No século IV da nossa era, uma rapariga recorda as velhas lendas de Abelterium, situada na província da Lusitânia, misturando com uma imaginação poética e despojada as histórias que lhe foram contadas por uma amiga da família e a sua própria memória da construção da sala de refeições da casa, decorada com um magnífico mosaico, que ela procura ligar ao passado da cidade e ao seu próprio passado.
Lívia Borges escreve por paixão e por maravilha. Começou pelo romance histórico, tendo três títulos publicados nessa área, Julia Felix (2011), Vera e Fábio (2014) e Abelterium (2022) publicado pelas Edições Trebaruna, uma história que tem o Alentejo como cenário durante a ocupação romana do território. Tem vários contos incluídos em antologias, destacando-se “O Espírito do Vento” em O Resto É Paisagem (Editorial Divergência), “O Momento Certo” em Sangue e “A Fotografia” em Des/Pudor (Edições Trebaruna). Em 2021, publicou o seu primeiro livro de ficção científica, Futuro (Editorial Divergência) e ainda um romance muito pessoal, sob pseudónimo, intitulado Sonho de Verão (Projecto Foco). Surge como autora de obras de fanfiction em plataformas de autopublicação, igualmente sob pseudónimo, que são muito apreciadas pelo público juvenil do Brasil. Os seus contos e pequenas histórias, com temas que variam da ficção científica ao gótico, foram premiados em diversos concursos.
«Foi uma leitura interessante, em certos pontos viciante para se saber o que ia acontecer e como ia terminar Abelterium para depois renascer como a conhecemos na era atual. Apesar de ter muita ficção, foi inspirada na realidade e é sempre curioso conhecer um pouco mais do passado da humanidade.»
Abelterium é o mais recente livro de Lívia Borges e tive o privilégio de o ler previamente, uma vez que me foi solicitado um blurb para publicação nas primeiras páginas do livro. Confesso que não tive grandes receios em aceitar a proposta, uma vez que Lívia já não é uma desconhecida no meio e até agora o que li dela não me havia desapontado. Este livro foi mais uma experiência muito interessante de leitura.
A história é passada na localidade que dá título ao livro e que é, nem mais nem menos, que a Alter do Chão, localidade no distrito de Portalegre, à época romana. Conta a história de uma rapariga e acompanha a construção da casa onde habita, entre o século II e IV d.C, cujos enredos que a envolvem vão alterando as suas perspetivas do mundo e a fazem crescer como menina e mulher.
A ideia para o livro foi proposta por um arqueólogo aquando da descoberta de um importante mosaico romano em Alter do Chão. A autora viu-se perante uma estela funerária em barro, que fermentou na sua imaginação e a levou a uma grande pesquisa histórica que fez crescer aos seus olhos bruxas e lendas relacionadas com o domínio romano em Portugal, a antiga Lusitânia, à própria possibilidade de o imperador Adriano ter visitado a região durante as suas longas viagens.
A trama mostra a rapariga que protagoniza o livro diante do mosaico, descobrindo pela voz de Sunua as histórias que ali se viveram, o passado da cidade e da sua família. Houve um político barbaramente assassinado, o que motivou a visita do imperador romano, mas também rivalidades entre famílias, amores impossíveis e crenças múltiplas e misteriosas que alimentaram as oposições políticas e fizeram crescer o ambiente de tensão e desconfiança contínua.
A meu ver, este romance contribui para preencher uma lacuna que existe em Portugal: ficção histórica sobre o nosso próprio país. A prosa fluída e vívida de Lívia Borges amadurece as páginas deste livro com um relato coeso e verosímil. Através dele, deslizamos numa realidade distante, em simultâneo tão próxima. De salutar.
Ouvimos falar na Lusitânia nas aulas de História, no incrível Viriato e em todas as mudanças drásticas, bélicas e políticas, que formataram o Portugal que hoje conhecemos, mas aparte as ocasionais séries televisivas e meia dúzia de autores consagrados não se vêm muitos autores novos a escrever sobre Portugal. Foi incrível conhecer Abelterium e fiquei desejoso de ver mais obras desta natureza no nosso país.
ABELTERYUM deixa-nos um véu sob o desconhecido que infelizmente ainda existe no nosso país, o não investimento no nosso património arqueológico! A província de Lusitânia pertenceu ao império Romano, com costumes próprios, aproveitando as características relevantes da região, como era habitual e já reconhecido amplamente. No entanto, a ausência de documentação factual, deixa a nossa imaginação florescer e a autora torna-o claro: o que de facto é reconhecido como evidência, as analogias que faz com a regiões menos degradadas e mais estudadas e ousar na criatividade, na recriação de personagens, que verdadeiramente existiram. Alguns mais documentados do que outros. Muito diferente da sua obra Júlia Felix, que para mim é a sua melhor obra, tal a sua paixão pelo tema e não reconhecida devidamente, com uma edição revista.
"...Não suporto que as pessoas peçam perdão por aquilo que são. A honestidade deve ser louvada, não perdoada. Quantas guerras não se teriam evitado com a sinceridade e um debate franco entre oponentes! Nunca pedi desculpa por ser esta mulher execrável que suscitava ódio e maledicências. Que os inimigos nos cobicem as virtudes e os defeitos, por Júpiter!"
3.75 Alguns anacronismos nas expressões e mesmo objetos causaram algum desconforto e retiraram um pouco à história. A descrição repetitiva poderia também ter sido diluída doutra forma, mais digerível e menos árida, de modo até que as duas cronologias fossem mais claras.
Alguns elementos reais (como o mosaico da Casa da Medusa) adicionaram o realismo necessário àquilo que será sempre uma reconstrução curiosa e inventiva dum sítio arqueológico - mas a literatura é para isto mesmo.
A segunda parte do livro conseguiu chegar onde fazia sentido e prendeu até às últimas páginas, ainda que a primeira metade tenha sido morosa.