"Mas tem uma coisa no livro da Luci Collin de que gosto muito. É a não nomeação explícita do seu narrador de "integração", digamos. Aquele, ou melhor, aquela, que escreve. [...] Luci Collin mantém a integração do narrador como uma possibilidade extratexto, metatextual. Ana, depois do trauma vivido, cria as personas de Melanta e Lena, faz um jogo. Cria até mesmo uma persona para ela própria, a quem chama de Ana, como poderia chamar de qualquer coisa. Na verdade, o narrador integrado de Luci Collin, que é quem arma o jogo, não é nomeado.
Sei que o mundo vai cair sobre mim, mas acho a solução da Luci Collin mais sofisticada. Claro que eu podia considerar a não nomeação do narrador como um gesto de disfarce necessário para uma atuação na linha autobiográfica. Mas talvez porque eu também volta e meia não nomeie meus narradores, acho que há uma possibilidade mais bacana. A de uma resistência à ideia de identidade como algo fixo e estável."
Luci Collin (Curitiba, Paraná, 1964). Escritora, tradutora, professora universitária, musicista. Sua obra se destaca pela experimentação e pela abordagem de temas da pós-modernidade, como as metanarrativas e as crises identitárias. Transitando por gêneros como a poesia, o conto, o romance e o teatro, investe estruturalmente na musicalidade e na fragmentação textual.
Na década de 1980, Luci realiza curso superior de piano, além de um bacharelado em percussão, ambos na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Seu primeiro livro de poemas, Estarrecer (1984), publicado em Curitiba, é muito bem recebido pela crítica local. A partir de então, ela se enquadra com proeminência no circuito paranaense de autores, que reúne nomes de reconhecimento, como os curitibanos Dalton Trevisan (1925) e Paulo Leminski (1944-1989). Em 1989, forma-se em letras (português e inglês), na Universidade Federal do Paraná (UFPR), e dá continuidade à carreira acadêmica nesse campo.
Embora a autora abandone a música profissionalmente, sua formação musical a acompanha tanto na escrita literária quanto no trabalho de tradução. Em 2003, ela conclui doutorado em estudos linguísticos e literários na Universidade de São Paulo (USP), com uma tese sobre a poeta norte-americana Gertrude Stein (1874-1946). Também traduz textos do artista americano E. E. Cummings (1894-1962), cuja obra, assim como a de Stein, é reconhecida pelos efeitos musicais e pela sonoridade nos jogos de linguagem. A autora transporta vários desses elementos para sua própria ficção. Após o doutoramento, torna-se professora no Departamento de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), passando a contribuir para o ensino de literaturas em língua inglesa e sua tradução.
Uma parte da fortuna crítica investiga as articulações entre teoria musical e a escrita de Luci Collin. Assim como músicos e dançarinos utilizam ressonância, polifonia, repetição, cadência e espaçamento para produzir sentidos, Luci incorpora esses elementos ao texto literário, o que gera diversas possibilidades semânticas e estilísticas. Esses efeitos estão presentes no livro de contos Inescritos (2004), marcado pela experimentação sonora.
Outra linha interpretativa investiga as metalinguagens e conexões entre diferentes recursos estilísticos usados pela autora. Exemplos disso são as vozes literárias fragmentadas, que tomam forma por meio de rupturas e ausências no corpo textual. Em Vozes Num Divertimento (2008), Luci desconstrói ferramentas literárias tradicionais, como o discurso direto e o enredo coerente, com começo, meio e fim. O resultado é um conjunto de contos em que o leitor é obrigado a questionar o propósito da literatura e sua funcionalidade como veículo de expressão.
Um terceiro segmento da crítica volta os olhos para questões da pós-modernidade e das identidades na escrita da autora. Seus textos expõem conflitos identitários: as personagens femininas, por exemplo, confrontam normatividades e hierarquias atribuídas aos sexos, e, assim, denunciam as violências de gênero. O romance Com Que se Pode Jogar (2011), por exemplo, narra as histórias de três mulheres que vivenciam relações incestuosas, prostituição e violência doméstica. Os relatos compõem narrativas fragmentadas e sobrepostas umas às outras, em tom de denúncia social.
Luci aproxima-se de alguns nomes da ficção brasileira, como a escritora paulistana Beatriz Bracher (1961), a psicanalista carioca Livia Garcia-Roza (1940) e o jornalista fluminense Bernardo Carvalho (1960), autores que retratam sujeitos em busca de identidades perdidas, por meio de narrativas fragmentárias e relacionadas.
A escrita de Luci Collin é intimista e experimental. Embora não se restrinja a fórmulas e temas específicos, o uso de técnicas literárias inovadoras torna seus textos singulares, e permite atribuir-lhe um lugar de destaque na literatura brasileira contemporânea.
Fácil e gostoso de ler muito pela qualidade técnica da Luci, que faz flutuar, em três narrativas desconexas (de início), temas e fios e jogos e coisas mais que amarram tudo no final de um jeito divertido e muito esperto.
Posfácio da Elvira ótimo e projeto gráfico da edição da Arte & Letra genial.
Luci é traiçoeira. Tentará te desvirtuar da história com subterfúgios, e quando você perceber será tarde, já estará pega, envolvida, amarrada. Três histórias que parecem desconexas e vão se unir somente na última página do livro. Estupendo.