"Mãe, a senhora precisa se libertar destas pessoas. A senhora não deve nada pra elas. Não tenha medo de encarar esse povo que nunca limpou a própria privada."
Solitária conta a história de duas mulheres negras, Mabel e Eunice, mãe e filha, que moram no trabalho, um condomínio de luxo desses encontrados em qualquer grande cidade brasileira. Eunice, a mãe, é testemunha-chave de um crime chocante ocorrido na casa dos patrões. Mabel, a filha, constrói o caminho que leva não apenas à elucidação deste crime, mas a uma mudança radical na vida das pessoas que cercam as protagonistas. Em prosa ágil, intensa e assertiva, Eliana Alves Cruz constrói uma miríade de histórias que revolve o imaginário do trabalho doméstico no Brasil — ainda tão vinculado à época escravocrata — e o relaciona a questões contemporâneas urgentes como a pandemia, o debate sobre ações afirmativas e a luta por direitos reprodutivos. Testemunho de uma crucial mudança de sensibilidade no espírito de nosso tempo, Solitária dá provas do quão urgente se tornou elaborar — sem meias palavras — não apenas a história, mas as sobrevidas da escravidão colonial. Ao fazê-lo, mostra como é possível enfrentar o desafio moral e ético de abordar essas experiências de vida sem replicar gratuitamente a violência que a sustenta nem reencenar nenhum pacto oculto de subalternidade. É um romance libertação.
"Eliana narra com a maestria da linguagem de alguém que sabe lidar com as palavras." — Conceição Evaristo
"Em Solitária, Eliana desponta como uma das mais importantes vozes de nossa literatura contemporânea." — Itamar Vieira Junior
Jornalista por formação, Eliana Alves S. Cruz nasceu no Rio de Janeiro, onde atua como chefe do Departamento de Imprensa da Confederação Brasileira de Esportes Aquáticos, sendo também vice-presidente do Comitê de Mídia da Federação Internacional de Natação – FINA. Nesse campo de trabalho, visitou dezenas de países e participou de três Olimpíadas, vinte Campeonatos Mundiais e inúmeros eventos nacionais ligados ao esporte aquático, sendo também responsável pelo site www.blacksportclub.com.br, voltado para o resgate da presença negra no esporte.
Como escritora, vem se destacando na ficção, inicialmente com o romance Água de barrela, fruto de cinco anos de pesquisa sobre a história de sua família desde os tempos da escravidão. Em 2015, o livro foi contemplado em primeiro lugar no Prêmio Oliveira Silveira, concurso promovido pela Fundação Cultural Palmares, que o publicou no ano seguinte. E uma nova edição já se encontra disponível pela Malê Editora. Para a antropóloga Ana Maria da Costa Souza,
A profundidade dos personagens e a verossimilhança das situações por eles vividas são os pontos chave deste romance baseado em 3 séculos de história real de uma família negra no Brasil. Não há como não ser tocado por emoções intensas diante de muitos momentos do texto. A força da narrativa reside, precisamente, na riqueza de detalhes que conferem densidade e vigor à história.
Em 2016, integrou a edição 39 da série Cadernos Negros, com poemas de sua autoria. E, no ano seguinte, contribuiu com dois contos para a 40ª edição dos Cadernos, entre eles a narrativa de ficção científica intitulada “Oitenta e oito”. Neste mesmo ano, participou também da premiada antologia Novos poetas.
Empenhada no resgate da memória social e cultural afro-brasileira, seu mais novo romance – O crime do cais do Valongo – figura como romance histórico e policial, com uma instigante narrativa que se inicia em Moçambique e chega até o Rio de Janeiro.
A influência que a autora teve para escrever sobre o Valongo, foi a descoberta dos objetos encontrados em escavações recentes. Entre o período de 1811 a 1831 muitos escravos chegaram ao Brasil por esse cais, todos os artefatos despertaram a criatividade da autora, possibilitando assim o começo da escrita do seu livro, que é feito de inúmeras memorias dos ancestrais que foram escravizados e mortos no cais, - diz autora em entrevista a Médium Books(https://medium.com/blooks/entrevista-...-).
A mensagem que a autora deixa para os seus leitores em entrevista a Médium Books é “Brasil, se olhe no espelho, enxergue quem você realmente é se ame. A história e o conhecimento do povo negro são tesouros riquíssimos que precisam ser descobertos e aproveitados por toda a nação”. Assim é possível observar o resgate da memória e a preservação da identidade cultural negra almejado pela escritora.
Eliana Alves Cruz é também autora do blog www.flordacor.blogspot.com com textos voltados para a apreciação do trabalho de mulheres negras brasileiras em diversos campos de atuação.
Perdeu-se uma boa argumentista de telenovelas, como já tinha suspeitado em "Nada Digo de Ti que em Ti não Veja". Como em todas elas, os vilões são castigados e os bonzinhos têm o seu final feliz. Junte-se a isso a escrita ralinha, as personagens planas e a falta de nuance entre ricos/pobres, brancos/negros e percebe-se que a existência de uma mensagem não chega, porque há pessoas que são escritoras e outras (demasiadas) que escrevem, como no caso de Eliana Alves Cruz.
Como um pôr do sol que vai chegando de mansinho dentro da moldura de uma janela elegante, ou como a manhã que aos poucos tinge o céu com o mesmo rosa poente do dia anterior, nossa vida foi passando.
"O impossível tem suas condições para acontecer. E as razões são quase sempre econômicas."
"Éramos pássaros dentro de um viveiro luxuoso, mas uma jaula deixa de ser a vilã da liberdade só porque é pintada de dourado?"
"Acho que às vezes a gente está numa situação ruim, mas se acostuma com ela e não quer sair porque é ruim, mas é conhecido."
"É curioso reparar como algumas pessoas nesse mundo não têm direito à meninice. Quando ainda mal se sustentam em cima das pernas, são vistas como adultas; enquanto outras serão para sempre garotas e garotos. Em geral as primeiras frequentam quartinhos como eu."
É incrível ver a genialidade da literatura contemporânea feminina oriunda do Brasil. Há uma série de novas autoras a escreverem coisas fabulosas e este Solitária é mais um excelente exemplo. Escrita belíssima, personagens cheias de camadas, intensidade e ritmo e tensão na medida certa. Gostei de tudo (bom, não adorei a última parte, mas apenas porque teria escolhido outro narrador).
3,8* "Solitária" é um livro que flui bem, com um ritmo agradável a gerar expectativas para o que vem a seguir. Li-o em apenas dois dias, com curiosidade crescente. Gostei de algumas personagens, que representam bem, por um lado, a luta dos pobres por uma vida digna e, por outro, a soberba dos ricos. O único problema aqui foi o mesmo que senti em "O Cortiço": há muitos estereótipos, sobretudo em relação aos ricos e patrões, retratados sempre como seres maquiavélicos e criminosos premeditados. E os pobres são os bons, sempre injustiçados, que terão a sua vingança, quanto mais não seja, divina. Mas a história é boa. É uma boa leitura.
3.5 ⭐️ “Era preciso estar presente sem estar. Uma boa serviçal é silenciosa, e a criança que é a filha dessa mulher também deve ser. (…) Ela não é uma criança. É um incômodo, alguém apenas tolerado… Era como dizia num dos livros de uma escritora chamada Conceição Evaristo, que Mabel passou a devorar e de vez em quando lia pra mim: “Em boca fechada não entra mosquito, mas não cabem risos e sorrisos.”
Neste livro acompanhamos a história de uma mulher negra, empregada doméstica, e da sua filha. Apesar da condição e condenação desta mãe a uma vida humilde e submissa, a filha luta para que o mesmo destino não se perpetue na sua. É uma narrativa que aborda o fosso entre classes sociais, as suas consequências, mas também é uma história de resiliência. Gostei da experiência de leitura, contudo a parte final do livro não me conquistou.
“Gosto muito de livros que dão voz às pessoas comuns, sobretudo às que infelizmente não têm essa representação nas histórias que consumimos, sejam elas em que formato forem.”
Um retrato genuíno de um país que não esconde seus preconceitos e seus privilégios é o que fundamenta o presente livro e a realidade de todo um povo.
Com um romance ágil, em poucas páginas a escritora transpõe as ausências (de direito, de consciência de classe) e as presenças (de servidão, ignorância, crimes) quando nos conta a vida entrelaçada de uma empregada doméstica com as dos patrões que vivem em uma cobertura de área nobre, assim como toda sorte de absurdos que rondam aqueles que detém o poder e aqueles que dele são escravos.
Escancarando a desigualdade e o racismo que mãe e filha sofrem no emprego, a escritora humaniza aqueles que não são vistos senão como objetos, traz para a literatura a violência diária e humilhante aos quais são infringidos, mas mais que isso, transporta resistência, que ao menos aqui, na literatura, é capaz de por fim ao ciclo vicioso do mal, que sabemos corroer em cada cidade, em cada lar, a vida de quem não pode ou não consegue se libertar. A mim, uma ótima leitura, todavia gostaria de maior desenvolvimento das personagens.
Eu ouvi falar tão bem da autora, mas infelizmente esse em específico não rolou pra mim. Acho que era uma sequência muito grande de desgraças e a abordagem de COVID no último capítulo acabou me deixando meio mal, pra completar. Quero muito ler os outros romances dela, porque foram super bem recomendados, mas esse eu senti que foi escrito “com pressa”.
I devour books. Yet, it is rare that I find a book that truly captivates me, that holds on and doesn't let go. Solitaria is one of those captivating books. I was spellbound by the microcosm that the author created with the characters of the Golden Plate.
Mabel (daughter), Eunice (mother) are bound to the Golden Plate, a luxury apartment building / condominium in a city in Brazil. Their lives are modest at best; Eunice cares for a very wealthy family on the top floor - assuming the roles of maid and caregiver in exchange for a small salary and room for her and Mabel, called the "littleroom". Mabel and Eunice don't always see eye to eye, especially as Mabel matures and becomes an independent adult. Over the years, we see the interactions that Mabel and Eunice have with the family that Eunice is employed by, as well as how their lives intersect with various occupants of the Golden Plate. When Eunice witnesses a tragic accident at the dawn of a new beginning for many involved, will she be able to take a stand against that which has oppressed her for so long?
I'm a bit speechless. This book completely caught me off guard. I really wasn't expecting to be so captivated by it, but it is a book where the synopsis / premise is deceiving. The story is WAY more than what it is perceived to be. But not just the story, the writing is exquisite. Allow me to back up. Firstly, it does have a tiny bit of a slow start - mostly I think because I felt I needed to acclimate myself to the author's writing style, and the language of how the characters communicated. Once I got deeper into reading it, the story definitely flowed FAST, and I found myself devouring it in a very short amount of time.
The author's writing has straightforward, yet sharp-witted prose - intricately mixing simple conversations and thoughts with captivating morsels of wisdom. The evocative nature of the writing conjured many memories of my own to the surface and I could draw many comparisons - both to Mabel and to Eunice. Part 1 is told by Mabel, Part 2 by Eunice, and then there is a Part 3 told by a third party which I will not divulge. But it was within Mabel's and Eunice's separate views and experiences of some of the same sequence of events where I was really able to relate to each of their characters. This brought to surface some of my own feelings of inadequacy, guilt, and shame that I tend to bury deep.
Specifically, I could identify with the following, and I feel like this book spoke to so many different past and current versions of myself:
As Mabel: Being the lonely child who just wanted to be seen and heard by her mother. Becoming the wild teenager who was pushed into adulthood before it was her time.
As Eunice: The mother who wishes more for her child than what she endured with the limited opportunities that were available to her. The self doubt of being uneducated and not good enough (or smart enough) to advance further in life.
The last 20% of this book was what sealed it for me. It was good up until that point, but then it transcended and became something more. I won't spoil it for you, but please please finish this to the end! This is one of those books where the ending propels the book into the cosmos to become a shining star.
There was so much packed into this short book. We experienced themes of social injustice, race, class, colonialism; what the legacy of slavery can mean, and what happens when one is liberated from that legacy. Grief, trauma, addiction, and mental illness make appearances here too. But we also see self-discovery, personal growth and lots of courage, by many of the characters. It is a book that weaves the dark with the light, and is one that can give hope to many.
Many thanks to NetGalley, Astra House Publishing and the author for an ebook ARC in exchange for my honest review!
_______________________ A couple hours ago: This book COMPLETELY caught me off guard, and that doesn't happen very often. I literally couldn't put it down, and that doesn't happen often either. I'm gonna go write a review on this and be back. Just wow.
"O silêncio da solitária é um estrondo, uma trovoada de desprezo que não pára de soar na cabeça e na alma." 💭
"Solitária" é um livro sobre exploração. Exploração da emprega doméstica e exploração da mulher negra. A história de Eunice, empregada de uma família rica, e de Mabel, filha de Eunice. Moram num quartinho dos fundos num edifício luxuoso, e Mabel, enquanto criança, tem de ser invisível para não "perturbar os patrões". A empregada "faz parte da família", só não podemos é estar a conviver com ela. Pfff 🙄
Primeiro, queria começar por referir esta capa absolutamente extraordinária. Bravo, À/Parte 👏🏻 A capa é lindíssima, a escrita da Eliana é lindíssima, a história é trágica e a realidade de muitas mulheres no Brasil (e por esse mundo fora).
É um livro que carrega muita raiva, muita dor. A condição da mulher negra pobre enquanto empregada doméstica, mulher que tem de se anular para cuidar de uma família que nem sequer é a sua. É um livro sobre racismo estrutural e que aborda os direitos dos trabalhadores e a luta de classes, que retrata a condição da mulher pobre, que aborda a violência a que estas mulheres estão sujeitas durante toda a vida.
Queria deixar ainda uma nota para a escrita da Eliana, que faz com que uma frase, muitas vezes simples, tenha tanta profundidade e tanto significado dentro. É algo que vamos percebendo durante a leitura, os sentimentos que cada frase carrega. E quando percebemos o que Eliana fez com este título 🤯🤯 que mulher absolutamente genial!!
"Solitária" é um livro que não deixa ninguém indiferente. Merece muito ser lido e falado. É extraordinário 🥺💛
Terminei a leitura com a certeza de que vou querer ler tudo o que Eliana Alves Cruz já escreveu e o que ainda vai escrever.
Eliana Alves Cruz faz um ótimo trabalho em trazer protagonismo pra essa herança terrível dos tempos de escravidão, que são as domésticas que moram em cubículos na casa de famílias ricas. O livro é devorável, com uma história boa e personagens carismáticos. Mas senti falta de mais complexidade no enredo. A autora quis trazer muitos temas e acabou parecendo um pouco apressado e previsível.
Não sei o que esperava mas gosto daquele jeitinho que se parece com um suave balanceio e que se compreende bem do português do Brasil. Como estas duas mulheres, mãe e filha, que nos expõem uma desigualdade social a duas vozes através da exploração dos que servem pelos que são servidos, em capítulos curtos numa história dramática que se lê em poucas horas.
“Aquelas pessoas têm certeza de que nascemos para servi- las e de que o nosso caminho é apenas um.”
“Hoje fico com pena do sacrifício que era para se tornar invisível. Além dos espaços apertados que ocupávamos, o silêncio era um companheiro. Era preciso estar presente sem estar. Uma boa serviçal é silenciosa, e a criança dessa mulher também deve ser.”
Não é original mas cativa com a simplicidade da narrativa e personagens generosas. Um romance tocante e muito envolvente que, não se consegue parar de ler.
I've been slogging through this for days (despite the short length), alternating between physically reading and reading via audio, and this still just isn't working for me. Sometimes you gotta know when to call it quits. Apparently, for me, that's around the 50% mark.
I've seen universal praise for Solitaria and feel a little bit like I'm missing something. The descriptions of characters and scenes feel clunky, and I find myself having to re-read paragraphs multiple times to try and make sense of them. In particular, the dialogue misses the mark, and the book has an overwhelming lack of verisimilitude.
On a personal level, the narrative voice used here is one that I rarely enjoy. I don't mind child narrators, but the overt juvenile tone and sense of wonder from Mabel feel overdone and forced. Eunice is a more compelling narrator, but I don't feel especially attached to her to continue onwards.
Sadly, not the novel for me, but still one worth trying out if you're interested in it! Thank you to Knopf Canada for the review copy.
This is a short novel about a Brazilian mother and daughter who work for a rich, arrogant and self-important family. The daughter is not having it any longer and leaves for university, imploring her mother to do the same, but for the mother leaving everything behind is not so evident.
I found the writing mediocre and was not convinced about other things either...
However, I think I may not represent the intended audience and can see how others will appreciate the topic and how it is handled.
Still, I would always recommend "Clean" by Alina Trabucco Zeran as it explores the same themes and is much stronger in my view.
Que livro forte e necessário! Um livro que provavelmente gera um incômodo em certa elite privilegiada (inclusive a progressista!) que sempre se considerou superior aos seus empregados domésticos e, com muita frequência, os trata de maneira só ligeiramente mais humanizada que a um escravizado. Se Carolina Maria de Jesus usou a metáfora do "quarto de despejo" para falar de como a sociedade via as favelas, Eliana não hesita em usar outra analogia igualmente potente: a de que o "quartinho da empregada" pode ser visto como uma solitária. Lendo o livro, fica muito claro que isso não é exagero. Delimita-se um espaço para esses empregados a fim de que eles não se confundam com os proprietários, isto é, os "reis do castelo", como se houvesse algo de desonroso, hostil ou terrivelmente baixo no trabalho que fazem (e fazem, seja dito, para os próprios reis!).
O livro também mostra de maneira muito convincente como essa elite privilegiada, que é capaz de dispor de empregados (insisto, isso acontece também em famílias ditas progressistas!), alimenta uma relação de dependência e se considera especialmente caridosa quando é capaz de oferecer alguma coisa a esses que mantêm cativos em suas próprias casas. Definitivamente, não enxergam a menor desigualdade ou injustiça no tipo de tratamento que dispensam a empregadas e diaristas, parecendo achar que há lugar para cada um e que eles, naturalmente, estão no que é adequado.
Essas são reflexões mais gerais que me ocorriam enquanto lia a trama específica de uma mulher, Eunice, empregada de uma família rica, daquelas que precisavam dormir no trabalho, sua filha Mabel, cujo crescimento acompanhamos, e todo o pequeno universo de um condomínio de elite. São muitas violências simbólicas nesse ambiente, a começar pelo fato de que Eunice não tem com quem deixar a sua filha e precisa mantê-la no trabalho com ela, após as "bênçãos" da sua "patroa". Há ainda a violência doméstica, de um pai alcoólatra, mas nada começa ali, no vício, mas na carência e nas ausências que não são individuais, mas estruturais, marcas de uma sociedade desigual.
Enquanto isso, os donos do cativeiro vivem suas vidas cheias de vantagens, podendo usar o poder do dinheiro como bem entender, torcendo a justiça para aqui e para lá como for conveniente, e tudo ainda passando uma aura de respeitabilidade, capaz de enganar inclusive a eles mesmos. Nenhum deles acha que é uma má pessoa! E, no entanto, subjugam, oprimem, exploram, mentem, e fazem tudo isso simplesmente porque se consideraram merecedores naturais da posição que ocupam. No livro, essa gente é representada por dona Lúcia e seu Tiago, empregadores de Eunice, mas também por outros vizinhos de prédio, incluindo um ultrajante idoso com patentes do exército e uma mulher que conseguiu levar a perversão social ao paroxismo, ao manter uma escravizada.
Felizmente, há os focos de rebeldia e revolução, a começar pela própria Mabel, além dos irmãos João Pedro e Cacau, filhos do porteiro Jurandir - que representa uma possibilidade de resgate afetivo para Eunice, no meio da dura vida de violências a que é submetida cotidianamente. Esse núcleo é o que confronta os ricos do prédio, e será graças a eles que uma série de crimes e tragédias não será silenciada, como o dinheiro geralmente faz na nossa realidade.
A essa altura, claro está que gostei muito do livro, mas devo confessar que quase tive uma síncope quando a autora mudou de voz narrativa, isto é, foi de Mabel para Eunice, a certa altura do livro. Sei que isso acontece quase sempre na literatura contemporânea, mas sou da opinião de que, com muita frequência, isso prejudica a história. Eu odiaria saber que a autora estragou um livro que, àquela altura, eu já estava achando ótimo. Pois não estragou. A mudança de voz se deu com muita naturalidade, a agilidade da narrativa permaneceu e eu continuei achando a história excelente. Por fim, eu já aceitaria o que viesse, como os próprios quartos assumindo a voz narrativa.
Enfim, um livro que, para mim, deveria ser muito mais conhecido e celebrado. Tem uns livros aí que são tratados como se fossem a melhor coisa já produzida na literatura brasileira, mas não acho que estavam acima deste livro, de história e personagens marcantes e necessários.
pontos positivos: o enredo prende e o retrato sociopolítico é certeiro e verossímel. dá pra ler em umas 2/3 sentadas tranquilamente, gostei da atenção ao diminutivo usado para se referir ao “quartinho” e os “inhos” que o rodeiam, da nomeação dos capítulos como uma cartografia dessa história de desigualdade, além do uso de hipocrasias cheias de incômodos mascarados de boas intenções ao retratar a D. Lúcia e o Seu Tiago — os discursos retomados são palpáveis.
pontos negativos: o uso da mesma linguagem para duas narradoras que certamente não teriam o mesmo uso da língua me incomodou, senti muita falta das marcas da oralidade e da coloquialidade na parte 2. No fim do romance, o inchaço de acontecimentos, uma pesada no didatismo e algumas saídas novelescas acabam por simplificar as questões complexas (que deveriam ser coletivas) pautadas no romance. Por essas mesmas razões também há um prejuízo ao desenvolvimento das personagens.
Ps: essa parte 3 poderia ter passado por uma tesoura editorial e, no máximo, sido mantido um dos narradores. ainda assim, foi uma escolha estética que não me agradou tanto por soar artificial quanto por escancarar o problema de linguagem nos diferentes focos narrativos.
eu já tinha ouvido falar sobre a Eliana e tinha ficado bastante interessado em ler alguma coisa dela. em Solitária, a gente tem a oportunidade de ler a realidade de muitos brasileiros: empregadas domésticas vivendo como serviçais eternas de pessoas brancas com dinheiro.
essa foi uma leitura que, apesar de muito boa, não funcionou tão bem comigo por motivos pessoais. a história que a gente vai encontrar por aqui é mt parecida com a história de minha avó e todas as coisas com as quais eu me identifiquei não foram exatamente positivas. ter que me deparar com essas coisas, enfrentar esses demônios novamente e ter que lidar com toda essa avalanche de sentimentos negativos não foi exatamente "legal", entendem?
no mais, a escrita da Eliana é incrível e a história é bastante crível (esse é um tipo de livro que gosto de chamar de "expositivo"). leiam e amem essa autora comigo. animado demais pra ler mais dela, visto que esse foi incrível ❤
Solitária surpreendeu-me do início ao fim. aquele clichê de “livro curto mas imenso”, leva-nos à observação da vida de uma empregada doméstica interna, num condomínio de luxo.
este livro é uma experiência de leitura imersiva, esquecendo tudo ao redor e concentrando toda a atenção nas palavras que saltam das páginas.
brilhantemente bem escrito, com pontos de vista diferentes, de mãe e filha e de um terceiro que não revelarei, mas que me fascinou por completo e deixou-me rendida à escrita de Eliane Alves.
quando percebi os significados que podemos retirar do título, tudo fez sentido e fiquei ainda mais fã.
"Quando ter uma empregada que dorme no trabalho passou a ser algo caro e não de muito bom-tom, os corretores de imóveis chamariam esse local da casa de “quarto reversível”, um nome para não chamar o quartinho de quartinho ou do que ele realmente era: um lugar para serviçais, criadas, babás, domésticas, amas, empregadas. Todos esses nomes que deram e dão até hoje a quem é “quase da família”. Um lugar onde estivessem ao alcance do comando de voz, do olhar, ao alcance das mãos… A tempo e hora, vinte e quatro horas por dia."
Este livro, a história de uma empregada doméstica, da sua filha, das suas diferentes perspetivas e de algumas situações que vão presenciando na casa dos patrões, tinha tudo para me agradar, mas faltou-lhe força. A escrita, salvo algumas passagens, sem sabor, as personagens desinteressantes e planas, construídas à base de estereótipos, os diálogos e reviravoltas dignos de novela da Globo... tudo deixou a desejar. Não lhe dou uma classificação mais baixa porque, apesar de não ter gostado do resultado, acredito que é importante que haja quem escreva Sobre estas temáticas de forma acessível, Como faz Eliana Alves Cruz, de modo a que chegue mais facilmente a estas pessoas marginalizadas que, na sua maioria, e principalmente num país com tanta desigualdade Como é o Brasil, não tiveram acesso a Educação digna. Talvez se não tivesse lido "Limpa", de Alia Trabucco Zerán, há tão pouco tempo, que retrata esta realidade do trabalho doméstico de forma, A meu ver, muito mais competente, tivesse gostado mais deste livro. Em relação a este, "Solitária", poderia ter a seu favor o bónus de ter como protagonistas duas mulheres negras, podendo explorar todos os contornos que isso envolve, mas, visto que isso raramente é referido, acaba por ser uma vantagem irrelevante.
"Hoje fico com pena do sacrifício que era se tornar invisível. Além dos espaços apertados que ocupávamos, o silêncio era um companheiro. Era preciso estar presente sem estar. Uma boa serviçal é silenciosa, e a criança que é a filha dessa mulher também deve ser. Ela não pode rir como uma criança, não pode pular ou fazer travessuras como uma criança. Ela não é uma criança. É um incômodo, alguém apenas tolerado… Era como dizia num dos livros de uma escritora chamada Conceição Evaristo, que Mabel passou a devorar e de vez em quando lia pra mim: “Em boca fechada não entra mosquito, mas não cabem risos e sorrisos”."
Que livro tão bom! Um retrato sobre as diferentes classes sociais e como a classe onde nascemos imprime em nós toda uma carga social e emotiva que só cada um pode mudar. Gostei muito de como foram exploradas estas temáticas e como demonstrou a luta e superação, quando tudo faria prever o contrário.
Gostei muito que o livro tivesse a versão da mãe e da filha e de um terceiro narrador. Gostava mais que ficássemos apenas com a visão da mãe e a da filha, mas entendo a necessidade de incluir uma terceira perspectiva.
Já não adorei tanto o tema da COVID ali metido de enfiada, mas eu sou totalmente contra o uso desta temática na literatura. Ainda assim, esta é uma leitura prazerosa e que nos põe a refletir sobre a aleatoriamente do meio em que nascemos e como tudo poderia ser diferente se fosse mudado só “um milímetro”.
Este foi o primeiro livro que leio da autora. E o que posso eu dizer? - Uau!!! Que livro!!!!
Solitária retrata a vida da Eunice, empregada doméstica num condomínio de luxo e da sua filha Mabel, que cresce sem escolha num quartinho que serve de casa. Contudo, Mabel não se resigna com este destino, com a sua audácia e com as lições que a vida e a sua mãe lhe dão, tudo faz para não ser mais uma empregada de limpeza.
Assim, através da história destas duas mulheres e de muitas outras personagens, Eliana Alves Cruz, aborda temas tão importantes como a sobrevivência da escravidão colonial, a solidão, o autoconhecimento, a resiliência, a liberdade.
À medida que ia lendo este livro, o meu coração apertava, a minha garganta tinha um nó. Queria ler, saber mais e ao mesmo tempo queria que o livro não tivesse fim. Revoltei-me com o que li, senti a invisibilidade da Eunice, a pequenez de quem vive no luxo, emocionei-me com os saberes e a experiência dos mais velhos. Senti orgulho por quem luta, por não baixar os braços perante tantas adversidades. Senti várias e diferentes emoções.
“Solitária”, de Eliana Alves Cruz, é um livro que nos conta sobre a vida de Eunice (empregada doméstica num apartamento de luxo onde a patroa é daquelas que não ficam sem empregada) e sua filha, Mabel.
“Era preciso estar presente sem estar. Uma boa serviçal é silenciosa, e a criança que é a filha dessa mulher também deve ser. Ela não pode rir como uma criança, não pode pular ou fazer travessuras como uma criança. Ela não é uma criança. É um incômodo, alguém apenas tolerado…”
O livro aborda diversos pontos relevantes para a discussão sobre as condições do serviço doméstico no Brasil e poderia ter muitas páginas mais para desenvolver todas as questões abordadas. Eu queria saber mais sobre muitas personagens, mas é apenas curiosidade a mais da minha parte porque o que interessa está lá.
Não pense que, por ser um livro sobre serviço doméstico no Brasil, poderá ser enfadonho para quem não é daquele país. Não é. Em “Solitária”, vemos que muitas das situações ali contadas também acontecem no serviço doméstico, em Portugal. A leitura deste livro é rápida e ficamos logo presos à história.
“O quarto de descanso é todo aquele que tem o cheiro da nossa própria vida”.
3,5. Vozes narrativas distintas, sendo a última um pouco surpreendente. Eliane constrói um retrato do Brasil e de sua herança escravocrata, discute-se relação de classe, raça, exploração, a hipocrisia de uma sociedade com suposta democracia racial.
Com linguagem simples, capítulos curtos, o livro aborda todos esses temas e direitos reprodutivos, cotas etc.
A única coisa que me incomodou foi a semelhança e um pouco de excesso ao recontar outras histórias já contadas (como no filme “que horas ela volta”, no livro “suíte tóquio”; misturado com fatos reais). Não gostei também da inserção da pandemia de covid (pela falta de utilidade na narrativa).
Solitaria by Eliana Alves Cruz follows Mabel and her mother, Eunice, two Black women working as live-in maids for a wealthy family in the Golden Plate, the fanciest building in an unnamed Brazilian city. Their lives exist in the shadows of privilege until a sudden tragedy shakes the glittering tower and forces Eunice to confront the quiet injustices she’s spent her life enduring. The book highlights the cost of being invisible in someone else’s home.
This was a hard read, exploring the invisible labor of Black women in Brazil’s post-slavery society. Mabel and Eunice feel literally invisible, just tolerated inside the luxurious home but never truly acknowledged. The difference between slavery and servitude seems to be only that they now receive a miserable salary.
I felt that, in a way, the house represents colonialism itself, the wealth built on centuries of exploitation and the treatment of BIPOC people as tools, and Black women as cattle. Within that world, Mabel longs for a better future and justice, while Eunice tries to silence her out of love. The entire book was difficult to read because it’s easy to empathize with both characters (Mabel’s anger and Eunice’s “conformity”) and even with the “happy” moments that come with expanding freedoms and how new generations have it easier… opportunities come with a free and servitude has a low salary.
I picked this up on a whim because it was available at my library and I’m so glad I did. I didn’t care for all the motherhood/mother-daughter stuff (it’s personally something I hate reading about), but everything else was gold.