acabei o teu voo desacompanhado de deuses e acabo de me lembrar do final do meu poema "janelitude" do tesserato em que também falo de deuses que não nos prestam atenção o que importa é que eu voei contigo mesmo que digas que não estás mais neste livro e ao contrário de ti sublinhei tudo que importa e até escrevi a certa altura PORRA GALEOTTI! porra galeotti, que coisa imensa que imensidão em teus poucos anos
"vejas mas seja com meus olhos desta vez" sim?
"ama as coisas como amam os poetas as palavras não ditas não há outra explicação que não existir amor" - mesmo que amar e não amar seja no fundo a mesma coisa e eu ainda não saiba o que isso quer dizer mas sei que quer dizer alguma coisa -
"tenho medo de perder esta tristeza e não mais escrever" ah, galeotti, a tristeza sempre volta, eu te garanto tudo que a ela foge só a está preparando mais refinada e, depois, nem tenhas medo de não escrever às vezes vai ser necessário ser terreno árido e tudo bem escrever e não escrever às tantas deve ser a mesma coisa também
o que faltou nos nossos poemas e dentro dos nossos sapatos me parece a melhor pergunta destes anos vinte
"ainda há de existir algo nas mãos" e tomara que não sejam só as ausências "tudo jaz, tudo jazz" tu que inventaste a poesia pra morrer em paz diz-me: é possível esquecer o próprio rosto se ficarmos mais de seis dias sem o olhar no espelho? um ano será suficiente como no meu conto "estendal"? acho que vou precisar disso estou no "silêncio do último vagão" e tudo que não sei é porque ainda insisto "acho que a maior tristeza de um poeta é quando não há mais nada a ser dito" pior é a do amante mas pensando bem tu estás certa o amor não existe e a poesia sim, essa é que é essa
"a vida me fez uma festa mas eu não consigo acompanhar são os meus pés ou os teus que foram rápidos demais?"
eu não sei, mas tu és uma festa, galeotti tu és uma festa e eu não consigo acompanhar-te
"o tempo já passou do tempo quanto tempo até você notar que eu não volto?"
mas eu volto, sim eu nunca volto mas desta vez eu volto.
"não lembrar a ordem das coisas te levar para a viagem sem ouvir a tua voz notar que algo está errado e ao mesmo tempo não perceber"
"não lembrar a ordem das coisas" não lembrar a desordem das coisas eu acho pior, eu acho pior
"porque eu apenas morria e morria e ninguém estava inteiramente vivo para perceber" foi exatamente isso, porra! é por isso que eu preciso me desordenar tirar os lugares das coisas e as coisas dos lugares urgentemente
"por que as palavras não acabam? se ao começo deste poema eu já estava no meu mais doce e trágico fim?"
eis que você acaba de inventar a técnica de não morrer: escrever mais um poema.
lembrou-me a técnica de respirar que lancei no outono azul a sul naquele poema que fala de santa teresa e almodóvar
lembrou-me amália se fechando num quarto de hotel em nova iorque para se matar e adiando o momento porque queria ver mais um filme de fred astaire e mais um, e mais um
quantas técnicas mais inventaremos para continuar?
"não se pode atravessar uma palavra não dita" (a tal que os poetas amam?) e por isso às vezes até isso se inventa uma palavra não dita de tanto que se quer continuar de tanto que se quer atravessar de tanto que se quer respirar de tanto que se quer de tanto que
"definitivamente teus olhos perderam a cor e a minha ausência foi o último momento em que estaríamos a sós" - PORRA, GALEOTTI!
"esta é a hora do real desespero quando um poema está no chão ao lado de um corpo e você não sabe qual corpo sangra mais"
eu estou caindo e não posso pensar em ninguém, acredita em mim.
como vês não escrevi o conto que me pediste mas foi porque precisava sublinhar-te toda
morremos, morremos e ninguém está inteiramente vivo para perceber mas nós estamos, eu tenho certeza que nós estamos
assim como eu tenho certeza que eu volto eu prometi isso ao posto 5 hoje de manhã e uma copacabana não se acaba assim.