Um casal, decidido a separar-se e de malas feitas, é obrigado pelas autoridades de saúde a uma quarentena. O seu apartamento transforma se numa arena de proximidade física e distâncias calculadas, onde os restos da vida amorosa e o trautear televisivo de uma pandemia mudam o mundo por dentro e por fora.
Ali, sob o regime forçado de uma intimidade perdida, percebemos como, entre antigos amantes, vizinhos e desconhecidos, a saudade das multidões e dos sentimentos sempre estiveram à altura de nos resgatar do peso do presente.
Um olhar provocador sobre uma experiência coletiva. Uma introspeção inesperada, à porta fechada, sobre o que é o amor, onde começa, acaba e recomeça.
José Gardeazabal nasceu em Lisboa. O seu livro de poesia, história do século vinte, foi distinguido com o Prémio INCM/Vasco Graça Moura. O seu primeiro romance, Meio Homem Metade Baleia, foi finalista do Prémio Oceanos, e com A Melhor Máquina Viva, seu segundo romance, considerado um dos melhores livros de 2020 pelos jornais Expresso e Público, foi finalista dos prémios Fernando Namora, Correntes d'Escritas e da Sociedade Portuguesa de Autores. Em 2021, publicou os romances Quarentena - Uma História de Amor, finalista do Prémio Oceanos em 2022, e Quarenta e Três, assim como o volume de poesia Viver Feliz Lá Fora e, em 2022, sai Quando éramos peixes, o segundo volume da Trilogia dos Pares. A mãe e o crocodilo, que conta a história de Vladimir e do seu crocodilo, Benito, é o seu quinto romance. Em 2023, publicou o seu primeiro livro infantojuvenil, Aquele Natal Inteiro e Limpo, com ilustrações de Susana Matos, sobre uma família portuguesa e o seu Natal ‘revolucionário’, uma narrativa sensível e plena de respeito pelo nosso passado e pelas figuras mais velhas que o mantêm vivo.
Um livro tão atual, um autor que sem dúvida vale a pena conhecer. Foge da típica história de amor clichê, o que para mim é bastante positivo. Uma escrita diferente, que poderá não agradar a todos, mas de que gostei.
E se no preciso momento em que decidem separar- se e já com as malas feitas, é decretado confinamento e o casal que já havia decidido que a relação tinha acabado, é obrigado a viver na mesma casa? É o que acontece neste novo livro de José Gardeazabal. Romance sobre o amor, a atração, o desejo, o desamor e o confinamento. [Resumo da responsabilidade do Plano Nacional de Leitura 2027] ISBN: 978-989-784-236-8 ( v. 1 ) CDU: 821.134.3-31
Livro recomendado PNL2027 - 2021 1.º Sem. - Literatura - maiores 18 anos - Fluente
Não é o meu tipo de livro e isso notou-se nas primeiras dezenas de páginas. Mas foi um livro que me conquistou. Não é um romance nem nada que se pareça. Tudo o que tenha a ver com romance é quase lateral. São deambulações. Muitas. De diversa ordem. As políticas, na minha perspetiva, eram escusadas, porque me soaram a discurso populista. Como eram poucas e curtas, não foram relevantes. As outras eram muito giras, sobretudo a partir do meio do livro e sobretudo os paralelismos com a arte.
Livro desafiador porque nem tudo está escrito. É preciso ler nas entrelinhas para captar toda a mensagem. Num tempo de confinamento obrigatório, a mente entra em ebulição. Tudo é revisto, tudo é analisado ao pormenor, tudo é questionado, tudo… mesmo o amor, sobretudo o fim de um amor.
Em Quarentena – uma história de amor, um casal que decidiu separar-se é obrigado a ficar em casa confinado. Ora, ficar em quarentena exige proximidade, partilha de espaços, vida em comum… “Tínhamos decidido que um de nós faria a mala e abandonaria o apartamento. (…) Penduraram-nos um selo do lado de fora da porta. Um Casal 0 Filhos (…) A nossa relação desapareceu pelo efeito preguiçoso do tempo – e agora isto: dão-nos mais tempo, os dois trancados no mesmo espaço.” (pp. 15 e 16) A partir daqui, ao longo de 40 dias, temos o narrador que nos relata diariamente a partilha do espaço fechado com Mariana, a (ex)companheira, os seus pensamentos, os seus desejos, algumas boas memórias vividas a dois, a sua incompreensão do fim do relacionamento, a sua visão da política, da pandemia, da contradição dos números, o vazio das ruas, o sofrimento dos outros, a morte de muitos…
Há ainda registo dos diálogos, muito breves. Das dúvidas que se vão colocando sobre a situação actual, sobre o passado e sobre o futuro. A sós? Juntos? Afinal “Mariana é bonita”; “Mariana tem os olhos bonitos”, a boca também, mas está escondida pela máscara.
Ao longo dos dias, o narrador reaprendeu a olhar Mariana, quem sabe a amá-la… “Muita gente esquece o amor e esquece a história por detrás do amor, mas decidi não esquecer.” (p. 107)
Nesta quarentena (e certamente em todas as outras) há sempre uma televisão ligada, mas há sobretudo tempo para recordações, e das gavetas da memória surgem imensas referências literárias, artísticas, cinematográficas, musicais, única forma de se manter lúcido perante tanta incompreensão.
Numa escrita singular porque muito própria, o autor coloca o narrador numa posição de observador o que lhe permite interligar a realidade (distanciamento, factos, números), a introspecção (sentimentos, desejos) e as memórias (vivências conjugais).
Sendo este o primeiro livro que leio deste autor, fica a promessa e o interesse de o descobrir noutras leituras.
A premissa de partida é fantástica: “Um casal, decidido a separar-se e de malas feitas, é obrigado pelas autoridades de saúde a uma quarentena. (…) Uma história de amor em 40 dias.” Como ambos confessam não estão apaixonados por outra pessoa, só não estão apaixonados um pelo outro. Se é difícil conviver dentro de quatro paredes durante dias seguidos, não imagino como será fazê-lo depois da decisão de separação (que presumo seja iminente e não eminente, como está logo no início). E mais difícil ainda será escrever sobre a situação que ou é de conflito aberto ou de silêncio e quase sempre de tristeza. Por isso o narrador, o homem do casal, cujo nome ignoramos, mas que sabemos que é “coordenador de intimidade na indústria do cinema”, vai-nos fazendo circular pelas suas recordações, pela descrição do dia a dia ou ainda pelas suas divagações sobre cinema, fotografias ou astronautas. Intervala estas deambulações com pequenos diálogos com Mariana, muios dos quais sobre a doença – nunca identificada. A distância vai-se reduzindo entre ambos, reduzidos ao convívio exclusivo durante 40 dias. A aproximação é feita de pequenos diálogos, toques, confissões, sinónimos e palavras cruzadas. A escrita é muito bonita: “Mariana chora como quem acorda num quarto no estrangeiro. Ela não sabe a palavra para abrir a porta e eu não sei a palavra para espreitar pelo buraco da fechadura. É como se Mariana nascesse inteira a chorar, no interior do quarto, e eu morresse, mudo e cego, do lado de fora. A nossa casa reveste-se de um branco imaterial, de vestido de noiva. Nos corredores, sobras de fantasmas.” (pg. 94) Admito que o livro pudesse ter tido um outro sabor se o tivesse lido ainda confinada em casa e a trabalhar à distância, mas termina por ser um diário do nosso confinamento, porque vão aparecendo as notícias que fomos ouvindo, os medos e a esperança que todos partilhámos.
“Quarentena - Uma História de Amor” de José Gardeazabal, Companhia das Letras, Lisboa, 2021 (li de 25/03/2021 a 27/03/2021) De José Gardeazabal conhecia alguma poesia. E tinha folheado um anterior romance na livraria sem grande interesse. Achei a escrita densa e, ligeiramente, pretensiosa. Quando vi pela primeira vez este novo romance a capa encantou-me. Folheei, percebi que seria sobre a “pandemia”. Resolvi experimentar a sua leitura tentando escapar ao meu próprio preconceito. É uma história tocante e que nos obriga a alguma reflexão, uma história de (des)amor em tempos de pandemia e de uma quarentena fechada. São as tensões de uma intimidade perdida de um casal, em processo de separação, que densificam o espaço da casa comum tornando a geografia deste casal uma batalha premente por pequenos espaços e pequenos detalhes. A escrita e a construção narrativa capta o leitor. Se por um lado o texto está cheio de referências hiper cultas - Robert Walser constante - tem igualmente algumas ilustrações pontuadas por pedaços do texto e que, surpreendentemente, enriquecem o livro. A verdade é que foi uma leitura fácil, divertida e que me fez sorrir. E isso é tão bom, quando um livro nos faz sorrir. É mais uma obra ficcional sobre a pandemia que vivemos e tenho a certeza de que esta primeira leitura será bem diferente da leitura que faremos daqui a alguns anos. #livro #literatura #covid19 #pandemia #bookstagram #book #bookclub #bookstagram
José Gardeazabal descreve uma situação que poucos tivemos a oportunidade de presenciar durante a quarentena, a salvação de uma relação amorosa já cessada. Por imposição da circunstância vivida, o amor inexistente teve tempo para ser curado. Talvez o tempo e o espaço que nunca seria possível ter tido. A identificação do leitor com os relatos do autor sobre a quarentena é inevitável. No entanto, não deixa de surpreender pelo cunho pessoal dado pelo autor à situação.
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a quem é que nunca aconteceu, ao ver um simples movimento de uma pessoa, lembrar-se de um filme de Ingmar Bergman? ou de uma pintura do Rothko? ou dos poemas Rilke? o quê? nunca vos aconteceu verem um movimento do braço de alguém e passarem horas a falar dessas coisas? não me digam.... então isso quer dizer que aqui o José é só um gajo pretensioso com muito pouco jeito para escrever romances ? okok
Um fantástico revisitar do período da pandemia, numa escrita absolutamente poética, encantadora, onde a maior das mensagens são subreptícias, obrigando o leitor a ler nas entrelinhas.
Um final absolutamente tocante e poderoso. Muito bom!