Cidades não reaparecem do fundo de lagos todos os dias. Quando a seca do Cerrado revelou Alto do Oeste, cidade que ficou submersa no início do milênio, Kênia Lopes soube que precisava fotografar as ruínas, como se em busca da resposta para uma questão jamais respondida: o que faziam os moradores enquanto aquele pequeno apocalipse se aproximava?
Esta exposição reúne os relatos e rostos que Kênia captou em uma investigação que mudou dramaticamente o foco de seu trabalho, justamente por ter sido um projeto tão pessoal: Kênia crescera em Alto do Oeste. Conhecia todas as pessoas que retratou.
Uma professora de História obstinada em preservar memórias. A jornada artística de um grafiteiro. Um padre náufrago. Um argentino tentando entender um idioma cheio de ruídos e feridas. Uma jovem escrevendo o fim do mundo enquanto ele acontecia. Em cada história, a tragédia do povo alto-oestino apresenta-se como um espelho que reflete as tragédias que se infiltram em nosso cotidiano, nos buracos abertos pelo abandono e pela violência.
As fotografias de Kênia, como se fossem pinturas encontradas em uma caverna, parecem exigir a participação do nosso olhar para buscar as respostas. Se a verdade desaparece no instante em que é registrada, como podemos determinar o que realmente aconteceu? As galerias a seguir nos provocam com um lembrete: se uma cidade inteira pode afundar, talvez a memória seja o único lugar onde podemos permanecer.
Aline Valek é escritora e ilustradora. Mineira-brasiliense, vive em São Paulo, mas é do Cerrado. Formada em Comunicação Social, escreve para a internet há mais de uma década e publica de forma independente desde a adolescência. Além de newsletter, zines e livros, também conta histórias em seu podcast Bobagens Imperdíveis. É autora dos independentes Hipersonia Crônica (2013), Pequenas Tiranias (2015), Bobagens Imperdíveis para ler numa manhã de sábado (2018) e Bobagens Imperdíveis para atravessar o isolamento (2020). É autora do romance As águas-vivas não sabem de si, publicado pela Rocco em 2016.
Sem palavras para expressar a qualidade dessa história.
A sinopse diz tudo que você precisa saber, mas aí vai um resumo: Alto do Oeste, uma cidadezinha do Cerrado brasileiro, afundou em um lago. Pois é. Um pouco de cada vez, até que não havia mais cidade. Só que agora veio a seca, e, com ela, as ruínas da cidade. Moradores antigos também decidiram voltar. É mais ou menos o caso de Kênia, uma fotógrafa que resolve investigar a vida dessas pessoas. Entre histórias passadas e tentativas de compreender o inexplicável, "Cidades afundam em dias normais" apresenta uma narrativa sobre os ciclos da nossa vida que ficam em abertos e precisam ser encerrados ou continuados em algum momento.
Eu gostei muito desse livro. Muito. Primeiro motivo: a escrita.
"A fórmula do sensacionalismo estava ao seu alcance: turismo da desgraça era um nicho com alta demanda, e Alto do Oeste estava bem servida nesse quesito. O cenário de destruição, as pessoas vivendo em situação primitiva, as histórias de gente que perdeu tudo naquele lugar, a oportunidade de debater o abandono do poder público e de investigar as consequências das mudanças climáticas naquela tragédia. Estava tão fácil!"
"Para quem olhasse bem, havia algo de cansaço naquela paciência. Cansaço de ter sua história e suas origens vistas como uma narrativa exótica que só valeria alguma coisa quando contada por esse olhar de fora. Como se as pessoas dali fossem incapazes de contar elas próprias suas histórias; mas, em geral, os outros realmente esperavam muito pouco de uma gente que deixou uma cidade inteira afundar."
O livro inteiro tem essa narrativa uniformemente incrível. Em nenhum momento ela perde a força. É sempre muito bem feito.
Segundo motivo: os personagens e suas histórias.
Aqui temos não só a história de Kênia buscando entender o que aconteceu com essas pessoas, mas as próprias pessoas narrando suas vidas. A força de cada uma delas e o jeito que elas são amarradas na trama é surpreendente.
Terceiro motivo: literatura nacional.
E falo isso porque nessa história temos elementos muito brasileiros, que só deixa ela melhor. É uma história que até poderia ter acontecido em outro país, mas não do jeito que aconteceu aqui. Cada detalhe sobre as escolas públicas, o descaso governamental, a economia, a reação das pessoas... Tudo é tão próximo da gente. Fico muito feliz em ter encontrado esse livro.
"Sim, [os romances estrangeiros] estavam cheios de personagens com a nossa idade, mas pareciam se passar em outro planeta. No mundo desses livros, a pior coisa que podia acontecer era o menino bonito começar a dar bola para a amiga da personagem principal. Nessas histórias, os colégios têm armários, as pessoas passam férias em lugares que nevam e as garotas fazem festa de debutante."
"Difícil no Brasil era haver quem soubesse de qualquer nome anterior ao dos seus avós. Às vezes nem isso; às vezes nem o do pai. Era uma terra de árvores genealógicas curtas feito arbustos, de gente que brotava da terra, quase. Como mandiocas. Sem passado, sem memória, arrancadas da terra e depois aparadas com golpes duros de facão."
Quarto motivo: o jeito que a história é contada.
O último capítulo explodiu minha mente. Não é um plot twist, mas algo que prova a inteligência da autora em usar cada detalhe da trama ao seu favor. Você vai entender quando você ler.
Quinto e último (poderia ficar citando mais, mas estou cansado) motivo: João Victor.
Li esse livro, como quase tudo que venho lendo recentemente, com o João. Isso me dá perspectivas novas e penso em muita coisa que geralmente deixaria passar. Com certeza foi um livro mais incrível por causa dele.
Ainda estou atordoado. Esse é o livro que eu gostaria de ter escrito. Ele fala sobre o Brasil dentro do Brasil, fala sobre adolescência, memória, sobre apagamento e crescimento. E a prosa da Aline é deliciosa de se ler.
Uma grande chuva fez o lago transbordar e a cidade Alto do Oeste afundou, coberta pela inundação. Anos depois, Kênia, atualmente uma fotógrafa trabalhando em parceria com o jornalista independente argentino Facundo, retorna à cidade, que emergiu da água após muito tempo, e se reencontra com seu passado.
Embora ouvinte do podcast Bobagens Imperdíveis já há alguns anos, assinante da newsletter e apoiador da Aline Valek, essa é a minha primeira experiência lendo sua prosa. E não me surpreendi ao descobrir que é uma prosa muito poética, com uma grande preocupação com a escolha das palavras, mais interessada em provocar sensações e reflexões no leitor do que em narrar uma história complexa.
A experiência de Kênia me fez lembrar da minha própria adolescência, dos anos de colégio e as relações da época com os amigos. De como fazemos bobagens quando somos imaturos. A relação entre Kênia e sua amiga de adolescência Tainara é o cerne da obra pra mim. Numa mistura muito sutil de presente, recordações da própria Kênia, relatos dos habitantes de Alto do Oeste e a leitura do trabalho de memória de Tainara, vamos aos poucos trafegando nas lembranças e nos envolvendo pelas personagens.
Cidades Afundam em Dias Normais é um livro extremamente bem-escrito e editado, com cada palavra minuciosamente em seu lugar, com capítulos estrategicamente posicionados para provocar sensações. E o melhor foi ler com a voz da Aline na cabeça, como uma narradora onisciente me guiando.
comecei a ler achando curioso e extremamente Centro Oeste mas aí a história toda bateu de um jeito que só passando a adolescência em uma cidade de onde todo mundo quer sair pra saber
Este livro mexeu comigo. Demorei para escrever justamente por isso, precisei mastigar um pouco a leitura. É uma história que pesa no dadaísmo brasileiro cotidiano que tem dificultado a vida de comediantes e pessoas que escrevem ficção. Porque não tem o que inventar: a nossa realidade aqui é criativa e absurda demais. E este livro é ficção (mas pode ter acontecido também, ou quase igualzinho).
A autora preza por toda uma simbologia que dá pano pra manga na história. A cidade afogada, a volta da cidade coberta de lama laranja úmida, as presenças de quem morou ali, e esses elementos são apenas o começo. A costura da história enumera objetos, espaços arquitetônicos e vistas; a narrativa acomoda as lembranças como camadas das ruínas da cidade. Logo no começo já fica claro que as janelas para o passado de quem viveu ali estão fechadas, as pessoas superaram, seguiram suas vidas, mesmo que tenham voltado são outras pessoas. O único caminho aberto para o que aconteceu é o relato de Tainara transcrito do caderno que ela fez para a feira de ciências. É o documento histórico que pontua a linha do tempo até o afogamento oficial da cidade.
As ondas de apagamento e sangue que aparecem nas falas da Érika Xavante foram meus momentos favoritos no livro. Crushei pesado na professora: suas performances são ótimas e me apaixonei pelo seu domínio sobre a própria narrativa. Érika tem o poder de se recusar a morrer. Amei isso. Vejo o mesmo poder nos olhos de ativistas indígenas que tem conseguido alguma visibilidade nesses tempos de morte: Ailton Krenak, Sônia Guajajara, Katú Mirim, pra citar algumas das pessoas que tenho acompanhado.
Me pegou de jeito uma sensação de conversar com minha avó-drasta no bar dela. Nem fiz isso tantas vezes na vida. Mas conhecer uma vizinha nova ali de Osasco, ouvir causo de estranhos que são conhecidos ali na hora (mas já são de casa)... isso bateu como uma perda dolorida de novo. Saudade de puxar papo no bar, qualquer bar. É uma dor nesse buraco de sociabilização próxima e cotidiana que a gente tem observado em tempos pandêmicos.
Recomendo essa leitura para todos, sem restrição, todo mundo que eu conheço está precisando de uma história como esta. Reforçou minha admiração pelo trabalho de Aline Valek.
{2,5} tem uma coisa de cair em lugar comum da internet, de jogar pra torcida demais, de fingir profundidade com frase de efeito, frase feita, pra soar despretensiosa, que pra mim não colou. achava isso do as águas-vivas tb, mas lá tinha os capítulos das criaturas marinhas e tal que eu curtia muito, acho inclusive que a valek dá uma voz mais interessante a criaturas não humanas. quem sabe faltou aqui o lobo-guará pra além das lentes da kênia?
Que livro duro e sensível ao mesmo tempo. Fantasioso e muito real. Melancólico mas otimista. Tem vários elementos que me pegam de jeito: narrativa fragmentada, personagens interessantes, uma amizade feminina complexa no cerne da trama, reflexões sobre memória e sobre o que é lar e o que é partir. As cenas sobre a adolescência das personagens conseguiram me absorver e me fazer voltar umas décadas. Se tenho algum porém, foi uma certa dificuldade de me conectar com uma das personagens principais, Kênia, que me pareceu se proteger demais por trás de frases bonitas e reflexões. Por mais que essa seja uma característica da personagem (criar barreiras pra não deixar ninguém entrar), por vezes me soou exagerado e me fez sentir falta de entendê-la melhor. Mas no geral, uma delícia de ler. Eu já tinha adorado As águas vivas não sabem de si, e muitos temas e elementos de que gostei aparecem aqui, com uma evolução visível da autora.
A leitura fluiu muito bem até uns 50, 60%. Achei que a partir daí, o enredo começa a dar voltas em torno de si mesmo. Não dá pra negar que isso colabora com o cenário de melancolia e a sensação de parar no tempo que Alto do Oeste nos dá desde o começo. Gostei muito do final. Até chegar na história da mochila, estava preparada para dar um 3,5, mas o final me ganhou muito. E acho que o que me ganhou nesse final foi o pensar diferente da Aline, que vejo muito mais presente no Águas-Vivas. É ser pego no contrapé, de começar a ler um capítulo e pensar "epa, que que eu to lendo aqui?". É bom ler coisa esquisita de gente um pouco doida.
ter lido esse livro enquanto meu próprio chão desapareceu talvez não tenha sido uma boa ideia, pois torna todo o percurso mais doloroso do que imersivo.
quanto à capacidade de aline valek para contar história não tem nem o que questionar. são muitos jeitos de narrar, muitas pessoas envolvidas e aquela cidade ali, sendo engolida pela água enquanto tudo se coloca numa aparente vida normal.
o formato casa muito bem com o tema, e o leitor se sente folheando um álbum de fotografias ou assistindo a um documentário sobre os (ex) habitantes de uma cidadezinha que acabou de desafogar. memórias guiadas, e no meio disso um diário. aqui o estilo se trai ao não variar de um narrador para outro, a terceira pessoa vazando na primeira através da qual fala uma adolescente segura demais da própria voz — sua precisão aponta para fora, não para dentro. além disso, alguns problemas do romance de estreia da autora a perseguem neste. a caracterização asséptica é enfatizada pela fugacidade dos capítulos, visto que não passamos muito tempo com os personagens, os quais formam mais uma colcha de retalhos que uma corrente de eventos. o leitor é colocado de frente para as fotografias, não dentro delas, de forma que não há ninguém para amar ou odiar profundamente. se por um lado o enredo dessa vez se faz mais nítido, por outro caminha rumo à decepção, pois nenhuma relação se prova tão intensa, nenhuma morte tão trágica quanto o esperado. e o que foi aquele chuvaréu enchendo o lago por anos a fio até finalmente encobrir a cidade? cidade esta grande o bastante para a violência correr solta, mas não o suficiente para sobreviver a tal dilúvio. eu, como leiga, fiquei esperando explicações. dito isso, adoraria ler algo mais distópico assinado pela Aline. para quem gosta de metalinguagem e de apreciar esqueletos.
Já acompanho o trabalho da Aline há anos na internet, mas foi a primeira vez que li um romance dela. Foi muito impactante ler esse livro no ano em que tivemos a tragédia no RS e na semana em que a NASA liberou a pesquisa falando que o Brasil pode ficar inabitável até 2070. Aline descreve muito bem o sentimento que é ver o mundo acabando mas ter que continuar vivendo, onde a vida não para, mesmo que nada esteja mais no lugar. Os capítulos são bem curtos, o que me fez engolir esse livro. Sempre ficava curiosa para saber o que ia acontecer depois. Também gostei bastante da maioria dos personagens, principalmente da Tainara. Em alguns momentos achei que ela usou muitas frases de efeito ou que as opiniões que alguns personagens expressavam não eram exatamente deles, mas sim da Aline. Também senti falta de um final um pouco mais amarrado, mesmo entendendo que a intenção não era mesmo ter um final fechadinho. Mesmo assim, foi uma experiência muito boa.
esse livro é uma experiência muito doida entrei achando que era uma coisa e me empolguei daí me frustrei um pouco e comecei a ficar entediado mas as últimas páginas são simplesmente BRILHANTES e me deram um tapa na cara tão forte por tudo que pensei durante o momento de “tédio” nessa leitura não dá nem pra explicar direito o que é essa história como leitor, estou chocado como (quase) jornalista, estou apaixonado LEIAM
ficava ansioso em ver o desfecho de cada capítulo porque sempre trazia uma amarração muito bem construída. achei o final meio meh, mas amei o desenvolvimento da história
Meu primeiro encontro com a Aline foi na sala de espera da minha analista, onde se escondiam timidamente alguns exemplares de Bobagens Imperdíveis. Foi amor à primeira vista pelo seu jeito único de misturar fantasia, reflexão, delicadeza e graça. Hoje ao terminar este livro, três anos depois, me sinto tão encantada e tocada quanto na primeira vez que a li. Essa é a mágica da Aline. Ao mesmo tempo em que aquece a alma brasileira com odes a pão de queijo e Racionais MC, ela nos faz mergulhar nas nossas próprias profundezas, junto com uma cidade inteira, para depois emergir com a sensação de estar em transformação. Cidades Afundam em Dias Normais é um livro sobre o tempo, sobre relações, sobre a vida, sobre fissuras, sobre fotografia, sobre o cerrado, sobre o Brasil, sobre a América Latina e sobre ser humano tentando existir em um mundo caótico, frágil e sem certezas.
I think I like the story/plot more than the actual reading of it. I kinda of lost track halfway through it, I could barely pick it up to finish reading it, but I did now a month later I still have fond thoughts about it. I might like her short stories and articles style a bit better tho.
Mais uma vez fui movida pelas palavras da Aline Valek! Que história! Ou melhor, que histórias! A leitura fica mais magnética a cada página...me senti de fato percorrendo as ruas da cidade afundada e assistindo projeções sobrepostas de memórias. Sentimentos e tempos não voltam, mas não deixam de existir.
Que alegria ler um livro assim, que felicidade viver na mesma época que essa escritora. <3
É o primeiro livro da Aline que leio, depois de por muitos anos acompanhar as newsletters dela. Eu amei esse livro de tal maneira que, quando fazia uma pausa, ansiava pelo momento de voltar a lê-lo. A escrita cria imagens que ficam com a gente, e mostram um Brasil com gosto de Brasil que não é todo autor que consegue capturar. Dei só 5 estrelas porque não posso dar mais.
Aline Valek escreve muito bem! Leitura leve, agradável e ainda com reflexões profundas. Um revisitar do passado para as personagens, mas que permite fazer paralelos com a adolescência de praticamente todo mundo. Recomendadíssimo!
Que livro! Aline, sempre habilidosa com as palavras, me envolveu de um jeito com essa história que ela parecia saltar das páginas. Ler esse livro foi uma experiência tão profunda quanto o rio que engoliu a cidade.
Gostei muito da escrita da autora, mas algo na história não me cativou muito. Gostei da atmosfera, da maioria das personagens, até do enredo. Mesmo assim, algo ficou faltando e eu não consigo apontar ao certo o que foi.
Eu AMEI este livro. A história é tão diferente de tudo o que já li, mas ao mesmo tempo trata de temas universais. É escrito em uma linguagem simples, sem enrolação, mas com momentos muito belos e profundos. Agora quero ler outras obras da autora!