As origens da nova direita brasileira e sua ascensão ao poder, reconstituídas por apuração exaustiva e entrevistas inéditas com personagens-chave dessa história. Junho de 2013. Após o anúncio do aumento das passagens de ônibus em São Paulo, uma multidão, convocada inicialmente pelo Passe Livre, foi às ruas protestar contra a medida. As manifestações assumiram proporções surpreendentes, e se espalharam pelo país vocalizando insatisfações difusas de grupos que não se identificavam necessariamente com a esquerda. Novos atores políticos entravam em cena. A partir de entrevistas com políticos, empresários, militares, religiosos, produtores agrícolas, entre tantos outros, Consuelo Dieguez debruça-se sobre o nascimento desse fenômeno social que demorou a ser compreendido e desembocou em Bolsonaro. O ovo da serpente apresenta um panorama inédito da nova direita brasileira em seus diferentes matizes, traça perfis de seus atores e seu papel nas eleições de 2018, além de desenhar a trajetória eleitoral de seu personagem Jair Bolsonaro. Livro essencial para entender uma reconfiguração de forças cuja profundidade e impactos na realidade brasileira ainda estão em questão. "É obrigatório ler Consuelo Dieguez para entender em que pé estamos, de onde viemos e para onde vamos." — Fernanda Torres
Tem sido sempre exaustivo ler acerca do governo brasileiro nos últimos quatro anos, uma vez que o descalabro da maioria das instituições, os ataques constantes a toda forma civilizada e democrática de respeito às normas morais, éticas e humanísticas, e o mergulho do país ao caos humanitário, foram o legado deixado por aqueles que flertaram insolentemente com o autoritarismo e a barbárie, portanto, é acerca de tudo isso que Dieguez retrata e nos conta, quando narra o início da derrocada da democracia brasileira.
Em uma obra na qual explora os bastidores dos centros de poder de extrema-direita, a jornalista faz um apanhado de fatos inéditos (a mim, ao menos) dos principais eventos que antecederam e sucederam a eleição de Bolsonaro, desde o atentado infrutífero à sua vida, até o momento que recebe o resultado do pleito de 2018.
Dando forma ao modus operandi da extrema-direita, é possível compreender a anomalia da eleição de Bolsonaro, já que o modo tradicional foi suplantado pela era digital, pela força de mobilização e pela tática da mentira como principal meio de contemplar votos e subjugar a população. É, todavia, uma obra que não pode ser agradável, embora o tom da jornalista seja brilhante, como em suas matérias da Revista Piauí, de modo que é uma ótima leitura para acompanhar o circo de horror que rondou o país nos últimos anos.
O livro é construído a partir de entrevistas, em sua maior parte, de personagens que pularam do barco do bolsonarismo (sobretudo, aparentemente, de Paulo e André Marinho, pai e filho que tiveram papeis decisivos na campanha de 2018). É, portanto, incompleto: seguiremos sem entender quais são as verdadeiras motivações e pensamentos dos protagonistas que seguem no poder. O livro fala pouco, por exemplo, dos bolsofilhos e de como influenciam e são influenciados pelo pai. Para mim valeu para relembrar como pessoas que hoje vendem-se como comentaristas políticos ponderados abraçaram, com poucas restrições, essa aberração.
A autora é jornalista da Piauí. Isso explica, ao menos em parte, porque às vezes os capítulos parecem versões estendidas de artigos da revista. Isso não é necessariamente um problema. Talvez até ajude na elaboração de uma narrativa coesa. De qualquer modo, ao final da leitura sobram mais perguntas do que respostas. De certa maneira, permanece aberta a pergunta que permeia o livro: o porquê de uma figura politicamente marginal como Jair Bolsonaro ascendeu à presidência da República em 2018? Ela apresenta as manifestações de 2013 como um ponto de virada fundamental. Ali, forças da tal nova direita se expuseram de maneira organizada pela primeira vez. Esses movimentos, como ela mesmo narra, nem sempre se mostraram coesos. Muitas das alianças estabelecidas para levar Bolsonaro à presidência se desfizeram ou se reorganizaram depois de 2018. Muitos dos personagens saíram de cena e vários, aliás, foram empurrados para fora do palco. De qualquer modo, fora dos radares da imprensa ou dos analistas, grupos insatisfeitos – por motivos reais ou não – foram nascendo após a chegada da esquerda ao poder, em 2002. Isso, em parte, foi feito graças à internet – antes mesmo das redes sociais. De outro lado, na década passada, outros grupos foram organizando a partir da insatisfação com a esquerda. Houve a Operação Lava-Jato, o desastroso governo Dilma, a insatisfação com uma hegemonia de um discurso de superioridade moral de parcela da esquerda brasileira, militares insatisfeitos com uma presidente que participara da luta armada, evangélicos aterrorizados pela ‘ameaça’ comunista – seja lá o que isso queira dizer –, fazendeiros contrários à política ambiental, liberais, liberais-conservadores, conservadores, reacionários, monarquistas e por aí vai. Junte-se a esse caldo cultural as redes sociais e o engajamento voluntário de milhares de pessoas, a facada e até mesmo a antipatia contra a imprensa e tem-se a tempestade perfeita que levou à eleição de Bolsonaro. A impressão que fica é que ele acabou por ser o amálgama de muita coisa que acontecia no país e que simplesmente passava desapercebida pelos analistas. Esse, vamos chamar assim, ‘bolsonarismo latente’ encontrou em Bolsonaro a figura capaz de unir os mais díspares interesses. Exemplar é o caso de políticos que, em meio à campanha presidencial de 2018, se deram conta do quão popular era Jair Bolsonaro. Muito gente se bandeou para o lado dele simplesmente por uma questão de sobrevivência política. Misteriosa, por fim, é a própria figura de Jair Bolsonaro. Como ele tem uma conhecida e notória aversão à imprensa, dificilmente haverá um dia em que ele concederá uma entrevista sincera e de peito aberto. Resta para o leitor as percepções de vários personagens que estiveram próximos a ele e que depois se afastaram ou foram escanteados. Dessa turma, aliás, vale lembrar a figura de Gustavo Bebianno, que aparentemente morreu de tristeza por ter sido abandonado pelo presidente. De modo geral, um livro bem-organizado, que revela ao leitor o papel de muitas figuras importantes nesse processo de nascimento do bolsonarismo e traz informações relevantes para entender o que é o Brasil hoje. Vale!
Um alarmante trabalho jornalístico sobre um período decisivo de nossa história. Embora tenha ficado uma sensação de que talvez fosse melhor esperar um pouco mais de tempo para o desenrolar da situação, valeu a pena para elucidar o trabalho dos bastidores.
a Consuelo Dieguez é uma baita repórter. impressionante o nível de detalhe que ela consegue pra contar essa história insana, cheia de personagens complexos e interessantes (Bebianno é um prato cheio)
Jornalista da revista Piauí desde seu início, Consuelo Dieguez consolidou-se como um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro. Seus artigos para a Piauí, sempre fruto de longa pesquisa, são ótimas leituras. Esta mesma excelência é refletida em “O Ovo da Serpente”, obra que investiga a ascensão da nova direita brasileira, fenômeno posteriormente denominado de bolsonarismo.
Dois anos antes da eleição de Bolsonaro, Consuelo já havia escrito um longo artigo sobre o infame personagem, publicado na edição de setembro de 2016. A partir daí, Consuelo escreveu uma série de textos sobre a nova direita até que, em 2022, ela publicou seu livro. Cada capítulo de “O Ovo da Serpente” funciona como uma pecinha do quebra-cabeça que compõe o quadro da ascensão de Bolsonaro ao poder. Os leitores são introduzidos a temas como o papel dos evangélicos, do agro e do poder econômico na eleição de 2018, os erros da imprensa, a estratégia digital do bolsonarismo, etc. Ao final, o livro conta com um valioso adendo, que mapeia o desfecho dos personagens centrais de cada capítulo após a eleição.
Apesar da absoluta infâmia do assunto tratado, Consuelo torna a leitura envolvente e elucidativa. Mesclando fatos conhecidos com histórias obscuras, “O Ovo da Serpente” é essencial para revisitar os acontecimentos políticos dos últimos anos no Brasil e indispensável para aqueles que buscam compreender melhor a ascensão do bolsonarismo.
Consuelo possui uma escrita tão cativante que você se sente lendo um thriller. Com uma extensa lista de entrevistados, a autora narra os acontecimentos de forma objetiva sob diversas perspectivas (incluindo figuras centrais do início bolsonarismo como Paulo Guedes, Bebianno, Janaina Paschoal, Paulo Marinho, Meyer Nigri, Bivar e muitos outros), indo de 2013, desde os fatídicos protestos contra o aumento das passagens, até o fim do segundo turno em 2018, quando Jair Bolsonaro é confirmado presidente eleito.
Não tem novidades sob uma perspectiva "macro" dos acontecimentos dessa época, pelo menos para quem acompanhou tudo de perto. No entanto, a autora acompanha as origens e caminhos do que se tornaria o núcleo duro do bolsonarismo com riqueza de detalhes, mostrando os acertos da extrema direita em cativar a população, e a incompetência da esquerda (e do que sobrou da direita democrática) e da imprensa em entender como um candidato reacionário (que de conservador nada tem) e anti-democrático estava em ascensão.
A extrema direita chegou para ficar. E esta obra nos ajuda a entender como isso aconteceu.