Espécie de breviário fantasmático, Devastação confronta-nos com vidas destroçadas pelo preconceito, por sobressaltos políticos, fantasmas do passado, a crise económica e os danos colaterais da pandemia. O que aconteceu no baile de finalistas onde Ema debutaria? João Pedro fez tudo para não passar o Natal na companhia do pai. Ofélia não hesitou em denunciar o neto à polícia. Gilberta nunca mais foi a mesma desde que a impediram de celebrar o vigésimo quinto aniversário. Inês descobriu nas dunas do Guincho que era verdade o que ouvira dizer acerca dos dedos grossos dos homens. De que modo a mulher de Zé Maria destruiu a auto-estima do marido? Afinal, o que une os protagonistas destes contos?
EDUARDO PITTA nasceu em Moçambique, a 9 de Agosto de 1949, vivendo em Portugal desde 1975. É poeta, ficcionista, ensaísta, crítico literário do jornal Público e autor do blogue Da Literatura, que estende ao espaço público electrónico a sua capacidade de atenção crítica. Publicou oito livros de poesia, três de ensaio, um de contos e também um diário. O essencial da obra poética encontra-se reunido em Poesia Escolhida (2004). No domínio do ensaio, os títulos mais recentes são Metal Fundente (2004), suma de artigos sobre autores tão diversos como, entre outros, Al Berto, W. H. Auden, Mário Cesariny, T. S. Eliot, Konstandinos Kavafis, Fernando Pessoa, Dylan Thomas, Walt Whitman, Oscar Wilde e Virginia Woolf, e Fractura (2003). Textos seus, de poesia e prosa, encontram-se dispersos por inúmeras publicações. Recentemente reeditado pela QuidNovi, o livro de contos Persona faz luz sobre aspectos menos conhecidos da guerra colonial em Moçambique. A Cidade Proibida é o seu primeiro romance.
Volto a dizer o que digo sempre quando falo de um livro que acabei de ler, escrito por um amigo, e felizmente tenho vários amigos com obras publicadas...não é fácil. Isto a propósito do último livro, recentemente publicado por Eduardo Pitta - um pequeno livro de contos denominado "Devastação". E começo pelo príncípio, uma capa muito conseguida e um título perfeitamente adequado ao conteúdo de todos os seis curtos contos. Estes contos têm um ponto comum - são "devastadores", mas são bastante diferenciados uns dos outros e assim gostei mais de uns do que de outros, o que será normal. Talvez estranhamente o que mais me agradou é aquele que considero mais "soft", intitulado "João Pedro" e o que menos me disse foi o último, intitulado "Zé Maria", pela profusão de nomenclaturas que me escapam e que preenchem a quase totalidade da narrativa. De qualquer forma, qualquer dos contos tem interesse, o livro lê-se num ai, mas fica alguma distância de outras obras de EP e refiro-me a obras de ficção, e só falo do exemplo de "Persona", porque este livro termina com uma pequena selecção de apreciações a este título e mais que justificadas, pois também eu acho que no campo da ficção "Persona" é o melhor livro de Eduardo Pitta.
De leitura rápida e intensa, “Devastação” junta histórias de vida tão peculiares quanto mundanas, trágicas ou simplesmente amarrotadas pelo peso dos dias. Narrativas cinematográficas, com quadros perfeitamente nítidos - parece que conheço alguém assim. Alguns murros no estômago, ainda me arrancou esgares de diversão pela inteligência dos plot twists. Queria mais.
Depois, temos esta escrita de Eduardo Pitta, limpa, sem metáforas, em linguagem direta. No início do conto Ema entra no autocarro, nada nos é dito sobre essa decisão. Mas o esgar do motorista e o espanto do revisor contam-nos toda uma história. Algo de grave se passou que não nos é dado a conhecer diretamente, cabe ao entendimento do leitor transcender a própria palavra escrita, uma elipse poderosa, avassaladora e o leitor treme de espectativa. Ao terceiro parágrafo já se rendeu e espera o pior, mas não consegue parar de ler. É assim em todos os contos, a elipse como uma segunda voz, um novo tipo de narrador a que não estamos habituados, pelo menos com este nível de mestria.