As obrigações de uma carpideira vão além de prantear os mortos. É preciso purificar pecados, libertar mágoas, guiar a alma até a beira do mundo — um trabalho proscrito e desgastante. Para contornar isso, uma carpideira manipula seus filhos adotivos: Suindara, a quase-mulher quase-coruja; e Carcará, o quase-homem quase-falcão — gêmeos de forças opostas, tanto em aparência quanto em princípios. Mais eis que surge uma alma que a garganta carniceira de Carcará simplesmente não consegue digerir — e a relação conturbada entre mãe e filhos é colocada à prova quando a minúscula cidade agreste de Serrita vivencia uma febre do ouro.
Fernanda Castro escreve, traduz, prepara, revisa e mata um leão por dia como freelancer no mercado editorial. Faz parte da equipe da Revista Mafagafo e mora em Recife com o marido, cercada de passarinhos.
Numa construção profunda apesar das poucas páginas, Fernanda Castro traz a vida de três personagens inusitadas, profundas, entrelaçadas por um feitiço e uma missão compartilhada sobre a qual nem todos concordam. Eu amei demais a forma como a história foi conduzida. Amei o conceito do Carcará e da Suindara e como eles vieram a existir. E eu gostei DEMAIS da construção da personagem da Mãe, que deixa uma sensação amarga. Eu só queria que fosse uma história maior, pra gente saber mais!
1. Curti demais. Novelinha ligeira não só pelo tamanho, mas também pelo texto ser gostoso de ler e a história ser envolvente desde o início.
2. Uma família disfuncional composta por uma bruxa carpideira e seus dois filhos - uma mulher coruja e um homem carcará - não é algo que se vê todo dia por aí.
3. Bom encontrar algo da nossa literatura que não seja só um repeteco das fórmulas do mercado anglófono. Essas fórmulas, claro, também geram bons livros. Mas existe um mundo inteiro além delas.
4. A fantasia brasileira tem gerado tanta coisa boa, temos um material tão tico para explorar, e Lágrimas de Carne é um bom exemplo disso. Uma história com uma beleza e uma dor muito peculiares.
5. Apesar do pouco tempo que passamos com os personagens, dado o tamanho da história, conseguimos conhecê-los o suficiente para montar na cabeça suas personalidades e entender seus motivos, e desconhecê-los na medida para que não se esgotem seus mistérios.
6. Embora exista um desfecho claro calcado na trama emocional, gosto que a história termine de maneira a prometer inúmeras possibilidades.
Eu gosto das coisas que a Fernanda escreve, embora tenho lido pouco dela até agora. Gosto como ela cria uma voz própria, como ela constrói os elementos fantásticos de forma bem enredada na história, e como ela consegue trabalhar os dilemas e os dramas humanos dentro desses elementos. Nem todos os autores que eu conheço pessoalmente conseguem fazer isso (eu mesmo como escritor tenho dificuldade às vezes), mas pra ela parece ser natural. Adorei ler esta em particular por motivos que não posso dizer aqui abertamente. O que posso dizer é que a Fernanda tá pronta como escritora, só falta escrever mais, publicar mais. Ela é o tipo de escritora que, que nem a Anna Martino, por exemplo, me causa uma inveja saudável, porque eu adoro ver os textos delas ganharem o mundo. Adoro quando as pessoas elogiam eles, porque são realmente, genuinamente bons. Ela ainda vai longe. Esperem e verão. Também espero que gostem de Lágrimas de Carne tanto quanto eu gostei.
Senti que essa história podia ser uma das muitas lendas que minha benzedeira, Dona Bela, me contava quando eu era criança. Amei e não queria que acabasse.
p.s: para quem cresceu ouvindo os mais velhos demonizando a Rasga Mortalha, foi um refresco ver como a querida Suindara foi tratada com respeito aqui.
Suindara é uma mulher-coruja, irmã de Carcará, um homem-falcão. Ambos filhos de uma mulher que conhecem apenas como Mãe, uma velha carpideira que esconde de seus filhos alguns segredos. Um dia Suindara e Carcará descobrem a verdade e precisam tomar uma decisão que mudará para sempre a dinâmica da família. Lágrimas de carne é uma história cheia de nuances. Para mim é difícil apontar o ponto alto do texto, já que tudo é muito bem resolvido aqui. Mesmo assim arrisco dizer que a forma como os sentimentos são tratados nesta história é o que faz com que ela seja bem mais do que parece. Suindara é pura gentileza, humildade e obediência. Carcará é a fúria, a raiva cega, a insubmissão. Ambos se amam como irmãos devem se amar. Existe entre eles um respeito e afeto que é ao mesmo tempo crível e inexplicável. Apesar das diferenças, eles sabem. Estão juntos nessa vida estranha. E a estranheza vai além apenas de sua aparência que parece não combinar com o corpo humano de sua mãe. Os dois tem um trabalho importante a realizar, a mando da carpideira. Carcará engole as almas mortas e retém para si suas memórias ruins. Devolve o resto puro a sua irmã Suindara, que se encarrega de levar a alma purificada para longe para viver sua eternidade em paz. Dada a sua natureza obediente, Suinara tem mais liberdade. Cumpre seu papel quando necessário, mas encontra tempo para vagar pelo mundo e descobrir em certa medida o que a vida tem a oferecer. Carcará, desobediente e cada vez mais violento, permanece acorrentado dentro da casa. É forçado a obedecer e a cumprir a sua função. É impedido de ter vida própria porque se recusa a acreditar nas palavras de sua mãe. A história é bem curta e significativa. Se eu tivesse que dizer sobre o que ela trata eu diria que é uma história sobre sentimentos. Em especial aqueles sentimentos confusos que surgem quando estamos ante a um dilema moral ou a uma descoberta sombria a respeito de alguém próximo a nós. Aquela tempestade de emoções que misturam sensações positivas a negativas, deixando muito difícil de entender o que se sente de verdade e como lidar com aquelas emoções. Lágrimas de carne é sobre isso. É sobre a complexidade de ser humano e precisar lidar com múltiplas emoções em nossos momentos mais difíceis. Como bônus, temos mais uma história fantástica, desta vez uma fantasia sombria, que se passa em um cenário brasileiro. O grande mérito aqui é criar personagens únicos em descrições físicas e personalidade, colocá-los em um cenário fantástico muito bem desenvolvido e ainda assim fazer com tudo isso fique em segundo lugar, já que o ouro do texto está nas nuances de sentimentos. Embora o que as personagens sintam seja muito complexo e difícil de se lidar, é possível perceber cada um destes sentimentos em todas as cenas do livro. Lágrimas de carne é sobre o choro de raiva seguido de alívio. É sobre como a vida é complexa.
Conhecendo o trabalho da Fernanda, e por ter tido a oportunidade de acompanhar o processo de lançamento do livro, minhas expectativas para Lágrimas de Carne estavam empoleiradas lá no alto. Felizmente, elas foram alcançadas logo nas primeiras páginas e superadas ao longo da história.
A escrita da Fer nos permite compreender muito rapidamente onde estamos inseridos enquanto leitores, e é admirável como ela consegue descrever os personagens de forma detalhada, mas sem excessos. Em poucas linhas, já consegui ter uma visão muito clara de quem era Suindara: não só a aparência, mas a presença dela de modo geral, a forma como ela se movimentava, agia e interagia com o mundo.
O mesmo pode ser dito em relação aos outros protagonistas, Mãe e Carcará, cujos contornos enquanto personagens já começam muito bem definidos e vão se modificando, ganhando novas camadas ao longo da história. Nisso reside um dos principais méritos de Lágrimas de Carne: o fato de que nem os personagens, nem os dilemas que enfrentam, são preto no branco. Também vale a pena mencionar quão certeira é a opção da autora por contar a história principal intercalada com interlúdios que oferecem novas informações sobre os personagens e a ambientação da história.
A qualidade da obra também está evidente outros detalhes, desde a capa até a diagramação do e-book. Lágrimas de Carne é uma leitura rápida, que diz muito num curto espaço de tempo. Eu facilmente poderia ler numa única sentada caso a história tivesse o dobro, até o triplo do tamanho, e sei que os personagens que acabei de conhecer vão permanecer comigo por um bom tempo.
Suindara e Carcará estão no meu coração. Adorei a atmosfera, fantástica de um jeito quase cotidiano. As peças foram se encaixando no momento certo, pra construir personagens e conceitos bem complexos. A relação familiar me deixou tocado por ser tão verdadeira e intricada. Adoro ler sobre VIDA e MORTE e AS EMOÇÕES HUMANAS e a INFINITA COMPLEXIDADE DE VIVER então fui muito bem servido.
A gente se apega aos personagens muito facilmente. Não tenho muita coisa a dizer fora isso: os personagens são ótimos. Suindara, Carcará, a Carpideira... Leiam esse conto para conhecê-los. É uma ótima experiência.
"Apesar de um contexto bem desenvolvido, e de uma linha de enredo sólida, bem encaminhada pela autora, Lágrimas de Carne é uma noveleta de personagem: é nelas que encontramos o foco, o desenvolvimento, e o maior interesse. É na construção das personagens de Suindara, Carcará, e Mãe que a narrativa se centra, tanto nas suas relações – enquanto família, enquanto instrumentos de trabalho –, como nos seus sentimentos: ódio, amor, compreensão, revolta, raiva, incerteza… Suindara, mulher-coruja, e Carcará, homem-falcão, tornam-se humanos pelas suas emoções, mais do que pela sua aparência humanóide. Já Mãe, uma bruxa carpideira que durante grande parte da obra levanta a desconfiança do leitor, apesar dos benefícios que o foreshadowing lhe dá, é apenas totalmente – ou o mais próximo possível de “totalmente” – compreendida quase no final, através de um flashback (analepse, para os puristas): ou, melhor dizendo, da junção de todos os flashback ocorridos. (...)"
esta fantasia está tão próxima da nossa realidade que fiquei com vontade de me benzer aqui.
a noveleta fisga a atenção e não devolve até o final da leitura. fantasiei que era a Fernanda Montenegro lendo, com a voz q ela fez no Auto da Compadecida para interceder pelos pobres.
preciso elogiar o volume muito bem editado, revisado, preparado, polido e amarrado. a partir da forma impecável, a história chega como um sinal de uma matriz folclórica brasileira que a gente esquece na avalanche de fada e monstro com nome em inglês. olha essa capa, sabe... ficou muito bonito mesmo.
recomendo com urgência para todo mundo. e aguardo ansiosamente a edição impressa e os cosplays.
Sempre soube que a Fernanda tinha talento, mas isso aqui foi demais. Não tenho palavras pra dizer o orgulho que sinto e tbm não consigo controlar o sorriso que toma conta de mim. Essa é uma coroação fantástica de muito talento, esforço e carinho. Pq sim, dá pra perceber a dose de carinho que ela teve na elaboração dessa história incrível. Todo o universo aqui criado é magnífico, sem contar a familiaridade. Se alguém consegue criar algo do fantástico tipicamente e familiarmente brasileiro, é a Fernanda. Que delícia, que frescor e que vontade de ver mais disso que ela criou. Mas o mais incrível são os personagens. Meu coração se fez e se curvou para cada um deles. Que densidade que ela apresentou. Destaque especial para Mãe. Que construção magnífica e complexa, deixa a gente pensando o que seria de nós em situação semelhante. O final deu um gosto de quero mais.
Tive a alegria de ler essa história em sua primeira versão e vê-la expandida assim é maravilhoso. A Fernanda é uma daquelas vozes da FC/F brasileira que ainda vai chegar muito longe.
Lágrimas de Carne caminha entre a fantasia e o terror com personagens ultra-cativantes, muito bem desenvolvidos e em um cenário que só uma brasileira é capaz de explorar, além de conflitos desenvolvidos de uma forma que só a Fernanda consegue.
Fico muito feliz de ver essa história oficialmente publicada e ainda com uma capa linda dessas.
Tenho acompanhado alguns trabalhos da Fernanda de perto e fica a dica: fiquem de olho nela.
Que delícia de história. Parece que você está lendo um mito que já é antigo e conhecido, uma coisa meio familiar meio nova. Tipo uma abordagem nova em uma lenda popular. Conheço a ligação da imagem da coruja com a morte, então talvez tenha vindo dai essa sensação.
É um livro muito único, criativo, bonito e melancólico. Adorei demais.
Lágrimas de Carne é uma baita noveleta.A autora brilha ao apresentar um texto bastante maduro, chamando atenção para seu talento a todo instante, na prosa cadenciada e cheia de sabedoria sobre a condição humana. Mas, ao mesmo tempo, ela deixa espaço para que os personagens existam em sua forma plena, tornando-os o verdadeiro foco da narrativa. Este é um equilíbrio raro, um desafio em que poucos escritores têm êxito. É uma história triste, mas não pessimista. É a vida no Nordeste com sangue, suor e lágrimas embalados por uma magia fascinante e aterradora.
Eu conheci a escrita da Fernanda ano passado. Eu já seguia ela há um tempo nas redes sociais e me apaixonei pelos livros dela. Mas Lágrimas de carne, com suas poucas páginas, me pegou de um jeito indescritível! Uma das melhores leituras do ano até agora.
Suindara e Carcará são criaturas mágicas, meio aves, meio humanas, que trabalham para a Mãe, a carpideira que ajuda na passagem dos mortos em Serrita, no interior de Pernambuco.
O ponto forte de Lágrimas de Carne é a criação dos personagens. Dá para perceber que tanto a Mãe quanto as criaturas foram bem trabalhadas. Os três são tridimensionais, com anseios e traços próprios. A escrita da Fernanda nos conduz com muita habilidade na descoberta dessas personalidades.
Meu lamento é ser uma história muito curta. A virada na trama acontece rápido demais e, quando estou começando a entender melhor os personagens, chega ao final. Os recordatórios nos apresentam um pouco à Mãe, mas eu queria saber mais. Poderia ser pelo menos o dobro.
Mas independentemente da extensão, os conceitos são fascinantes. Partir da "profissão" da carpideira é algo de muita originalidade, e levar para o fantástico só amplia o inusitado. Agora quero ler O Fantasma de Cora.
O conto da Fernanda é uma prova maravilhosa de que não é necessário um calhamaço para entregar uma história imersiva e com uma criação de mundo apaixonante.
Lágrimas de carne te cativa de várias formas: primeiro, pelas personagens humanas, mesmo tendo metade do corpo de aves; depois, pela ambientação brasileiríssima; por fim, pela narrativa fluida e próxima com uma linguagem que abraça.
Eu sou apaixonado por histórias ambientadas no nosso próprio país. Temos uma cultura tão rica e que foi muito bem explorada no conto da Fernanda.