O Português à Descoberta do Brasileiro é um hino à liberdade, um livro que se distancia e ri das formas de conservadorismo e autoritarismo linguístico, afirmando a soberania de todos os falantes da língua portuguesa, estejam em que lado do Atlântico seja.
O livro compreende uma reflexão a respeito da influência do ‘brasileiro’ sobre o ‘português’ e a crescente separação das duas variantes em idiomas diversos. Os capítulos iniciais e finais são recentes, enquanto os intermediários são textos escritos ao longo de uns vinte anos. O autor é linguista português e não o conhecia até que ele fosse citado em artigo do João Pereira Coutinho, o filósofo português, na Folha de S. Paulo. Foi professor na Universidade de Amesterdão (também conhecida como Amsterdã entre os brasileiros) Confesso que os artigos mais antigos acabam por ser repetitivos. Os exemplos de ‘brasileirismos’ são quase sempre os mesmos. Na avaliação dele, alguns são bem-vindos em Portugal, outros nem tanto. Descobri, aliás, que vários eram nativos do Brasil graças ao livro. Exemplo de ‘será que’ como pergunta; ou ‘mesmo’ usado como reforço. Tive a impressão de que o autor, ao longo dos anos, se inclinou para uma maior tolerância – mesmo que dentro de certos limites – à influência brasileira. A inclusão de vocabulário talvez seja um mal menor e ele até se mostra simpático caso não exista um, digamos assim, similar nacional. De outro lado, ele se posiciona contrário à modificação da sintaxe, o – segundo ele – núcleo de uma língua. Coisas que são permitidas e aceitáveis no Brasil não o são em Portugal. Segundo ele próprio, “Em termos gerais, pode afirmar-se isto: um sector importante da sintaxe brasileira está interdita ao utente português. Retomando o exemplo acima: um português jamais dirá ‘Onde ele mora?’ Esta sintaxe está-lhe vedada”. Defende ele que “A sintaxe é a espinha dorsal dum idioma, e por isso difícil de subverter. A influência brasileira sobre o português europeu esbarra nessa linha vermelha”. Além disso, há considerações interessantes a respeito de como cada um dos países vê a si próprio. A invasão dos brasileirismos parece ter se dado principalmente nos anos 1970 e 1980, quando da transmissão em larga escala de telenovelas brasileiras em Portugal, coisa que parece ter refluído nos últimos anos. De qualquer modo, a influência linguística entre os dois países parece se dar em uma via só – conclusão do autor – porque ele desconhece qualquer exemplo de influência portuguesa no modo de falar dos brasileiros. De fato, consigo pensar em só um caso – que a substituição é feita por alguns que se pretendem mais eruditos – do gerúndio pelo infinitivo e que acontece com razoável frequência entre os juízes. Também o ‘brasileirismo’ se mescla em Portugal de modo que nos parece completamente não-brasileiro. Eis um exemplo apresentado pelo autor e tirado do jornal Expresso: “Um dia em conversa disse-lhe ‘Ah, eu gostava era de ser ator.’ E ele respondeu: ‘Eu conheço um realizador, vou to apresentar (sem hífen)’, por ‘vou-to (com hífen)’. O detalhe não-brasileiro é o uso do pronome combinado – to – algo que é tão raro deste lado do Atlântico quanto o rinoceronte de Sumatra. No Brasil, se diria algo como “Eu vou apresentá-lo a você” ou “Eu vou lhe apresentar o realizador”. Parece-me verdade a afirmação de que da parte dos brasileiros há uma certa língua portuguesa espectral que nos assombra, uma língua de um formalismo ideal que cada vez menos têm relação com o Brasil. A conclusão do autor é que “Deste modo, todos os factores de afastamento das duas normas permanecem intocados e em plena acção. A diferenciação de português brasileiro e português europeu, que já se veio desenhando ao longo de séculos prosseguirá lenta, mas irreversível. Não existe caminho de volta”. Nem me parece que isso seja realmente um problema. Talvez se aproxime a hora em que aquilo que se fala na América do Sul – parente bastante próximo do português – merece ser visto com um idioma próprio. Talvez seja uma solução saudável para os países dos dois lados do Atlântico. Por fim, concordo com a afirmação que o Acordo Ortográfico de 1990 foi inútil e desnecessário. P.S.: a despeito dos capítulos intermediários, que acabam por se tornam bastante repetitivos, os capítulos inicial e final valem a pena e aprendi muita coisa ali.
Colectânea de artigos publicados entre 1984 e 2021 acerca da influência e consequências do uso de «brasileirismos« em Portugal. Para alguns portugueses houve perigo na adopção, via telenovelas, do léxico e formas sintácticas do português do Brasil. Mas o que é facto que as duas formas da língua cada vez mais se afastam, independentemente da influência unilateral das variantes (apenas do Brasil para Portugal): «Esse conflito desembocará na inelutável consciência de que a a ruptura já está aí, diante dos nossos olhos», p. 133. Mas fica-me uma pergunta: e os anglicismos, alguns disfarçados e outros nem tanto, nos discursos escrito e oral? Também são perigosos»