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192 pages, Paperback
Published April 25, 2022
Como bom trabalho de antropologia, oferece aos leitores uma perspectiva do mundo a partir de outra cultura, onde alguns pontos coincidem, outros estão invertidos e as relações se modificam oferecendo uma imagem outra do mundo (e de tabela, de nós mesmos).
Os sonhos são a matéria-prima da análise no livro, mas dado que sua função na sociedade Yanomami é bastante diferente daquela que restou às culturas ocidentais, somos forçados a encarar uma realidade na qual o sonho não é apenas a manifestação privada das instâncias mais íntimas do próprio sonhador. Para os Yanomamis, o sonho é parte da vida coletiva, é socializado e frequentemente invadido pelo outro. As narrativas de sonho podem determinar o rumo dos acontecimentos na aldeia e constituem a base do conhecimento, quem sonha com um lugar distante passa a ter conhecimento sobre esse lugar. Ainda mais impressionante é a operação de inversão que operam (inversão em relação ao ocidente e às ideias freudianas, claro) ao entender que é o desejo do outro que se manifesta no sonho: quando os Yanomami sonham com alguém distante é esse ausente que sente saudades, ou seja, o objeto do sonho (com quem se sonha) é o sujeito do sentimento (saudade). É o desejo dessa pessoa distante que invade o sonho.
Há ainda muitas questões formuladas no livro a respeito dos diferentes registros sonho/vigília; da noite e dia, na verdade, a noite é o dia dos espíritos; do delírio sob efeito da yakoãna e do sonho, não são a mesma coisa, mas não há diferença clara entre ambos; entre a imagem (utupë) e o corpo... Mas a simples oposição não define a relação entre essas instâncias. Podem se opor sob alguns aspectos, mas por outros encontram-se em um mesmo continuum tal qual os lados de uma fita de Moebius.
Em seus primeiros contatos com os Yanomami, a antropóloga descobriu, por acaso, a valorização do sonhar no contexto coletivo: a narrativa do sonho está incluída nas formas de convívio no grupo. A autora ainda analisa a continuidade entre espaço-tempo, vigília e sonho, dia e noite, utilizando o modelo topológica da fita de Moebius. Os Yanomami consideram o sonho como uma mensagem que provém de um outro, alguém que está distante ou morto. Essa mensagem será considerada tanto pelo sonhador como pelo grupo.