança a Adriana e Edoardo.
Foi dureza, mas valeu a pena. Obrigada, Tânia Ganho, por nos trazeres esta obra e que a mesma possa inspirar e incentivar todas as componentes envolvidas a agirem e a fazerem-se ouvir.
Mergulhei de súbito neste livro. Não podia ter outro título, que não este, Apneia. Navega-se em águas profundas, volta e meia é preciso vir à superfície, respirar. Ganhar lanço para novo fôlego. Não me recordo de ter lido tantas páginas em tão pouco tempo. Não me lembro de uma narrativa me ter transmitido desta forma o desgaste emocional infligido às suas personagens Adriana e Edoardo. É um romance tremendo, assombroso. Numa sociedade que continua a ignorar a vítima, e os sinais revelados pela mesma, estendendo o tapete à manipulação do agressor, Apneia deve tornar-se uma leitura urgente, uma leitura de consciencialização para a realidade e magnitude da violência na família e dos meandros dos corredores dos tribunais de família.
"A arte de sobreviver não passa pelo esquecimento; consiste em aprender a viver com o que magoa e, aos poucos, ir desmontando a dor e separando os seus componentes como quem desarmadilha pacientemente uma bomba. Um dia, sobrarão apenas as peças, arquivadas em caixas."
Obrigado pela coragem e parabéns por este livro, Tania.
Perturbador e inesquecível. TG é uma escritora maravilhosa com uma escrita bela que consegue esmagar-nos o coração com esta história cruel, tão humana e desumana.
Uma crítica voraz, bem merecida, ao Sistema Judicial português e a todas as classes profissionais envolvidas nos processos de regulação das responsabilidades parentais. Tânia Ganho deu voz aos profissionais sérios e empenhados nestas causas, porque, como se vê, felizmente os há.
Uma história que promete e que, de certa forma, necessitava que ser colocada na literatura nacional. Adriana e Alessandro estão divorciados e lutam pela guarda do filho, Edoardo. Assistimos à luta, desde as vitórias, às derrotas, ao sofrimento de uma mãe que faz sempre o que lhe parece melhor para o filho. Temos também uma noção do mal que estas separações e litígios fazem a estas crianças e facilmente colocamos a dúvida de como será este adulto.
O que ao início parece ser uma vingança sobre a ex-mulher, acaba por ser algo muito maior. A maldade e a frieza de Alessandro em relação à ex-mulher, bem a utilização do filho como arma de arremesso têm um objetivo que só vai ficando claro aos poucos e ao fim de muitas e muitas páginas. Acredito que as lutas em tribunal sejam morosas e delicadas, mas achei que esta história tinha páginas a mais. Confesso que não li quase nada entre, aproximadamente, as páginas 200 e 500 porque é mais do mesmo.
A partir de mais de meio é que a história começa a ganhar um novo vigor, mas sempre pautada da mesma cadência. Algo que também me deixou reticente e que acho que fez com que esta história fosse menos interessante foi o facto de Alessandro e Adriana serem de classe social média-alta. Penso que todos temos noção que as custas judiciais, advogados e afins, não são coisas nada baratas, e sendo estes de uma classe social com rendimentos elevados (Alessandro inclusivamente é rico e Adriana vive dos quadros que pinta das suas exposições) faz com que tudo se torne menos difícil financeiramente falando. Na minha opinião, poderia ter sido criado algo mais ajustado à realidade portuguesa, que sinceramente não me parece ser esta.
O final fez-me definitivamente perceber que tudo terminou de forma demasiado abrupta e facilitada, comparando a toda a história contada antes.
Em suma, temos uma boa escrita, por vezes um pouco floreada, mas certeira. Tive uns pontos que me desagradaram e que acho que poderia ter sido melhor.
Recomendo este livro sobretudo a mães. Talvez elas entendam melhor algumas situações que eu.
É raro quem consiga ficar em apneia mais de dois minutos. O recorde mundial está nos dezanove. Adriana ficou quase dez anos sem respirar.
Esta é a história de um casal, Adriana e Alessandro, e do seu filho, Edoardo. É a história do seu divórcio e da batalha judicial pela guarda do filho. Fala-nos dos meandros da justiça, do constante protelar das decisões, da exposição da vida privada num tribunal, da falta de escrúpulos que pode suceder numa disputa por um menor. Do desespero dos meses, anos que passam sem uma decisão e a constante aflição em que vive uma mãe cujo filho é objeto das mais sórdidas lutas de poder.
Mais. “Apneia” constrói uma super-mulher. A dependente e despreparada Adriana amadurece ao longo do livro de forma surpreendente, tal como Edoardo. Acompanhamos o percurso de uma criança de 5 anos até ser um adolescente de 14 e ficamos felizes pela forma como aquele rapaz cresceu.
No entanto, “Apneia” não é um livro sobre um divórcio e uma disputa judicial. Fala-nos da mais recôndita emoção humana e da mais elementar também. Dá-nos um retrato da vida como ela é e está muito bem escrito. O trabalho da autora não foi só escrever. Foi pesquisar, falar, traduzir emoções. Imagino a carga emotiva com que Tânia Ganho terá escrito estas páginas.
O livro transparece todas estas emoções. É uma leitura galopante, nós vivemos dentro daquele mundo e encontramo-nos naquelas pessoas. “Apneia” é uma obra completa.
O trauma é um ruído com que as vítimas vivem de manhã à noite, o ruído da violência sempre presente, ao acordar, ao deitar, e pelo meio, a tentativa de ser normal. A normalidade ansiada e que, a cada momento de insegurança ou frustração, se percebe que está longe de ser uma realidade. (p. 618)
Foi a minha primeira leitura da autora. Quero dizer, da autora, ela mesma, pois já a tinha lido em várias (boas) traduções de outros autores. Devo ter escrito por aqui alguma vez, como me urticam os romances escritos sobre as grandes ‘causas’ do momento… neste caso: violência(s) domésticas. Mas Tânia Ganho é completamente credível na forma como nos comunica o seu posicionamento e genuína na mensagem de denúncia que transmite. Apetece voltar a citar o incipit de Anna Karenina, a famosa frase de Tolstói, sobre as famílias felizes: que todas se parecem; ao contrário das famílias infelizes. Cada vez me parece mais que, os nossos tempos, invalidaram a frase, o que não é, necessariamente, demérito de Tolstói. Mas são as famílias infelizes, mais resultado de uma gestão descabelada e extravagante das expectativas, alicerçada em likes de redes sociais que se acumulam em pirâmides por onde trepa com facilidade uma violência, talvez inata, muito mais do que em escolhas inteligentes e common sense, que em tudo se assemelham. De regresso ao livro. Apneia, excelentemente bem escrito, é um périplo por um universo de sordidez e violência, principalmente psicológica, desvelado com mestria. A autora leva-nos pela mão ao longo de um percurso que, a ter algum defeito, e será o único, é ser longo, muito longo. A partir de determinado momento da narrativa, que não vimos chegar, a progressão torna-se nauseante, os pés arrastam-se num chão lamacento e a dificuldade em continuar torna-se aflitiva. É prova do talento da autora e do conseguimento do objectivo dos arcos narrativos, levar o leitor a comprazer-se com 700 páginas progressivamente incómodas, e raiando o insuportável. Salva-nos um fim redentor, oportunidade para subir à tona e respirar ar fresco, com sofreguidão. Um livro excelente.
(...) A história de 'Apneia' foi pensada e escrita de forma cirúrgica; cada acontecimento é dado a conhecer ao leitor na página certa. Tânia Ganho é uma escritora talentosa que ganha o sustento como tradutora, mas (se não estivéssemos em Portugal) deveria escrever a tempo inteiro e ver os seus livros traduzidos para outros idiomas, principalmente este 'Apneia', que tem um grande potencial para chegar a um público vasto, pelos temas emergentes que de forma extraordinária aborda e atira para cima da mesa para reflexão. Esta história intensa e perturbadora – às vezes temos de fazer uma pausa na leitura e suster a respiração por breves momentos – tem também toda a viabilidade para ser transposta para o cinema; todos os ambientes onde ocorre a narrativa são plausíveis de serem filmados, principalmente a ilha onde a protagonista da história procura refúgio. 'Apneia' revela que a autora fez um primoroso trabalho de pesquisa sobre os diversos assuntos trazidos à tona, ao longo da trama. (...) http://silenciosquefalam.blogspot.com...
Este é, sem dúvida, um dos livros que mais sofri a ler. A carga emocional que implica lê-lo e senti-lo é imensa e, na minha opinião, não deve ser lido em grandes doses, primeiro porque afecta o leitor, segundo porque importa interiorizar a mensagem lentamente, tal como Adriana, a nossa protagonista, foi obrigada a passar lentamente por esta provação…
Tenho pena de não ter gostado tanto quanto esperava. No início vi-me sugado pela escrita, queria lê-lo sofregamente—capítulos pequenos, narrativa intrigante! Mas quanto mais lia, mais perdia a força para continuar. Se por um lado admiro a coragem de contar esta história, e parabenizo uma voz literária tão firme, não deixo de sentir que estávamos em constante repetição e sofrimento, para depois culminarmos num fim abrupto, desligado. Quero pensar que tudo é propositado, que a forma está interligada com o conteúdo com um intuito (e consigo fazê-lo), mas ainda assim não será um livro que lerei de novo. Fico curioso por mais histórias da autora.