Imagine uma flecha disparada no princípio de tudo, e voando desde então por todos os tempos e lugares do mundo. Essa Flecha é o elemento que atravessa as mais de duzentas histórias deste livro. Histórias nascidas de outras histórias, de livros, pinturas ou fotografias; histórias inventadas e histórias escutadas pela própria autora. Crônicas de animais, de objetos, mas sobretudo de pessoas, indistintamente reais ou fictícias. À maneira de Marcel Schwob, que em suas Vidas imaginárias buscou “atribuir tanto valor à vida de um pobre ator quanto à de Shakespeare”, e captar de cada personagem o detalhe particular, único, Matilde Campilho retrata tanto um imperador quanto uma vendedora de peixes, uma pétala ou um asteroide, flagrando em cada evento ― grandioso ou banal ― seu matiz peculiar de luz ou de sombra, seu grão de milagre ou de mistério. Microcontos, écfrases, memórias, miniaturas: neste livro múltiplo e generoso, a autora de Jóquei firma novamente ― desta vez em prosa ― um pacto forte com a imaginação, prestando uma verdadeira homenagem à literatura, às artes visuais, e a todos os homens e mulheres que, desde que o mundo é mundo, tecem a cada dia a grande narrativa da vida com novas histórias.
Matilde Campilho nasceu em Lisboa em 1982. No ano de 2010 foi viver para o Brasil, e desde então mora entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Publicou poemas nos jornais brasileiros A Folha de São Paulo e O Globo, assim como em algumas revistas online.
Durante vários dias, sempre que regressava do trabalho ou de alguma tarefa mais cansativa, este livro fazia-me companhia durante uns momentos. Infelizmente, como (quase) tudo o que é bom, também este livro teve um fim. Porém, são tantas as histórias que agora me acompanham, que atrevo-me a dizer que continuarei a ser atingida por esta Flecha durante muito tempo :)
fui ver matilde com os próprios olhos. peguei fila na calçada da livraria. quando chegou a minha vez, eu disse que gostava do que ela escrevia. ela agradeceu, simpática. e depois de escrever meu nome na folha inicial do seu novo livro, ela disse uma série de coisas com um sotaque lisboeta carregado e eu não entendi nada. e matilde e eu falamos a mesma língua. acho que prefiro suas palavras escritas.
o olho navega na vagorosidade de uma flecha e atravessa essas tantas histórias, personalidades e sutilezas. o alvo é o tempo alongado.
Um livro cheio de histórias curtas que se tornam entensas, grandes, sem tamanho, quando lidas. Tem a capacidade de nos levar para casa, para 300 mil quilómetros de onde estamos, para os sítios que adoramos e para aqueles que não sabíamos que havíamos de gostar. Diria que é uma ode à palavra escrita, feita de forma simples, mas belíssima. Nem todos os contos irão ser maravilhosos, dentro dos mais de 200, há sempre aqueles que fogem da nossa capacidade de encaixe, porém, como um todo, são uma companhia silenciosa que tanto nos acalenta como nos levanta dúvidas. Uma flecha certeira.
É um exercício de escrita muito interessante, como Matilde Campilho diz "as histórias vem antes da literatura" e este livro é um livro de histórias; sem pretensões, simples, magnifico.
Dei uma chance até à página 167 (porque calhou estar numa espera há horas) mas ainda assim fica a impressão duma enorme presunção aforística em textos recheados de lugares comuns e sensaboria.
Eu amei a experiência de ler esse livro. Não é uma narrativa estilo romance, mas também não são pequenas histórias como contos. São fragmentos de histórias. Como se em um rápido momento fosse tirada uma foto e é essa foto que temos acesso, mesmo que em alguns trechos temos algo de um antes e algo de um tempos, a maioria se configura como um momento. Alguns com duas páginas, alguns com duas linhas, todos com uma potência inerente e um convite e construir a partir daquelas palavras algo que seja do leitor. Alguns trechos surgem a partir de figuras históricas reais (normalmente citadas apenas pelo primeiro nome, como personagens 'normais' até o leitor perceber que ali está sendo narrado algo sobre alguém que nos livros de história possuí nome e sobrenome), a partir de obras de arte, esculturas, fatos culturais, tradições e muitas outros disparadores. Eu amei a experiência de ir encontrando e descobrindo alguns desses pontos de partida no final do livro, eu amei a forma como a autora consegue trazer a profundidade para o simples e as narrativas como 'flechas' que vão atravessando o tempo, a cultura e a história desde sempre. Amei amei amei, um livro ótimo para se ter ao lado da cama e ir lendo aos pouquinhos (ou devorar de uma só vez também).
Se misturasse ficaria: "Deitada na cama, com uma mão sob a nuca e a outra mão sob essa mão, com cada um dos cotovelos apontando para opostos pontos cardeais, Ana roda um caroço de cereja de um lado para o outro da boca." ........ Um martelo que batesse no coração e o atirasse de súbito para o lado de lá da sala, isolando-o só por um bocado de mim mesmo, isso é que era"
do início ao fim, o livro se faz e é feito de imagética. A magia de uma integridade desconexa, de um desconhecido que só é poético se a mente é onírica. Em termos práticos, o livro é um “coletivo” de microcontos, frases, historinhas, “écfrases, memórias, miniaturas” no que Matilde descreve como sendo atravessados pela Flecha inerente do mundo. Então, não, nenhuma das páginas do livro tem nenhuma progressão nem “conexão” necessária uma com a outra, apesar de serem fortemente ligadas tanto em conteúdo quanto em sentimento mesmo. O livro em geral é em vezes cansativo porque pede um pouco demais da tal mente, mas ainda assim, o que nessa vida não pede? Demorei menos do que gostaria com esse livro — acho que seria mais proveitoso ler sem a pretensão de jamais acabar. Fiquei com vontade de emprestar pro meu avô, acho que ele iria gostar.
Em Julho li “Jóquei”, de Matilde Campilho e adorei. Influenciada pelo balanço do livro, decidi ler “Flecha”, o segundo livro da autora, lançado em Julho, também pela Tinta da China, durante a minha viagem para a Suíça.
O primeiro de poesia, o segundo de prosa, estão assim categorizados, se bem que eu noto pouca diferença na estrutura dos dois – sem que isto seja um ponto negativo, muito pelo contrário, eu prefiro sempre construções abertas do que livros “engavetados”. No entanto, talvez porque a expectativa fosse alta e fui para “Flecha” à procura do ritmo da bossa-nova e da frescura da água de côco, mescladas com as raízes de alfacinhas e o toque de Brooklyn que se respira em “Jóquei”, não consegui sentir, neste segundo livro, a mesma leveza do primeiro.
Achei ligeiramente forçado, como que para corresponder a um objectivo, uma flecha que tem, obrigatoriamente, de acertar em cheio no alvo, porque dela se espera nada menos do que o primeiro lugar, da mesma forma que aquele jóquei conduziu o seu cavalo à vitória, só que neste caso, por puro amor ao cavalo e não à meta.
Regressarei a ele, até porque gostei imenso de conhecer a Matilde Campilho e, nada percebendo destas coisas, sinto muito que tem o talento de se tornar um grande nome da escrita contemporânea portuguesa, e todo o autor tem uma pedra no seu caminho – além de que encontrei opiniões bastante positivas em relação ao livro, por isso, esta é só a minha relação com ele e não deixo de aconselhar uma aventura pelos universos imemoriais que a autora proporciona.
Que belo livro! A capa azulada com relevos laranja é um reflexo dos bonitos dias de verão com laranjeiras em primeiro plano. A flecha que cruza estas páginas clinicamente atinge o seu observador e abre uma fenda na sua imaginação, que rapidamente se torna janela. Uma tela não regida pelo tempo-espaço, mas sim pela entropia do afiado projéctil. Entrem neste livro, abram a janela e participem nesta cruzada a favor do vento que o rasto da flecha deixa.
"Flecha" anuncia-se como um "livro de histórias", à falta de categorização mais típica: é bom, e é uma lufada de ar fresco, que algo não tenha de caber nos ditames estritos do ser prosa ou poesia, romance ou conto, ou qualquer outra coisa.
Fica rapidamente claro que Matilde Campilho sabe escrever lindamente, usando as palavras de modo cirúrgico: sempre no sítio certo, e sem uma palavra a mais ou a menos: da forma como se lê, parece fácil e cristalino, mas é tudo menos isso, e por isso a devida vénia à autora.
Por outro lado, embora tenha gostado da ideia das micro-histórias, tenho uma enorme dificuldade em perceber que algumas delas sejam frases com cinco ou menos palavras perdidas numa página. Por muito que perceba a ideia subjacente, é uma opção que não faz de todo o meu estilo, e que acaba a impedir-me de levar este pequeno livro tão bem encadernado à quarta estrela.
Conjunto de pérolas desviadas e dardejadas ao infinito, como uma flecha. São histórias breves, com duas linhas ou alguns parágrafos, que ecoam pessoas reais e imaginárias, situações e objectos. Apesar da sua aparente objectividade, pois não há palavras a mais, o leitor continua a seguir a trajectória da flecha mesmo depois de esta ter acertado no alvo. Por isso, Flecha pode ser lido de seguida, de jacto, ou devagarinho, abrindo o volume ao acaso, pois a sua leitura dificilmente termina com a última página.
"Lá fora chove. Dentro de casa, no escritório, uma mulher descasca uma tangerina. Espalha os gomos na mesa de forma circular e rotatória. Depois vai comendo um a um, devagar, intercalando cada digestão com um gole de água." P. 195
São pequenas narrativas (max. 1 página, algumas 1 frase) e isso é interessante porque atira parte do trabalho criativo para o leitor, que pode dar o seu próprio significado ao material original. Cada pessoa que ler vai ter uma experiência diferente
E mesmo relendo algum tempo depois pode dar uma perspectiva completamente diferente
Queria tanto ter gostado deste livro mas, confesso, foi sofrível terminá-lo. Pensava sempre que já faltava pouco e acabava por não desistir dele.
Não me encantou. São fragmentos muito soltos, díspares, desconexos. Não senti uma linha contínua ou temática presente. Simples apontamentos ou frases de conteúdo desconhecido. Não há qualquer chave de leitura. Só o capítulo final dá algum rumo, quando aborda a importância das histórias e do seu contar. A flecha como uma linha narrativa, o contar de histórias.
A autora explica que o livro está escrito sempre no presente do indicativo, sem um antes bem um depois. São momentos únicos. Feito com base em imagens, desenhos, com uma quadro de pintura, cenários. Ainda assim…
Talvez erro meu em ler o livro de seguida e não mais espaçadamente, aos poucos, fragmento a fragmento.
depois de ler “jóquei” e ter gostado, esse livro foi uma decepção pra mim. talvez pelo formato - prosa em microcontos - que não me deixaram me apegar a nada. de toda forma, existem elementos que funcionam. a escrita da matilde continua linda (apesar de melhor na poesia).
o livro é como se fosse uma junção de fotografias que captam momentos interrompidos (por uma flecha?). muita solidão e silêncio.
a cada prosa, uma curta-metragem. paisagens cinematográficas de um parágrafo. a última parte, onde campilho explica a narrativa e o porquê da flecha é absolutamente deliciosa.
“Mesmo sem palavras, o crepitar do lume já é por si só um contador de histórias.”
Matilde Campilho ficou conhecida no meio literário em 2014, com o lançamento do livro de poesia "Jóquei". Retorna agora, mais madura e concretizada, com "Flecha", um livro que promete contar histórias e estórias de pessoas e do tempo. Apesar de estar escrito e ser publicitado como um livro de prosa, desengane-se quem espera ler outra coisa do que poesia pura, mesmo que não escrita em verso. É um livro que nos aponta para janelas de tempo, retractos de momentos do quotidiano ou aventura das suas personagens, umas reais, outras mitológicas, algumas anónimas, mas todas, se o quisermos, ficcionais e mágicas. Porque este é um olhar muito pessoal e acutilante sobre cada vida apresentada. Matilde arrasta-nos para enredos de curta duração, por vezes de uma frase, que nos plantam no lado criativo do cérebro a necessidade de recriar uma história até àquele momento, e depois disso. É por isso, tal e qual a poesia, completamente sujeito a interpretação, tanto do que somos como do nosso conhecimento do Mundo e da cultura geral. Há várias personalidades históricas que não são evidenciadas de chofre, pelo que só um olhar mais atento terá capacidade de escrutinar de quem se trata e qual é, efectivamente, a história que se encontra a ser narrada. O lirismo não abandona a autora, como seria expectável, e esta colectânea de enredos só resulta porque a autora nos permite ter acesso a uma breve visão de como seria a história contada por si, não impondo essa óptica e permitindo às estórias viverem para além de si. O facto da maior parte das narrativas se fundamentar em momentos mundanos cria uma aura mágica em volta de cada personagem, a algumas garantindo-lhes corpo, e a outras identificando uma vivência para além da grandeza. "Flecha" é um livro para ir saboreando com delicadeza, atenção, e um processo de degustação imenso, em que cada página e cada personagem é maturada com as releituras que lhe forem feitas. Um livro com um profundidade para além daquela que inicialmente lhe é incutida, e que é uma enorme prova de amor pela palavra escrita, mas também pelas emoções vividas. - Cláudia
“Flecha” é um livro de histórias. Duzentas e vinte e seis histórias, para ser mais preciso. Umas que se espraiam por duas páginas (nunca mais do que isso), outras resumidas em uma ou duas linhas apenas. Histórias que nos falam de coisas vivas e de coisas mortas. Que nos trazem paisagens, objectos, bichos, rostos, deuses. Que nos convidam a ver, a escutar, a sentir: uma praia de Cabo Polónio, as traseiras do mercado de Michoacán, um rosto marcado pelo sol, esplêndidos automobilistas, um avião que já iniciou o seu trajecto há mais de oito horas, o cavalo do primeiro-ministro, bandos de morcegos, uma lebre, um bezerro, um mosquito, um relâmpago. E a conhecer pessoas como David, Constantin ou Lídia, um esquimó, o pai de Aurélia, um menino de olhos negros, um guerreiro aqueu, o vigilante do Museu do Ouro, uma menina de estrela branca.
“Entre o sono e a vida, um dia de cada vez, caminhando sobre a caruma, vamos escutando e contando histórias. Uns aos outros, a nós mesmos, e àqueles que vêm depois de nós”. Inscrito na tradição oral de passar as histórias de geração em geração, “Flecha” abre-se em recados de amor à vida, nos seus “milhões de feitiços, não isentos de medo”, os sonhos apontados ao dia seguinte. Preenchendo um território tão vasto quanto o universo, as histórias brilham com o fulgor de um cometa, deixando no seu rasto símbolos, premonições, visões ou apelos. Delicadas e sensíveis como a flor da peónia, reflectem o olhar de quem vê com a alma, as imagens a nascerem de mil formas e cores, a vingarem muito além das palavras e a alojarem-se no nosso mais profundo, nesse lugar a que chamamos coração.
Pequeno em tamanho, quase um livro de bolso, mas enorme naquilo que tem para nos contar, “Flecha” é, para mim, a descoberta de uma autora fantástica. De Matilde Campilho percebo que editou em 2014 “Jóquei”, livro de poemas que recebeu excelente acolhimento. Suspeito que um e outro estarão fortemente ligados. Em “Flecha”, tal como em “Jóquei”, tudo é poesia. Na maneira como aborda os enigmas que conformam as nossas vidas, como mergulha nas tensões do nosso espaço interior, como o povoa de signos e sinais, Matilde Campilho traz a poesia para dentro destas pequenas histórias, convidando cada um de nós a descobrir-se a partir de alguém ou de alguma coisa, a partir de fora do “eu”. Cada história é um convite. Tão íntimo como um beijo no escuro.
esse é um livro para se ler sem linearidade: ir e voltar, reler as páginas, parar pra pensar, deixar a imaginação solta. sou apaixonada por matilde campilho desde que li jóquei. acho mesmo que é uma das maiores escritoras dessa geração. tenho vontade de consumir tudo que ela ousa colocar no papel ou falar em sotaque português. confesso que "flecha" demorou mais pra me cativar do que "jóquei", que foi amor à primeira vista - e que eu ainda abro, de vez em quando, e leio de novo uma página preferida.
flecha é mais longo, mais denso, menos leve. e continua sendo de um talento imenso. é um livro um pouco mais vivo que os outros. deixa nas mãos do leitor boa parte do trabalho de completar a mensagem que se quer passar. passa um sentimento antigo, um ar ancestral, e o tempo todo me senti parte de uma coisa tão maior e mais importante do que eu mesma. uma parte essencial de uma história antiga que sempre foi e pra sempre continuará sendo contada. e nada aqui é por acaso. o livro coça cantinhos da nossa memória, nos faz lembrar de referências, fatos históricos, momentos e lugares que de alguma forma cruzaram nosso olhar. em alguns momentos, deixei a leitura fluir relaxada, focada apenas na página na minha frente e permitindo que a mente vagasse. em outros, pesquisei imediatamente algo que estava escrito ali e aprendi coisas interessantíssimas que jamais saberia se não fosse por matilde.
a escrita dela é impressionante, sempre foi. aqui impressiona ainda mais a maneira como decide recontar casos antigos. imaginar as minúcias e humanidades de cada acontecimento. a criatividade chama a atenção e a prosa é tão gostosa que dá vontade de beber e sentir o gosto na ponta da língua. ler as páginas em voz alta.
lindo demais, imaginativo, um jeito lindo de começar o ano, renovar o olhar sobre as coisas do mundo.
Julho passado, cheguei quase que de intruso a um bar em Pinheiros. Esperei o tempo de três doses até vagar um lugar à mesa onde se encontravam alguns conhecidos. Logo depois, chegava também um escritor português que eu tinha acabado de conhecer e convidar para a intrusão. Sentou-se ao meu lado. Do meu outro lado, estava Matilde Campilho, voltada a outras pessoas. Eu só a conhecia de nome, vista e Jóquei, mas mesmo assim apresentei um ao outro. Saudaram-se cordial e alegremente, senti-me orgulhoso da mediação e lhes pedi um abraço triplo, que para minha surpresa foi dado. Não sei se, de volta a Portugal, mantiveram contato; é possível que não, que até não tenham gostado de se cumprimentar e que odiaram os poucos instantes do constrangimento que lhes infligi. Agora, enquanto seguro esta Flecha que àquela época ela lançava aqui, preciso de novo fazer as vezes de mediador, apresentando as histórias que acabo de ler ao que, a partir delas, minha imaginação trata de inventar. Sergei, por exemplo, o homem que parte durante o dia para uma busca que lhe foi sussurrada pela noite, esquece da vida cotidiana e confia num futuro próximo e próspero, deverá dizer “muito prazer” e escutar “o prazer é todo meu” da boca da tristeza que tira o disfarce de alegria. Aelfsige masca pedras para quebrantar os dentes, sangra até encher a saboneteira formada pela clavículas e retorna ao amor, mas como serão seus jantares dali em diante? Terá dores tão horrendas quanto às primeiras, não comerá direito, se aborrecerá, tratará mal o amor que deveras sente, por fim odiará. Como farei então, me pergunto, para que estes, junto àqueles, me abracem e, depois, talvez continuem se falando como bons camaradas, relembrando: e nosso amigo em comum, hem, o Luis?!
📚FLECHA A arte de contar histórias, de transformar o cotidiano, o normal em histórias carregadas de poesia e descobertas. Matilde nos dispara uma Flecha que não recua, passa por mais de 200 historias de vários tempos e de muitos lugares. Historias que contam de pessoas, de bichos, de objetos e de movimentos que acontecem em volta deles; em nossa volta! São histórias soltas,um livro sem começo,meio ou fim; de historias que aparentemente não estão ligadas entre si, mas que de de alguma forma estão e formam um verdadeiro mobile, bailam na nossa memória por ventos distantes e presentes. Dos pequenos gestos,do diário, do simples, nascem memórias que compõem o livro. Matilde Campilho com sua prosa em 'Flecha' nos retorna ao lugar infindável que é a história de contar histórias, a Flecha de Matilde nos atravessa e nos faz querer mais e mais historias nos sentimos a beira da fogueira de uma caverna distante de nossas memórias humanas e temos menos pressa. ...🏹 Ah mulher das terras além mar Conte me mais historias Me afogue nessa travessia de contar Conte me do fogo, do sapo, das caravelas,das trajetórias ah mulher das terras de Camões Me atinja com sua Flecha cortante Quem dera fosse Flexa com um X marcante Mas agora Inês e a rima estão mortas, conte me Histórias...
A flecha «une os pontos e atravessa-os, desde o princípio». Além disso, como a própria Matilde Campilho escreveu, nas páginas finais desta obra, também «há de cair na terra, para semear a Terra de Terra outra vez». Portanto, atravessando o tempo e o espaço, num movimento contínuo, amealha uma infinidade de histórias.
Assim, neste livro, há espaço para muitos cenários, pessoas, memórias e gestos, porque retrata situações mundanas. Embora cada um destes contos seja autónomo, têm todos em comum a capacidade de nos fazer imaginar o que está descrito e, melhor, de nos levar a imaginar o depois. Não me rendi a todos da mesma maneira, o que é natural, mas gostei da poesia inerente às suas descrições, à maneira como observa a humanidade e o lado trivial dos dias.
Na sombra de uma laranjeira ou perto de uma fogueira, estas histórias são uma viagem
como olhar o mundo como matilde? essa é a pergunta que eu fiz a cada página virada de flecha. ampliar o contexto de uma fotografia, criar cenários, permitir que a história seja contada a partir da imaginação — e pouco importa se é factual ou não. é, no mínimo, passível de ser real.
flecha, eu acho, é um exercício pra afinar a nossa percepção sobre o mundano, o cotidiano. é pra aprender a se demorar numa imagem, numa paisagem, e ver nela o que não está exibido. é pra gente se lembrar que a vida é gostosa por conta das histórias que criamos nós mesmos, sem o pragmatismo adulto — é ser menino de novo e se permitir rir e chorar com a mesma intensidade, ser sem vergonha.
demorei pra terminar a leitura. a flecha me acertou, me atravessou e, acho, vai continuar planando por algum tempo. e, por incrível que pareça, me sinto mais vivo depois da abertura dessa ferida que não dói.
um formato de livro um bocadinho diferente do habitual. são muitas histórias soltas, todas muito curtinhas, umas que não me disseram muito e outras que até me disseram bastante…! que belo livro, gostei muito!
“Com a flecha sucede a mesma coisa. Podemos passar a vida inteira a tentar decifrá-la, podemos desviar-nos dela ou segurá-la com unhas e dentes tentando exercer sobre ela algum controlo.”
“Nalguns dias há sucesso. Noutros, seja num minuto de desatenção ou até de tristeza, arriscamo-nos mesmo a levar com ela no olho. Não importa. A flecha que atravessa o mundo nunca desaparece, não desiste, não fecha a porta na cara de ninguém.”
“Entre o sono e a vida, um dia de cada vez, caminhando sobre a caruma, vamos escutando e contando as histórias. Uns aos outros, a nós mesmos, e àqueles que vêm depois de nós.”
Gosto mais, muito mais, da Matilde poeta. E porque gosto muito da Matilde poeta, da Matilde poema, decidi pegar neste seu livro de prosa. Livro feito de pequenas e diferentes histórias - uma por página (mais coisa menos coisa). É uma prosa poética (arrisco dizer). Umas vezes bem conseguida, outra nem tanto. É de leitura fácil, rápida e nem precisa de ser uma leitura contínua visto que cada história é independente das demais e respira por si própria. Alguns pequenos exemplos:
" Uma labareda de fogo passa entre uma metade e outra do corpo de um carneiro".
**
"Sozinha no pátio, a meio da noite, uma mulher tempera o faisão com bagas de zimbro".
** "No banho, enquanto se lava, Maria Luísa esfrega sem querer um sinal de nascença do tamanho de um caroço de azeitona".
flecha é um livro de poesia, mas poesia em forma de prosa, não de verso a flecha de Matilde é um sentimento que atravessa a gente a cada texto de página única que vamos lendo, a sensação de que algo comum atravessa todas aquelas palavras. talvez a iminência da morte, talvez a solidão, talvez de tempo eterno, vai do sentimento de cada um é o que chamamos de um livro de cabeceira, pra sermos atravessados por essa flecha cada dia um pouquinho nem todos os textos surtem tanto impacto, mas são parte do conjunto. vale a leitura da edição física, com anexo de figuras e explicações de histórias e termos que serviram como fios condutores dos textos