Jump to ratings and reviews
Rate this book

Claro Enigma

Rate this book
Publicado originalmente em 1951, "Claro enigma" é um marco na poesia de Carlos Drummond de Andrade. O livro faz reflexões sobre os segredos do coração humano e do fazer poético e tem poemas famosos como "Memória" e "Amar".

173 pages, Library Binding

First published January 1, 1951

41 people are currently reading
998 people want to read

About the author

Carlos Drummond de Andrade

243 books471 followers
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro. Formou-se em Farmácia, em 1925; no mesmo ano, fundava, com Emílio Moura e outros escritores mineiros, o periódico modernista "A Revista". Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde assumiu o cargo de chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Ministro da Educação e Saúde, que ocuparia até 1945. Durante esse período, colaborou, como jornalista literário, para vários periódicos, principalmente o Correio da Manhã. Nos anos de 1950, passaria a dedicar-se cada vez mais integralmente à produção literária, publicando poesia, contos, crônicas, literatura infantil e traduções. Entre suas principais obras poéticas estão os livros Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), A Rosa do Povo (1945), Claro Enigma (1951), Poemas (1959), Lição de Coisas (1962), Boitempo (1968), Corpo (1984), além dos póstumos Poesia Errante (1988), Poesia e Prosa (1992) e Farewell (1996). Drummond produziu uma das obras mais significativas da poesia brasileira do século XX. Forte criador de imagens, sua obra tematiza a vida e os acontecimentos do mundo a partir dos problemas pessoais, em versos que ora focalizam o indivíduo, a terra natal, a família e os amigos, ora os embates sociais, o questionamento da existência, e a própria poesia.

Ratings & Reviews

What do you think?
Rate this book

Friends & Following

Create a free account to discover what your friends think of this book!

Community Reviews

5 stars
755 (46%)
4 stars
526 (32%)
3 stars
255 (15%)
2 stars
68 (4%)
1 star
16 (<1%)
Displaying 1 - 30 of 92 reviews
Profile Image for Adriana Scarpin.
1,721 reviews
June 17, 2016
A mesa

E não gostavas de festa. . .
Ó velho, que festa grande
hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
e o que gosta de beber,
em torno da mesa larga,
largavam as tristes dietas,
esqueciam seus tricotes,
e tudo era farra honesta
acabando em confidência.
Ai, velho, ouvirias coisas
de arrepiar teus noventa.
E daí, não te assustávamos,
porque, com riso na boca,
e a média galinha, o vinho
português de boa pinta,
e mais o que alguém faria
de mil coisas naturais
e fartamente poria
em mil terrinas da China,
já logo te insinuávamos
que era tudo brincadeira.
Pois sim. Teu olho cansado,
mas afeito a ler no campo
uma lonjura de léguas,
e na lonjura uma rês
perdida no azul azul,
entrava-nos alma adentro
e via essa lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava
(perdoar é rito de pais,
quando não seja de amantes).
E, pois, tudo nos perdoando,
por dentro te regalavas
de ter filhos assim. . . Puxa,
grandessíssimos safados,
me saíram bem melhor
que as encomendas. De resto,
filho de peixe. . . Calavas,
com agudo sobrecenho
interrogavas em ti
uma lembrança saudosa
e não de todo remota
e rindo por dentro e vendo
que lançaras uma ponte
dos passos loucos do avô
à incontinência dos netos,
sabendo que toda carne
aspira à degradação,
mas numa via de fogo
e sob um arco sexual,
tossias. Hem, nem, meninos,
não sejam bobos. Meninos?
Uns marmanjos cinqüentões,
calvos, vívidos, usados,
mas resguardando no peito
essa alvura de garoto,
essa fuga para o mato,
essa gula defendida
e o desejo muito simples
de pedir à mãe que cosa,
mais do que nossa camisa,
nossa alma frouxa, rasgada. . .
Ai, grande jantar mineiro
que seria esse. . . Comíamos,
e comer abria fome,
e comida era pretexto.
E nem mesmo precisávamos
ter apetite, que as coisas
deixavam-se espostejar,
e amanhã é que eram elas.
Nunca desdenhe o tutu.
Vá lá mais um torresminho.
E quanto ao peru? Farofa
há de ser acompanhada
de uma boa cachacínha,
não desfazendo em cerveja,
essa grande camarada.
ind’outro dia. . . Comer
guarda tamanha importância
que só o prato revele
o melhor, o mais humano
dos seres em sua treva?
Beber é pois tão sagrado
que só bebido meu mano
me desata seu queixume,
abrindo-me sua palma?
Sorver, papar: que comida
mais cheirosa, mais profunda
no seu tronco luso-árabe,
que a todos nos une em um
que a todos nos une em um
tal centímano glutão,
parlapatão e bonzão!
E nem falta a irmã que foi
mais cedo que os outros e era
rosa de nome e nascera
em dia tal como o de hoje
para enfeitar tua data.
Seu nome sabe a camélia,
e sendo uma rosa-amélia,
flor muito mais delicada
que qualquer das rosas-rosa,
viveu bem mais do que o nome,
porém no íntimo claustrava
a rosa esparsa. A teu lado,
vê: recobrou-se-lhe o viço.
Aqui sentou-se o mais velho.
Tipo do manso, do sonso,
não servia para padre,
amava casos bandalhos;
depois o tempo fez dele
o que faz de qualquer um;
e à medida que envelhece,
vai estranhamente sendo
retraio teu sem ser tu,
de sorte que se o diviso
de repente, sem anúncio,
és tu que me reapareces
noutro velho de sessenta.
Este outro aqui é doutor,
o bacharel da família,
mas suas letras mais doutas
são as escritas no sangue,
ou sobre a casca das árvores.
Sabe o nome da florzinha
e não esquece o da fruta
mais rara que se prepara
num casamento genético,
Mora nele a nostalgia,
citadino, do ar agreste,
e, camponês, do letrado.
Então vira patriarca.
Mais adiante vês aquele
que de ti herdou a, dura
vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
reproduzir sobre a terra
o que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer que seu amor
seja uma prisão de dois,
um contrato, entre bocejos
e quatro pés de chinelo.
Feroz a um breve contato,
à segunda vista, seco,
à terceira vista, lhano,
dir-se-ia que ele tem medo
de ser, fatalmente, humano.
Dir-se-ia que ele tem raiva,
mas que mel transcende a raiva,
e que sábios, ardilosos
recursos de se enganar
quanto a si mesmo: exercita
uma força que não sabe
chamar-se, apenas, bondade.
Esta calou-se. Não quis
manter com palavras novas
o colóquio subterrâneo
que num sussurro percorre
a gente mais desatada.
Calou-se, não te aborreças,
Se tanto assim a querias,
algo nela ainda te quer,
à maneira atravessada
que é própria de nosso jeito.
(Não ser feliz tudo explica.)
Bem sei como são penosos
esses lances de família,
e discutir neste instante
seria matar a festa,
matando-te — não se morre
uma só vez, nem de vez.
Restam sempre muitas vidas
para serem consumidas
na razão dos desencontros
de nosso sangue nos corpos
por onde vai dividido.
Ficam sempre muitas mortes
para serem longamente
reencarnadas noutro morto.
Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres.
Estamos todos como éramos
antes de ser, e ninguém
dirá que ficou faltando
algum dos teus. Por exemplo:
ali ao canto da mesa,
não por humilde, talvez
por ser o rei dos vaidosos
e se pelar por incómodas
posições de tipo gaúche,
ali me vês tu. Que tal?
Fica tranquilo: trabalho.
Afinal, a boa. vida
ficou apenas: a vida
(e nem era assim tão boa
e nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
tenho todos os defeitos
que não farejei em ti
e nem os tenho que tinhas,
quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
com ser uma negativa
maneira de te afirmar.
Lá que brigamos, brigamos,
opa! que não foi brinquedo,
mas os caminhos do amor,
só amor sabe trilhá-los.
Tão ralo prazer te dei,
nenhum, talvez. . . ou senão,
esperança de prazer,
é, pode ser que te desse
a neutra satisfação
de alguém sentir que seu filho,
de tão inútil, seria
sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
o meu coração chateado.
Se me chateio? demais.
Esse é meu mal. Não herdei
de ti essa balda. Bem,
não me olhes tão longo tempo,
que há muitos a ver ainda.
Há oito. E todos minúsculos,
todos frustrados. Que flora
mais triste fomos achar
para ornamento de mesa!
Qual nada. De tão remotos,
de tão puros e esquecidos
no chão que suga e transforma,
são anjos. Que luminosos!
que raios de amor radiam,
e em meio a vagos cristais,
o cristal deles retine,
reverbera a própria sombra.
São anjos que se dignaram
participar do banquete,
alisar o tamborete,
viver vida de menino.
São anjos. E mal sabias
que um mortal devolve a Deus
algo de sua divina
substância aérea e sensível,
se tem um filho e se o perde.
Conta: quatorze na mesa.
Ou trinta? serão cinquenta,
que sei? se chegam mais outros,
uma carne cada dia
multiplicada, cruzada
a outras carnes de amor.
São cinquenta pecadores,
se pecado é ter nascido
e provar, entre pecados,
os que nos foram legados.
A procissão de teus netos,
alongando-se em bisnetos,
veio pedir tua bênção
e comer de teu jantar.
Repara um pouquinho nesta,
no queixo, no olhar, no gesto,
e na consciência profunda
e na graça menineira,
e dize, depois de tudo,
se não é, entre meus erros,
uma imprevista verdade.
Esta é minha explicação,
meu verso melhor ou único,
meu tudo enchendo meu nada.
Agora a mesa repleta
está maior do que a casa.
Falamos de boca cheia,
xingamo-nos mutuamente,
rimos, ai, de arrebentar,
esquecemos o respeito
terrível, inibidor,
e toda a alegria nossa,
ressecada em tantos negros
bródios comemorativos
(não convém lembrar agora),
os gestos acumulados
de efusão fraterna, atados
(não convém lembrar agora),
as fína-e-meigas palavras
que ditas naquele tempo ,
teriam mudado a vida
(não convém mudar agora),
vem tudo à mesa e se espalha
qual inédita vitualha.
Oh que ceia mais celeste
e que gozo mais do chão!
Quem preparou? que inconteste
vocação de sacrifício
pôs a mesa, teve os filhos?
quem se apagou? quem pagou
a pena deste trabalho?
Quem foi a mão invisível
que traçou este arabesco
de flor em torno ao pudim,
como se traça uma auréola?
quem tem auréola? quem não
a tem, pois que, sendo de ouro,
cuida logo em reparti-la,
e se pensa melhor faz?
quem senta do lado esquerdo,
assim curvada? que branca,
mas que branca mais que branca
tarja de cabelos brancos
retira a cor das laranjas,
anula o pó do café,
cassa o brilho aos serafins?
quem é toda luz e é branca?
Decerto não pressentias
como o branco pode ser
uma tinta mais diversa
da mesma brancura. . . Alvura
elaborada na ausência
de ti, mas ficou perfeita.
concreta, fria, lunar.
Como pode nossa festa
ser de um só que não de dois?
Os dois ora estais reunidos
numa aliança bem maior
que o simples elo da terra.
Estais juntos nesta mesa
de madeira mais de lei
que qualquer lei da república.
Estais acima de nós,
acima deste jantar
para o qual vos convocamos
por muito — enfim — vos querermos
e, amando, nos iludirmos
junto da mesa
vazia.
Profile Image for Isabela Uchôa.
25 reviews5 followers
February 25, 2023
sinto que esse livro tem um tom existencial e símbolos tão potentes que eu vou querer retornar em vários momentos da vida.

algumas vezes a linguagem era tão precisa, por mais abstrato que o conteúdo fosse, que ia me sentindo comovida e compreendida, mesmo que me escapasse alguma interpretação mais exata. alguns outros poemas, em contraste, vou ter que lutar mais um bocado pra extrair, ou talvez não também, parte da graça de drummond também é essa.

essa foi uma leitura que se comunicou e significou muito para os estados que eu tava, me fez sentir, matutar e nomear muitas coisas. a grandeza de claro enigma, no entanto, é que esse processo seria quase inevitável: é uma poesia que “tudo acontece por conflito”, como fala antônio candido, os dramas aqui trazidos são tão humanos, tão complexos e sutis, as imagens são tantas… que a isabela de agora, outrora, daqui a pouco e tantos outros leitores saíram também em afetação.

minhas partes preferidas: entre lobo e cão; os lábios cerrados; a máquina do mundo.
Profile Image for Thais Morimoto (tatakizi).
221 reviews42 followers
July 18, 2016
É muito difícil eu ler um livro de poemas e Claro Enigma me surpreendeu.
Sinceramente, eu estava lendo mais por obrigação do que por gosto pela poesia, e fiquei muito feliz por gostar da leitura.
Eu precisei pegar este livro para assistir à uma peça teatral no sábado, com trilha sonora do Renato Russo. Eu adorei tanto o livro quanto a peça.
Os atores recitaram praticamente todos os poemas, intercalando com situações do cotidiano.
Os meus poemas favoritos foram: Memória, Ser, Oficina Irritada, Fraga e Sombra, Canção Para Álbum de Moça, O Chamado, Perguntas, Amar, entre outros.
Apesar de poesia não ser o meu gênero literário favorito, eu acho incrível o modo como é escrito e estruturado. Com certeza lerei mais poemas no futuro, e quem sabe, apreciá-los ainda mais.
Em breve postarei uma resenha mais completa no blog A Full Time Reader.
Profile Image for Viviane.
18 reviews1 follower
April 13, 2019
Difícil eleger o que mais me encanta em Drummond, mas se eu tivesse que citar apenas uma característica, seria a habilidade na fluidez da escrita que carrega, numa leitura mais apurada, um imenso de significados. Aqui o nome “Claro Enigma” vai como uma luva. A escolha de palavras é cirúrgica e forma e conteúdo estão num casamento de almas gêmeas.

Assim como em “A Rosa do Povo" e "Sentimento do Mundo", a carga de pessimismo e descrença está presente, porém ainda muito maior. Entendo a importância de "Máquina do Mundo" em meio à obra, mas "Legado" tem meu voto como favorito, por conversar com outro favorito meu, que é "Consolo na praia" (poema do “A Rosa...”). Ambos trazem a ideia de se estar num lugar de desconforto, pensar sobre o que já se viveu e não ver razão em nada. A crise existencial fala alto, grita em versos que soam o arrependimento - quase "o que poderia ter sido e não foi", de Bandeira? Mais do que isso, não foi o ficar parado, foram os atos, em vão.
A isso, somam-se as situações da cidade querida se transformar com uma ação contra a natureza. A civilização. Como deixar um legado em meio a um caos, a flor brotaria do asfalto? Não se sabe.
Profile Image for Octavio Pontes.
74 reviews71 followers
July 27, 2018
"Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós,
e era tocá-lo e colhê-lo,
e sem demora sorvê-lo,
gastá-lo sem vão receio
de que um dia se gastara."

essa releitura foi tão linda, tão nova...
Profile Image for Barbara Maidel.
109 reviews44 followers
May 29, 2024
SINGULAR

Comentei na avaliação de Alguma poesia que descobri Drummond muito tarde, depois dos 30. Tinha marcado na memória poucos de seus poemas estudados na escola, especialmente “No meio do caminho”, e eles não me pegavam. Quando dei uma chance — “é tão elogiado por gente cuja opinião eu respeito, não é possível que não tenha coisas boas” — e fui ler outros poemas seus, foi como se uma janela se abrisse na minha mente e arejasse o quarto mofado, no porão, onde eu tinha guardado o nome do poeta. O erro era meu, claro, mas fico feliz de o ter consertado em tempo.

Claro enigma é muito mais denso e esfíngico que Alguma poesia, e eu não recomendaria que um leitor de primeira viagem começasse Drummond por aqui. Tem poema que você lê num dia de modo bem compassado, e quando lê no dia seguinte percebe tons diferentes. E no terceiro dia, ao reler o mesmo poema, parece que ele já mudou um pouco de novo. Outros trechos demandam pesquisa pra tentar entender o que o autor pode ter querido dizer.

Embora algumas vezes hermético, Claro enigma é excelente. É desses livros que fazem você sentir certo embaralho mental ao pensar como é que uma cabeça pôde criar tantas coisas tão belas e tão bem construídas; como é que uma cabeça pôde matutar versos que chegam ao ponto da gente não aguentar. Tem poema aqui — “A máquina do mundo” é um exemplo — que é tão impressionante que dá vontade de largar o livro abruptamente e sair pra caminhar: “é demais pra mim tudo isso agora”. Que sorte nascer no país que fala a língua de Drummond.

Segue, abaixo, uma demonstração; os títulos dos poemas donde pincei os trechos estão em caixa alta:

DISSOLUÇÃO

Escurece, e não me seduz
tatear sequer uma lâmpada.
Pois que aprouve ao dia findar,
aceito a noite.

[…]

E aquele agressivo espírito
que o dia carreia consigo,
já não oprime. Assim a paz,
destroçada.

[…]

No mundo, perene trânsito,
calamo-nos.
E sem alma, corpo, és suave.

*

CONFISSÃO

Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde, ao voltar da festa.

[…]

Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido —
que se esfacelou na asa do avião.

*

UM BOI VÊ OS HOMENS

[…] Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos – e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.

[…] e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

*

CANTIGA DE ENGANAR

O mundo e suas canções
de timbre mais comovido
estão calados, e a fala
que de uma para outra sala
ouvimos em certo instante
é silêncio que faz eco
e que volta a ser silêncio
no negrume circundante.

*

AMAR

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

*

ESTAMPAS DE VILA RICA (segmento II. SÃO FRANCISCO DE ASSIS)

Senhor, não mereço isto.
Não creio em vós para vos amar.
Trouxeste-me a São Francisco
e me fazeis vosso escravo.

[…]

Mas entro e, senhor, me perco
na rósea nave triunfal.
Por que tanto baixar o céu?
por que esta nova cilada?

Senhor, os púlpitos mudos
entretanto me sorriem.
Mais que vossa igreja, esta
sabe a voz de me embalar.

Perdão, senhor, por não amar-vos.


***

Livro apaixonante, dessas coisas que dão sentido à vida.
Profile Image for Rafael Dias.
4 reviews3 followers
January 23, 2018
Claro Enigma é uma daquelas obras que marcam a sua vida para sempre. Cm poemas tocantes, palavras muito bem escolhidas, e uma temática introspectiva -até sombria- podemos dizer que Drummond realmente caprichou nessa obra.

Dentre tantos poemas, A mesa, e Perguntas feitas em forma de cavalo-marinho foram as que mais me tocaram.

De alguma forma, sinto que Drummond me fez conhecer mais de mim mesmo ao expor mais dele mesmo. Excelente, até para quem não gosta muito de poesias.
Profile Image for Luiza Garcia.
44 reviews
November 4, 2024
É o primeiro livro do Drummond que leio. Eu comprei ele por causa das listas de leitura do vestibular e lembro que gostei dos poemas que li na época (2017). "Amar" é um dos meus poemas favoritos e foi um dos que me fez criar uma afeição pelo Drummond.
Eu gosto da mistura da métrica clássica com os assuntos mais modernos, cria coisas lindas. Para além disso, me identifico com o pessimismo que ele descreve, pois passa por um sentimentalismo, um amor profundo pelo mundo que se frustra, um olhar que antes era brilhante de esperança e agora brilha de lágrimas. Ele cria imagens precisas e potentes em poemas complexos, mas que fluem.
Foi uma surpresa bonita descobrir que os versos finais de "Relógio do Rosário" estavam gurdados no fundo da minha mente, por causa das aulas do cursinho. A memória é profunda demais
Profile Image for Lorenna.
104 reviews8 followers
April 7, 2022
“Pois eterno é o amor que une e separa, e eterno o fim
(já começara, antes de ser), e somos eternos,
frágeis, nebulosos, tartamudos, frustrados: eternos.
E o esquecimento ainda é memória, e lagoas de sono
selam em seu negrume o que amamos e fomos um dia,
ou nunca fomos, e contudo arde em nós
à maneira da chama que dorme nos paus de lenha jogados no galpão.”
Profile Image for Pedro Santos.
169 reviews5 followers
February 13, 2024
Todos vêm cedo, todos
chegam fora de tempo,
antes, depois. Durante,
quais os que aportam? Quem
respirou o momento,
vislumbrando a paisagem
de coração presente?
Quem amou e viveu?
Quem sofreu de verdade?
Como saber que foi
nossa aventura, e não
outra, que nos legaram?
No escuro prosseguimos.


Esses e tantos outros — magistral.
Profile Image for gi.
228 reviews3 followers
July 3, 2022
“dei sem dar e beijei sem beijar”

Profile Image for Elizete Nicolini.
205 reviews4 followers
November 16, 2021
One of the best Brazilian poets, in this book he shows all maturity's bitterness.
Profile Image for Jordana.
22 reviews2 followers
March 24, 2019
"depois o tempo fez dele
o que faz de qualquer um;
e à medida que envelhece,
vai estranhamente sendo
retrato teu sem ser tu (...)"
Em Claro Enigma, Drummond consegue externalizar dilemas humanos tanto universais quanto característicos da crise da Modernidade, expressando-se de maneira exímia como um homem de seu tempo. Com a linguagem simples, compreensível e fluída, não perde a poeticidade e a grandiosidade típicas do seu eu-literato, criando uma fácil identificação com o leitor. Uma leitura inspiradora e reflexiva que definitivamente recomendo aos amantes da poesia.
Profile Image for Maria Brito.
27 reviews7 followers
September 22, 2020
Cada poesia desse livro é uma avalanche de sentimentos e vivências, a poesia de Drummond tem a capacidade de nos transportar para dentro de nós e para dentro do outro. Ler e reler cada poema desse livro é se encontrar com a verdadeira beleza escondida entre as palavras e que se revela aos poucos e lindamente até se tornar um explosão de deslumbramento com o mundo e com os nossos Eu(s).
Por fim, Drummond nos traz o encanto de no meio de um sociedade de perguntas rasas e sem sentido nos fazer a pergunta que é realmente essencial.

-Que pode uma criatura senão,
Entre criaturas, amar?
Profile Image for Laur-Mihai Amanolesei.
21 reviews2 followers
October 13, 2024
Se morro de amor, todos o ignoram e negam.
O próprio amor se desconhece e maltrata.
O próprio amor se esconde, ao jeito dos bichos caçados; não está certo de ser amor, há tanto lavou a memória das impurezas de barro e folha em que repousava. E resta, perdida no ar, por que melhor se conserve, uma particular tristeza, a imprimir seu selo nas nuvens.
Profile Image for lary.
74 reviews10 followers
July 21, 2022
3,5 ⭐️

acho que com a crise do burnout todos deveriam ler esse aqui mesmo que não gostem de poesia. lindo de morrer e me fez derramar umas lágrimas pela primeira vez na vida lendo esse gênero.
os meus poemas favoritos foram os que tinham valor prosaico, acho que por isso vou gostar mais e mais de poesia moderna e pós-moderna do que qualquer outra coisa anterior a isso.
o tema too close to home nessa busca incansável de querer ser algo mais do que propriamente ser, a viciante busca que não deve chegar a lugar nenhum se não acaba a graça. o propósito de tudo coisa e tal. toda a parte etimológica também me fez ficar !!!! porque considero origens algo lamentável lindo.

— meus poemas favs (pra revisitar um dia):
“oficina irritada” !!!!
“soneto de falso fernando pessoa” !!!!!!
“amar”
“tarde de maio”
“morte das casas de ouro preto” !!!!!!!!!
“os bens e o sangue”
“permanência”
“a mesa” !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
“relógio do rosário”

— passagens favs da primeira leitura:

“onde nasci, morri.
onde morri, existo.
e das peles que visto
muitas há que não vi.”

“em maio tantas vezes morremos.”

“me conta porque mistério
o amor se banha na morte.”

“E o esquecimento ainda é memória (…)”


“Tão ralo prazer te dei,
nenhum, talvez… ou senão,
esperança de prazer,
é, pode ser que te desse
a neutra satisfação
de alguém sentir que seu filho,
de tão inútil, seria
sequer um sujeito ruim.”

“Nem existir é mais que um exercício de pesquisar de vida um vago indício,
a provar a nós mesmos que, vivendo, estamos para doer, estamos doendo.”
Profile Image for Livia Feitosa.
15 reviews
December 20, 2022
"E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,

e no fecho da tarde um sino rouco

se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas

lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,

a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia."

- máquina do mundo

Ou

"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?

amar e esquecer,
amar e malamar,

amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?

amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?"

- amar

Drummond era um gênio. Li esse livro há muitos anos mas sempre volto para trechos dele, pq sempre conversam com meu coração, minha cabeça e meus sentidos. A capacidade de descrever em palavras tão bem postas sentimentos e percepções tão abstratas é o que torna Drummond um autor muito especial, e fico feliz que o Brasil foi presentado com um escritor tão talentoso.
Profile Image for beatriz morais.
28 reviews
October 19, 2023
"Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler."

Oficina Irritada é um dos poemas escritos com força nessa obra. poema que se escreve martelando as teclas ou rasgando o papel com a ponta da caneta. simplesmente não simples de lidar. isso é o que faz um livro ser grandioso.

talvez não seja velha suficiente pra compreender certos aspectos apresentados por Drummond, mas, a maioria dos que pude grifar, ler e reler nesse livro foram o suficiente para compreender a magnitude dos sentimentos abrigados nessas páginas.

Alguns poemas foram agradáveis de ler, já outros angustiantes. novamente, isso é o que faz um livro ser grandioso. a quantidade de sensações sentidas entre essas páginas, especialmente lendo Permanência e Cantiga de Enganar foram distintas, mas incrivelmente extensas, firmes, difíceis de esquecer.

Apesar de envolver uma série de palavras ásperas, são lindas coisas escritas aqui. ele realmente sabia o que estava fazendo

Profile Image for Gonçalo Ferreira.
283 reviews11 followers
December 22, 2024
"(...)
O TEMA DA DISSOLUÇÃO

O poema de abertura de Claro enigma põe tudo o que vem pela frente sob o signo da escuridão que cai, do apagamento formas e, com elas, da vontade de agir no mundo. "Escurece", diz o primeiro verso de "Dissolução", soando uma nota que ecoará várias vezes ao longo de todo o livro, até a "treva” cai do "Relógio do Rosário"; o sujeito do poema inaugural não acende "sequer uma lâmpada", não destaca a própria "pele/ da confluente escuridão", antes a aceita, de "braços cruzados" gesto que prenuncia as "mãos pensas" do protagonista de "A máquina do mundo". A luz mortiça faz vibrar essa mesma nota dissolvente nos poemas seguintes: "nada resta" e tudo "se evapora" em "Remissão"; em "Legado", a "noite do sem-fim” não consente nenhuma "voz matinal"; e à "meia-luz" de "Confissão" empilham-se não os "tesouros", mas as partículas negativas "não", "nem", "sem".
(...)"
Samuel Titan Jr., "Um poeta do mundo terreno"
Profile Image for Soraya Viana.
159 reviews
October 29, 2024
Empolgada com a recente e maravilhosa releitura que fiz de "Sentimento do mundo", decidi ler "Claro enigma" e tive uma experiência bem diversa.

Como o título do livro já indica, ele não é de fácil compreensão. Grande parte dos poemas pode ser considerada hermética e por isso demorei a me conectar com a obra. O que me manteve lendo foram alguns poemas esparsos que são mais fáceis de entender.

A parte de que mais gostei foi a quarta, chamada "Selo de Minas", na qual o poeta fala de cidades específicas de seu estado natal. Depois disso, a leitura fluiu melhor para mim.

Com o auxílio de vídeo-aulas encontradas no YouTube, como a da professora Miriam Bevilacqua, fui capaz de perceber uma coerência narrativa no livro e assim apreciá-lo mais. Com certeza é um candidato a releitura daqui a algum tempo.
Profile Image for Thamires Silva.
74 reviews
October 25, 2021
Confesso que não sou a maior fã desse tipo de livros, porque eu sempre demoro um pouco para entender. São 41 poemas que tratam dos sentimentos do autor e transformações sociais da primeira metade do século XX. Foi basicamente o que eu entendi ao ler, ele traz um tom meio amargurado sobre a condição humana daquela época, a relação com a disputa de diferentes ideologias (a guerra fria) e, a busca não por respostas, mas pelas perguntas certas. O autor também demonstra um certo desencanto com a vida e a humanidade. Eu não entendi isso apenas lendo, eu tive que pesquisar um pouco sobre o contexto histórico do livro, o autor e a própria obra. É uma escrita complexa e dificilmente se entende de primeira, mas se tiver paciência em pesquisar sobre acredito que valha a pena.
Profile Image for Hypado.
30 reviews2 followers
January 7, 2019
Este foi o primeiro livro de poesia que eu li na minha vida. O Carlos, do inicio ao fim, provou ser um mago das palavras. Eu pude comprovar que no mundo dos poemas, tudo é bem pensado, cada palavra, cada linha.

É ótimo ler este tipo de livro para aumentar o seu conhecimento na nossa linda língua portuguesa, você aprende mais sobre gramática, ortografia e aumenta o seu vocabulário com palavras pouco utilizadas no nosso dia a dia.

E ainda fiquei sabendo que o Carlos traduzia livros do francês para o português e isto me fez ficar ainda mais admirado com este grande escritor brasileiro. Ainda prefiro romances, mas com certeza, vale a pena ler livros de poesias de vez em quando.
Profile Image for Sandro Helmann.
300 reviews
May 28, 2023
Os poemas mostram a inteligência e habilidade linguística do autor, que chegava aos cinquenta anos. Alguns exigem paciência pois são difíceis de ler e interpretar, como "A máquina do mundo", onde há referências a Dante e Camões e extrema preocupação com a métrica; mas outros, como "A mesa", que narra uma ceia familiar, "Ser", do filho que não vingou, "Oficina irritada", um soneto torto, e "Amar", sobre amar hahaha, são, além de bem escritos, de fácil compreensão. Em comum, todos elaborados com muito esmero.
Profile Image for Priscilla.
1,928 reviews14 followers
May 12, 2022
Drummond, mas triste, amargo pelas frustrações da vida.

Os poemas dessa antologia fogem do Modernismo, se apegando novamente a métrica, mas sem abandonar a forma. Como tudo de sua obra, é para ser declamado, não apenas lido, embora as reflexões pareçam por demais pessoais para serem compartilhadas.

Ainda assim é Drummond. Um poeta brasileiro que todos deveriam ler ao menos uma vez, que embora use e abuse de referências e linguajar mineiro, fala à todos todos os estados.

Recomendo.
42 reviews1 follower
April 1, 2021
Eu admiro esses poemas, mas me frustro muito so lendo. Drummong tenta ativamente afastar nosso olhar e nos excluir do seu processo. É isso que faz delicioso decifra-lo. O jeito laconico e obscuro com que ele se esconde torna descobri-lo um quebra-cabeça charmoso, mesmo que não carismático. Detestei ler esse livro, mas é nota mil.
Profile Image for Agnes.
172 reviews4 followers
November 22, 2021
v. museu da inconfidência

são palavras no chão
e memórias nos autos.
as casas inda restam,
os amores, mais não.

e restam poucas roupas,
sobrepeliz de pároco,
a vara de um juizm
anjos, púrpuras, ecos.

macia flor de olvido,
sem aroma governas
o tempo ingovernável,
muros pranteiam. só.

toda história é remorso.
Profile Image for Renata Hammes.
77 reviews3 followers
January 3, 2023
Eu não tenho costume de ler poesia, logo, também não tenho facilidade. Os poemas mais longos me fazem perder a atenção facilmente mas, surpreendente, me vi refletindo sobre muitos dos poemas tão inteligentes, críticos e reflexivos. Quem sabe quando eu melhorar minha "fluência" com poesia, releia Drummond.
Profile Image for Dani.
11 reviews
June 8, 2020
Great to think and get some experience with poem interpretation.
Drummond is one of Brazil legends!


É ótimo refletir e ter alguma experiência com a interpretação de poemas.
Drummond com certeza é uma das lendas da poesia Brasil!
Displaying 1 - 30 of 92 reviews

Can't find what you're looking for?

Get help and learn more about the design.