A estreia da premiada dramaturga Manuela Dias na literatura é uma alegoria visceral, bruta e cirúrgica sobre o mundo que vivemos
Tilikum tem uma força incomum. Tilikum pode nadar tão rápido quanto os peixes. Tilikum pode permanecer debaixo d'água por um tempo que os humanos comuns não conseguiriam suportar.
Tilikum tem pai, mãe, irmãos... Tilikum tem uma família. Tilikum quer viver.
Neste seu livro de estreia, a dramaturga Manuela Dias toma emprestada a cronologia da vida da baleia Tilikum para contar a história de Tilikum, agora um ser humano portador de uma mutação genética que o faz ser diferente, mas não menos humano que qualquer um de nós.
Agora somos Tilikum. Arrancados de nossas famílias, vivemos, cada um de nós, num cubículo onde mal conseguimos nos mover. Aquilo que o faz diferente de outras pessoas já não é um detalhe senão o seu destino, a razão pela qual você estará condenado a servir de entretenimento a uma turba de outros homens e mulheres sorridentes.
Oh, que maravilha! Vamos, Tilikum! Mais um pulo! Mais um rodopio! Mais um beijinho!
Livro extremamente provocador. A autora revisita o caso das "Orcas" do Sea World para recriar uma narrativa que constantemente desafia o senso de humanidade: as pessoas admiram seres que são capazes de seguir e até imitar comportamentos sociais, mas são incapazes de reconhecer nesses seres qualquer noção de dignidade. Tilikum é um personagem que serve aos humanos, gerando lucro e diversão, mas é tratado como um mero animal, cuja única prioridade é ter suas necessidades fisiológicas atendidas. No entanto, como um ser vivo que sofre uma mutação, ele é capaz de manifestar sentimentos e comportamentos típicos de uma pessoa comum. Enquanto leitores, somos convidados a visitar esse cenário de sofrimento.
Manuela Dias escreve uma história fascinante que mistura realidade com ficção, ciência com especulação, envolvendo o leitor capítulo após capítulo com a tragédia de Tilikum. É impossível terminar a leitura sem refletir sobre nossa relação com outras espécies e a alteridade presente entre as pessoas ao nosso redor.
As pessoas de minha geração devem se lembrar dos shows com golfinhos e baleias que eram badalados antigamente. Nós mesmos aqui fomos ver os Golfinhos de Miami. Mas por traz desses espetáculos grandiosos se escondiam os maus-tratos com os animais e é sobre isso que o livro trata. O nascimento, a captura,os anos em cativeiro e a morte de Tilikum.
A escrita em primeira pessoa faz com que a gente se envolva e consiga sentir o mesmo que Tilikum.
Tilikun é um livro curto que dá vazão às agonias de quem sofre com a violência, o abandono e a falta de empatia. vejam:
"...valer dinheiro é quase tudo que você precisa para que te mantenham vivo e perdoem suas falhas. Se você é capaz de gerar lucro, não tem problema. a chance de errar também está à venda. Por isso, os ricos podem errar, enquanto os pobres têm que vencer a cada pequena oportunidade que apareça."
A escrita da Manuela é bem envolvente o que facilmente daria pra devorar o livro em pouco tempo. Mas a história é um soco no estômago, eu tive que parar e "dar um tempo" várias vezes. nunca fui consumidora desse tipo de espetáculos e sempre achei um absurdo. Mas ler, a história dessa forma, me deixou com mais ódio do que nunca.