Esta obra é uma edição comemorativa do centenário do nascimento de Carlos Drummond de Andrade, seguida das disposições deixadas por ele. Drummond organizou pessoalmente em pastas títulos de sua vasta obra poética desde sua obra de estréia 'Alguma poesia' até 'A paixão medida'. Todos os livros, reunidos neste volume único, foram alinhados em ordem cronológica.
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro. Formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista "A Revista". Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.
Bound by my class and some clothes, I walk down the gray street dressed in white. Dejections and goods for sale observe me. Should I keep on until I’m nauseous? Can I, without weapons, rebel?
Grimy eyes in the clock tower: No, the time of full justice has not arrived. It’s still a time of feces, bad poems, hallucinations, and waiting. The hapless time and the hapless poet merge in the same impasse.
In vain I try to explain myself: the walls are deaf. Beneath the skin of words: ciphers and codes. The sun cheers the sick and doesn’t renew them. Things. Considered without emphasis, how sad things are.
And if I vomited this tedium over the city? Forty years and not one problem solved, nor even formulated. Not one letter written or received. The people are all going home. They’re less free but carry newspapers and spell out the world, knowing they’ve lost it.
How can I forgive the world’s crimes? I took part in many. Others I concealed. Some I found beautiful, and they were published. Soothing crimes, which make life more bearable. A daily ration of error, delivered at our door. By ruthless milkmen of evil. By ruthless bread boys of evil. And if I set everything on fire, myself included? They called the adolescent of 1918 an anarchist, but my hatred is the best part of me. Without it I’d be lost, and with it I can give a few people a slight hope.
A flower has sprouted in the street! Buses, streetcars, steel stream of traffic: steer clear! A flower, still pale, has fooled the police, it’s breaking through the asphalt. Let’s have complete silence, halt all business in the shops, I swear that a flower has been born.
Its color is uncertain. It’s not showing its petals. Its name isn’t in the books. It’s ugly. But it really is a flower.
I sit down on the ground of the nation’s capital at five in the afternoon and fondle with my fingers this precarious form. Inland, over the mountains, thick clouds are gathering. In the sea tiny white dots, panicked chickens, are moving.
It’s ugly. But it’s a flower. It broke the asphalt, tedium, disgust, and hatred.
Ó que lance extraordinário: aumentou o meu salário e o custo de vida, vário, muito acima do ordinário, por milagre monetário deu um salto planetário. Não entendo o noticiário. Sou um simples operário, escravo de ponto e horário, sou caxias voluntário de rendimento precário, nível de vida sumário, para não dizer primário, e cerzido vestuário. Não sou nada perdulário, muito menos salafrário, é limpo meu prontuário, jamais avancei no Erário, não festejo aniversário e em meu sufoco diário de emudecido canário, navegante solitário, sob o peso tributário, me falta vocabulário para um triste comentário. Mas que lance extraordinário: com o aumento de salário, aumentou o meu calvário!
Poemas com aroma a uma vida cheia. Muitas histórias para contar. Tristes e alegres que disso se faz a vida de um homem. Poemas feitos de barro e de rosas, simples como a vida.
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"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação."