Um homem acorda e descobre que tem a companhia de um crocodilo. Outro personagem toma um trem para sair da cidade mas não consegue deixá-la. Os muros de um povoado começam a se movimentar. Nos contos de naturalidade inquietante e humor sutil de Bettega Barbosa, o real e o fantástico se confundem para transformar nosso modo de perceber a realidade. Nas histórias de Deixe o quarto como está , a lógica cotidiana abre espaço para estranhos eventos e relações, que passam a impor suas próprias regras e configuram um novo mundo. Alguns dos contos, como "Auto-retrato", "Aprendizado" e "Para salvar Beth", permitem uma leitura realista. Outros adentram sem hesitação o terreno do fantá "Hereditário", "O crocodilo", "O rosto", "O encontro" - inquietantes fantasias kafkianas narradas com o humor sutil de um cineasta surrealista. Há também relatos a meio caminho entre o real e a fantasia, como "Exílio", "Correria" e "Espera", que induzem o leitor a questionar a sanidade (ou franqueza) do narrador, para decidir sobre a credibilidade da história. Invariavelmente, o que impressiona é a habilidade de Bettega Barbosa em enredar o leitor como cúmplice na construção de estranhos e perturbadores universos.
Amilcar Bettega nasceu em São Gabriel (Rio Grande do Sul), em 14/02/64. É formado em Engenharia Civil e Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É autor dos livros de contos O Vôo da Trapezista (Movimento /IEL, 1994), que recebeu o Prémio Açorianos de Literatura 1995, Deixe o quarto como está (Companhia das Letras, 2002), menção especial no Prémio Casa de las Américas 2003, em Cuba, e que lhe rendeu outra vez o Prémio Açorianos 2003, e Os Lados do Círculo (Companhia das Letras, 2004). É leitor de português na Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris III. Em 2004 foi residente do Collège International des Traducteurs Littèraires, em Arles, na França. Vive em Paris.
[2,5] certeza que todos os contos têm nuances e significados que eu sou muito burra pra entender mas no fim só parece que o autor fala muito pra não dizer nada
Eu estaria mentindo se eu falasse que esse livro é bom: a escrita experimental do autor que abusa de metáforas bizarras e um surrealismo que tenta (e falha miseravelmente) em imitar o de Kafka faz com que a obra seja bem confusa, fazendo que muitas vezes você não entenda o que de fato o autor quer te dizer. Mas por outro lado, recebi tantas críticas negativas desse livro que quando de fato peguei para ler, achei a obra bem menos pior do que imaginei e os poucos contos que """faziam sentido"""conseguiram ser bons, ou pelo menos me ensinar alguma lição.
Por causa dessa maluca dualidade, dou 2 estrelinhas para esse sanatório em forma de palavras. (UFRGS você me paga)
Fui com expectativas bem baixas no geral, achava que poderia ser algo extremamente genérico pela relevância que o livro possuía até ser selecionado como leitura da UFRGS, mas me surpreendeu bastante, com o mix de referências que vão desde Murilo Rubião até literatura gótica de castelo, bem interessante.
Melhores contos: Aprendizado; Insistência; O rosto; correria. O livro do Bettega é de fato Estudos para a composição do cansaço, feito dentro do horizonte pós-moderno da literatura contemporânea brasileira. A história aqui, ou os fragmentos dela, são instrumentos da forma. Estilo esse que enfileira outros nomes como Murilo Rubião e Silvina Ocampo.
A personagem de um dos contos diz em certo momento: "Sei que não consigo fazer mais nada além de esperar", e esse me parece um sentimento que permeia todas as histórias desse livro. As personagens se mostram quase sempre passivas ou impotentes diantes de um mundo que desaba a seu redor - às vezes de maneira mais concreta, às vezes de maneira mais fantástica. E isso é meio cansativo, a leitura é bastante monótona porque cada conto parece em certa medida uma variação em cima de um mesmo acorde emocional: a passiva melancolia diante da ruína.
Em um ou outro conto as personagens têm nome, mas de maneira geral tudo é nomeado daquela maneira vaga, com substantivos ordinários: a casa, o rosto, a cidade, a loja, o crocodilo, a festa, etc. Nada parece ter peso ou consistência, mas tudo é mantido no terreno da alegoria. É um tipo de literatura muito intelectual, que para mim pessoalmente é extremamente enfadonha, e na maioria dos casos eu falho em enxergar algum tipo de mensagem ou significado profundo embutido nas narrativas. Não gosto de ler literatura em busca de mensagens, mas é o que nos resta a buscar nesse livro visto que a maioria dos cenários e das personagens não são mais do que recortes de papelão a serviço de alguma metáfora muito rebuscada.
Muitos contos me parecem, por fim, exercícios literários bastante preguiçosos — Amílcar Bettega imagina uma imagem bizarra (uma pessoa que leva um crocodilo nas costas, uma cidade cujas muralhas se fecham sobre si mesma, uma geleia que se gruda à mão das pessoas) e faz disso um conto. Não há desenvolvimento ou elaboração dessas imagens porque não há propriamente narrativa, não há personagens que reajam a essas bizarrices porque são todas unidimensionais e absolutamente passivas. O livro é, em grande parte, nada mais do que uma coleção de imagens bizarras.
Eu diria que Aprendizado é o único conto que eu salvaria. Talvez Para Salvar Beth, mas me pergunto se esse conto é elevado por méritos próprios ou pela aridez do material que a precede.
Não quer dizer que o livro devesse ser de outro jeito ou que Bettega devesse abrir mão de seu estilo e seu projeto literário. Certamente tem seu valor, e as imagens que ele propõe são de fato interessantes. Talvez alguém consiga ler coisas muito profundas nessas alegorias, talvez para alguém essas histórias façam sentido. Mas eu consegui ler apenas um exercício profundamente desinteressante e presunçoso de masturbação intelectual.
Оставете стаята както си е - Амилкар Бетега Барбоза😶🌫️ Съвкупност от истории, наблюдавани чрез мълчаливото присъствие на непознат дух сред живите. Усещането за читателя относно книгата е точно толкова призрачно, сякаш вие сте призракът, който иска да размени местата на нещата, да предизвика бунт или смирение в ситуацията, но остава само едно невидимо присъствие. Хареса ми специфичността на оживяване на думите от автора. Открояващ се синхрон на безумността. Близостта на крокодила в леглото и крокодила, вечно окачен върху гърба, носещ символ на богатство и пълна нищета. Лицето / образа, който гониш в празна стая и успешно го заключваш в клетката на подчинението, но той намира начин да избяга, счупвайки прозореца. А докато го следваш през процепа на счупения отвор, умираш от рушащото пронизване на изпадащите стъкла и твоето лице просто застива там. Мъж, който живее, за да носи желе в ръцете си, за да го има, за да има смисъл да съществува. Изключително нетрадиционна книга с доста предизвикателна мисловна точка. Дали ми хареса? – На моменти толкова силно исках да препрочета редовете, че се съмнявах в собственото си подреждане на думите, четейки, и разбрах, че именно това много ми хареса!
Os contos de Amilcar Bettega seguem uma linha de escrita experimental, como um tubo de ensaio para enredos maiores, que podem vir a ser contos mais complexos, novelas ou romances. Guardadas as proporções devidas de qualidade entre os autores, vai no sentido de “Objecto Quase”, de José Saramago, onde traços de romances futuros são testados em contos que parecem incompletos. É uma literatura casual, com potencial de ser explorada pelo autor em trabalhos posteriores. Por vezes as histórias parecem não ter um desfecho lógico, ou remetem a certo desperdício de linhas, mas em certo sentido imitam a vida: quantas vezes passamos por situações que nos parecem incompletas, relações que se interrompem ao acaso, desesperos que passam e sequer lembramos os caminhos que nos levaram até aquele estado? Uma leitura interessante.
Gosto do jeito que ele escreve e estou ciente que a escrita é muito mais pra criar uma experiência e uma imagem na mente do leitor, do que de fato uma história com começo meio e fim, mas não valeu muito a pena. Eu consigo ver um potencial não desenvolvido, em parte pela própria estrutura dos contos ser meio "vou escrevendo e vai surgindo". Alguns dos contos são muito bons, a maioria é media e tem alguns que, como os jovens diriam, "não dá pra tankar".
O livro é meio velho mas a gordofobia (não tem uma pessoa gorda que não seja descrita de forma pejorativa e feita pra causar nojo no leitor, isso em diversos contos) envelheceu mal.
Recomendo se você gosta de escrita imagética, mas pule rápido os contos que não gostar.
Leria por escolha própria? Não. Não gostei? Também não. Não achei uma leitura ruim, os contos são bons e eu consegui relacionar uma boa parte deles a algo de forma metafórica, não tenho certeza se captei a exata intenção do autor, mas sei que tirei proveito da leitura de minha própria forma. Gostei bastante de alguns contos, não foi cansativo. Gostei especialmente de Aprendizado, Hereditário, A Visita e Para Salvar Beth
O livro trabalha muito bem esse tipo de desespero silencioso do tédio e da solidão. Alguns contos parecem sonhos, talvez por isso nenhum deles tenha um final coerente.
com certeza o melhor livro que eu li pra ufrgs ate agora. eu li ate no onibus, nos intervalos que achei e antes das sessões de terapia. uma leitura muito divertida actuallyyyyyy
Antes de tudo, acho necessário tirar os elefantes da sala. Ao ler outras críticas da obra, dois aspectos foram frequentemente destacados como negativos: que os contos não possuíam finais claros nem "morais da história". Analisar a obra desta maneira é inadequado, pois incorre no erro de suprimir suas qualidades. Não é prudente criticar uma narrativa por não se enquadrar num modelo idealizado de conto, uma narrativa com início, meio e fim bem delimitados e, de preferência, com uma "moral da história" ao final, à maneira das fábulas infantis. Igualmente, parece haver uma dificuldade em entender a proposta do realismo fantástico enquanto gênero literário.
O grande mérito destes contos é expor, como o título alternativo sugere, diversas faces do cansaço, sobretudo esses novos tipos que parecem se esparramar pela atual sociedade sem serem compreendidos como clareza. Por que o autor deveria expô-los e descrevê-los de maneira sóbria e clara se nossa sociedade não consegue fazer o mesmo?
Embora defenda que é justamente seu caráter subjetivo, para não dizer confuso, que torna a obra instigante, já que reflete uma sensação bem conhecida na chamada "pós-modernidade" (o cansaço, a inércia) e abre as portas para as mais diversas discussões, também tenho uma crítica a esse aspecto: ele sai do controle. Por vezes, a subjetividade deixa de ser provocativa e torna-se um empecilho à leitura. Não acho que faltaria muito para resolver esse problema: uma revisão estritamente racional, por assim dizer, um toque final de sobriedade.
Por fim, também devo dizer que a qualidade individual dos contos varia muito, o que também contribuiu para diminuir a avaliação.
Dito isso, minha sugestão pessoal, e o conto que acho mais instigante, é A cura.