Lançado em 1943, Fogo morto é considerado por muitos críticos a obra-prima de José Lins do Rego. O livro encerra o que se convencionou denominar, dentro da obra do escritor paraibano, o "ciclo da cana-de-açúcar", série iniciada pelo romance Menino de engenho, de 1932. A obra é dividida em 3 partes, cada uma delas dedicada a um personagem específico. Na primeira parte do livro, conhece-se as agruras de José Amaro, mestre seleiro que habita as terras pertencentes ao seu Lula, protagonista da parte seguinte da obra e homem que se revela autoritário no comando do Engenho Santa Fé. O terceiro e último segmento de Fogo morto centra-se na trajetória de Vitorino Carneiro da Cunha, que vive em situação econômica complicada, perambulando a cavalo sempre pronto a lutar com suas forças contra injustiças à sua volta. A edição de Fogo morto ora publicada pela Global traz dois textos – um de Mário de Andrade e outro de Gilberto Freyre – publicados pouco tempo depois do lançamento da obra-prima de José Lins do Rego. As análises destacam a posição de destaque que o livro adquiria na história da literatura brasileira.
José Lins do Rego Cavalcanti (July 3, 1901 in Pilar Paraíba - September 12, 1957 in Rio de Janeiro) was a Brazilian novelist most known for his semi-autobiographical "sugarcane cycle." These novels were the basis of films that had distribution in the English speaking world.
Descoberta deste autor maior brasileiro, nascido na Paraíba, no dealbar do século XX. É um universo muito curioso e fascinante: o bem e o mal (et pour cause); as questões sociais; e um misticismo fascinante, são o contexto para personagens fortíssimos e diálogos deliciosos. Muito recomendável.
O livro é um primor – é bom começar pelo óbvio. Prende tanto, é tão interessante, que eu me peguei lendo andando e quase me acidentei, de tão absorvente. Contando a mesma história, a narrativa perpassa três núcleos, três sóis que são o mestre José Amaro, o capitão Lula de Hollanda e o capitão Vitorino.
O primeiro é um sol de caatinga, ríspido, amargo. Consumido por uma doença degenerativa do corpo e irritante da alma, o pobre mestre não deixa de ser uma criatura fascinante. Dos três irmãos, foi o único que continuou com a casa que o seu assassino pai ganhou do velho Capitão Tomás. Enquanto seus irmãos seguiram viagem, puseram o pé no mundo, o pobre José Amaro ficou na guarda da casa, no conforto da casa. Casou por inércia e teve uma filha demente, espinho que incomoda seu coração e do qual o quanto mais tenta se livrar, mas lhe encrava o peito.
É um personagem abaixo da situação, claramente. Ainda assim, tem algum senso de dignidade e honra, sabe o valor que o trabalho do homem livre tem. Embora o seu constante reme-reme “Eu sou dono de mim”, “José Amaro não abaixa a cabeça a ninguém” seja uma caricatura da verdadeira honra e altivez, ao menos ele ainda tem essa noção, coisa que muitos de nós não têm, sempre dispostos que estamos a nos submeter à mais nova autoridade e chefia.
A história toda do lobisomem é de dar dó, de verdade. É mais um caso de como a maldade popular, de responsabilidade diluída e difusa, pode destruir a vida de um homem. Seu fim trágico é o rebento do fio que vinha sendo repuxado entre o respeito humano e o caminho da liberdade que não ousou trilhar.
Já Lula de Hollanda é um personagem certamente menos cativante, e também abaixo da situação. Uma personalidade complexa, mais complexa que a dos outros; alguém que nutre uma grande e, até certo ponto, sincera piedade religiosa (v. o momento em que, na tribulação, lembra dos sofrimentos de N. S. J. C.). No entanto, é incapaz, como bem nota a argúcia popular, de perceber que seus atos contrariam o evangelho que pretende seguir. E não se pode deixar de notar um certo ar pagão ao seu approach religioso.
É um deslocado. Talvez posto numa situação favorável de bacharel ou até mesmo de padre, as circunstâncias fizessem sair dali uma personalidade verdadeiramente grande. Ele percebe que tem na alma a potência da grandeza, mas não sabe como liberar o caminho para que ela se realize. Acaba, assim, negando a grandeza a todos ao seu redor, em especial a esse personagem silencioso e ubíquo que é o engenho Santa Fé.
Capitão Vitorino da Cunha é um personagem acima da situação (uma raridade no romance brasileiro). É visto como louco desprovido de reais meios de ação, pois não tem medo de nada e, especialmente, não tem o respeito humano (como concebido pela moral católica), o amor do mundo. A glória que deseja é um acessório paliativo de seu amor pelos outros, de sua sincera e ardente caridade. A grosseria de que é representante é aquela rudez que emana da tenacidade das boas fibras, das fibras morais de qualidade. Sua esposa Adriana, outra personagem de impressionante firmeza moral, só consegue perceber a grandeza de seu esposo quando as circunstâncias permitem que ele demonstre todo o seu potencial.
É interessante notar que o Capitão Vitorino tinha tudo para ser como seus pares narrativos. Mas é feliz, é contente, se refestela com o pouco que Deus lhe deu. Não reclama, tem fibra. É um Jó com uma mínima piedade (numa terra onde piedade religiosa é para os fracos e as mulheres). Trata todos em pé de igualdade e não recusa ajuda a ninguém. Um gênio, passa pouco tempo reclamando e muito tempo agindo. Não se preocupa nunca consigo mesmo, tirante talvez nos momentos em que devaneia na rede de fim de tarde. Não tem medo de morrer, como os Santos e Heróis não tinham. É um exemplo a todos nós.
Sentimo-nos impotentes perante a loucura da filha de José Amaro e de Olívia e de Ana e de Lula... José Lins do Rego sabe dolorosamente bem o poder de fogo da loucura. E como a loucura vai dominando aos poucos, suavemente, todos os que circunda, e destrói sua sanidade. A loucura é mais contagiosa que um vírus.
O engenho Santa Fé é abatido constantemente pela loucura. O desajuste evidente de D. Olívia (cujas falas se encaixam tão perfeitamente com os momentos de tensão das cenas literárias, não devendo nada aos mais trágicos coros gregos), penetra a mente do impotente e deslocado Lula, desafia a brava e submissa Amélia e abraça suavemente a virginal Neném.
Na casa do mestre Amaro, a Loucura feita personagem tira suas esperanças e por fim domina o chefe da casa, pois que insânia não é o suicidar-se? É também essa musa dissimulada que canta pela boca do Negro Passarinho, fazendo na casa do seleiro o mesmo papel de coro grego para o particularíssimo drama abafado e amarelo-ovo do Mestre José Amaro.
Só o Capitão Vitorino não precisa de coro. Ele não vive um drama, ele vive um épico.
Livro excepcional de Lins do Rego, onde ele fecha o "ciclo da cana-de-açúcar". “Fogo Morto” é narrado em terceira pessoa e é dividido em três partes, que trazem em seus títulos o nome dos três personagens principais: “O mestre José Amaro”, “O Engenho de Seu Lula” e “O Capitão Vitorino”. Seus personagens, todos eles tristes, têm os destinos traçados pelo moderno deus do progresso, pelo processo de transformação econômica e seu impacto social, pelo capitalismo emergente que atropela e esmaga valores e costumes, da mesma maneira que a usina engole os engenhos, indiferente às tragédias humanas que provoca. As personagens femininas merecem um comentário à parte.(spoiler)* Marta, filha de José Amaro, solteirona sofredora, e Olivia, filha caçula do capitão Tomás Cabral de Melo, enlouquecem; Neném, filha do coronel Lula de Holanda, que a impede de se casar, mergulha na melancolia. Todas esmagadas pelos pais e pela moral machista da época, contra a qual pouco podem.
Publicado em 1943, "Fogo Morto", é uma contundente visão do processo de mudanças sociais e econômicas do Nordeste brasileiro. O título refere-se à transformação do Engenho Santa Fé, localizado na zona da mata da Paraíba, de núcleo de poder econômico a pólo de miséria, com o apagar definitivo de suas fornalhas por isso se diz " fogo morto."
Primeira vez que pego alguma coisa de José Lins do Rego... e com esse livro reafirmo que adoro histórias sobre homens medíocres, os três personagens principais não deixam nada a desejar. Obra incrível, diálogos fluidos. O estilo também me agrada muito, especialmente na narrativa dos deslocamentos dos personagens, não só a descrição espacial dos lugares físicos, estradas, campos abertos é bastante visual, mas também os personagens interagindo com o ambiente. Sempre muito bom quando o romance consegue fazer esquecer que se está lendo.
Demorei duas semanas para terminar a primeira parte, quatro dias pra segunda, e um pra terceira. Ou seja, esse livro vai melhorando enquanto você vai lendo e tem um final muito bom.
LOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOKO DEMAIS! LOUCURA, FALÊNCIA DA FIRMA, MANOS ORGULHOSOS, LOBISOMEM, CANA DE AÇÚCAR, VÁRIAS FITA, FOFOCA PRA LÁ E PRA CÁ. NINGUÉM VAI GANHAR, VAI TODO MUNDO PERDER.
Na minha leitura, o livro tem como ponto central o ressentimento. Os três protagonistas - mestre José Amaro, Coronel Lula e Capitão Vitorino - têm suas vidas moldadas pelo ressentimento. E é isso, mais do que as coincidências do enredo, que os conecta. São todos tão diferentes, mas, quanto a isso, igualmente escravos dos seus ressentimentos.
O mestre ressente a filha adoidada, o descaso dos grandes e a falta de valorização de seu trabalho. Lula ressente sua impotência em recuperar um escravo fugido, a falta de pretendentes adequados para sua filha e a minguante produção do engenho. Vitorino, por sua vez, ressente os comentários azedos que lhe fazem, que não fariam jus ao seu sobrenome e à sua origem.
Assim, os três entendem merecer mais - do povo, da vida, da família - e, em virtude disso, amargam-se. Aos poucos vê-se que o ressentimento se sobrepõe a todos os outros sentimentos. Nesse sentido, a despeito das injustiças que observamos os três cometerem - em maior ou menor grau -, são todos coitados. Não conseguem fugir do destino trágico que se lhes aproxima por conta do ressentimento.
José Lins do Rego conta essa história com escrita poética e sucinta, o que nos faz lembrar que não é preciso ser prolixo para ser detalhista. O estilo é fluido e prende. As metáforas, simples e contundentes, cumprem seu papel. Excelente.
Excepcional. Já gosto muito desse tema regionalista, mas a construção dos personagens é sublime. Zé Lins do Rego é um autor relativamente esquecido quando comparado com outros contemporâneos, mas sua obra me empolgou bastante. Já comprei Menino do Engenho para continuar no mundo Fogo Morto.
Fogo Morto é a obra prima de José Lins do Rego, e também a última obra-prima do regionalismo neo-realista da década de 1930. Boa parte da obra do autor é dividida em "ciclos" e Fogo Morto é o quinto e último livro do "ciclo da cana de açúcar". O seu estilo contido e direto lembra "Vidas Secas" de Graciliano Ramos, que assim como Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala) foram amigos pessoais do autor. O estilo de escrita simples, livre das convenções gramaticais (sem procurar "escrever errado" para parecer mais coloquial) parece fiel à maneira de falar dos moradores do sertão (que me recorda minha avó rs), e faz com que você se sinta no ambiente da narrativa, como um morador da várzea que passa e pára pra ouvir um vizinho contando um "causo". Este livro narra a decadência dos senhores de engenho de açúcar no início do século XX, e é dividido em três partes, cada uma com um protagonista, nas figuras do mestre José Amaro, do coronel Lula e por fim do capitão Vitorino. A partir de então são mostradas as diversas interações entre os personagens da narrativa, além de servir como crítica social e retrato das relações de poder neste período. Sem querer revelar spoilers, somente no final da obra se percebe o quão apropriado é o seu título. Boa leitura!
dei a sorte de ler esse livro por acaso (não conhecia a historia) durante o período eleitoral de 2018. é um livro esclarecedor sobre os vetores perenes da política nacional, as forças, os lados e as pessoas fortes como o mestre José Amaro, que se posicionam mesmo diante de ameaças e sanções. livro essencial para entender arquétipos políticos e familiares do Brasil.
Um dos principais livros de nossa literatura, trata do ciclo da cana de açúcar, sua formação, ascensão e declínio. Um livro triste que traz um dos personagens inesquecíveis da literatura brasileira, o capitão Vitorino Carneiro, que pela sua triste figura costuma ser comparado a Dom Quixote.
Livro incrível, uma união maravilhosa da tradição popular e da literatura. personagens inesquecíveis, muito humanos e sensíveis, uma verdadeira obra-prima!
Excelente romance. Os três personagens foco são muito bons. José de Amaro conquistou-me desde a primeira página, e a sua amargura me tocou bastante. Lula de Holanda foi muito bem trabalhado, embora mais difícil de simpatizar. Vitorino Carneiro da Cunha cresceu em mim com o decorrer da história (o que aconteceu com os personagens do próprio romance, ao que me parece), e posso dizer que acredito nele. Vitorino parece trazer valores tradicionais de honra (a sua coragem, e o seu orgulho pela sua nobreza pessoal, por ser homem branco e de boa origem), que não necessita de riqueza ou dotes intelectuais. A ele basta incorporar a valentia e a nobreza de agir. A situação toda é cheia de sofrimento, mas consigo sentir uma certa beleza no romance. O estilo de José Lins do Rego é bastante atraente, diria lírico. PS: José Passarinho é dos meus favoritos do livro.
"Fogo Morto" é o obra para estar no panteão dos grandes clássicos da literatura universal. Tem prosa poética, tem inovação narrativa, tem profundidade psicológica, tem todo a historiografia sócio-econômica que serve de pano de fundo, mas tem também algo que falta em muitos bons ivros: coração. Zé Lins escreve com a força de quem sente tudo que se passa nas entranhas dos seus personagens. Infelizmente, o livro foi e continua sendo rotulado de literatura "regionalista" (uma adjetivação que não serve pra coisa alguma, além de dizer que é coisa escrita por/sobre gente parida no nordeste do país; e daí, né?), o que sempre fez um desserviço a divulgação de um autor de grande qualidade e de sua principal obra que é aboslutamente universal e incrível sob qualquer dimensão que se olhe.
Transmite a sensação de decaimento e incerteza a cada capítulo e demonstra parte da sensação humana e experiência histórica de viver uma crise. Um momento de transformação que não nos situa nem no ponto A, nem no B; e as representações de mundo “transmorfas” dela derivadas.Personagens que revelam a experiência de loucura e dissociação como comuns dos momentos de ruptura histórica. Pode ser considerada genial, um gênio de seu contexto, com certeza. Mas a experiência de leitura em si, hoje, me pareceu um pouco simplista, concisa, ou mesmo repetitiva, na concretização das vidas dos personagens; apesar da premissa que tanto engloba e deseja representar.
Como fui desprezar o escritor paraibano em minha juventude? Ler FOGO MORTO agora é tentar recuperar o texto espetacular de José Lins do Rego em sua plenitude. Um pedaço de Brasil através de 3 personagens distintos (o seleiro José Amaro, o dono de engenho Lula de Holanda e o Capitão Vitorino, um defensor dos excluídos e injustiçados e, ao mesmo tempo, boca suja descarado que destrata mulher e negro, ou seja, um personagem ambíguo apaixonante), com histórias marcantes que se cruzam, com pouca ou total importância dentro das outras. Um mega romance, sem mais palavras para exaltá-lo. Uau...
Regionalista, realista, focado nas misérias de nordestinos pobres que enfrentam não somente as dificuldades do clima árido e da seca, mas, principalmente, os mandos e desmandos dos senhores de terra, encontrando refúgio, muitas vezes, na violência do cangaço. Tem um forte tom racista em alguns momentos, mas é uma boa leitura.
3.5⭐️ Aborda a vida da região canavieira na Paraíba após o fim da escravidão. Interessante. Mestre Amaro, Vitorino, Coronel Lula, Passarinho são personagens marcantes e que são universais e regionais ao mesmo tempo. Apenas a forma que foi escrita a história não me impressionou, às vezes achei elaborada demais e não refletia exatamente a pobreza e simplicidade dos lugares.
Incapaz de escrever uma resenha que seja digna desta preciosidade literária, deixo meu apelo para quem quer que me esteja lendo agora: Leia e seja arrebatado(a) pela genialidade de José Lins do Rego, habilidoso escritor e pintor da realidade brasileira de tempos passados.
Meu primeiro encontro com Lins do Rego e devo dizer que gostei muito de sua escrita, é de uma linguagem e narração boa. Além disso, o livro captou a essência da época e região retratada com riqueza de detalhes e costumes.
Como esse livro é bom! Não dava muita coisa por ele, mas, à medida que lia, ia deixando me envolver pela história e pelos personagens, percebendo toda a riqueza e a força da construção narrativa. Um grande livro.
Que tipo de força resiste no vácuo da monarquia brasileira? Em Fogo Morto ninguém sabe direito e todo mundo tenta abrir a própria picada se apegando a um senso próprio de relevância. É dolorido e me mostrou um tipo de violência educada, de algoz camarada, que morde sem ladrar.