Em Memórias ? A menina sem estrela, mais que nunca Nelson foi o escritor que encontrou o universal na mais íntima e pessoal das experiências. Para ele “nada é intranscendente”, nem mesmo o menor fato cotidiano. Os temas se cruzam, as histórias de sua família ? como o nascimento de Daniela, a “menina sem estrela” ? são entrelaçadas com acontecimentos da história do Brasil e do mundo que marcaram o autor. O resultado é uma obra que, fragmentada em crônicas diárias publicadas no jornal Correio da Manhã, faz uma autobiografia da figura complexa de Nelson Rodrigues.
Que Homem, meus senhores... que Homem! Por momentos, pareceu-me ficção, de tão maravilhosa e dura vida. É um livro fundamental para se perceber toda a restante obra. Bravo! 🤍
O filho-da-mãe é um gênio. Mestre em fazer digressões melhores do que as aproximações. E tem uma memória de elefante, feita de puro lirismo. Dá vontade de se lembrar de tudo como ele e também escrever as próprias memórias.
A introdução perfeita à literatura, mentalidade e psicologia de Nelson Rodrigues. Uma escrita quase confessional perpassa cada singela frase desse livro — uma sinceridade árdua, avassaladora, brutal te convida a sofrer junto com o autor em cada passagem.
A realidade da vida, ou melhor, a transformação da visão infantil para a crueldade e malícia do mundo (Ruy Castro diria bem: "[Para o pequeno Nelson] uma única adúltera na Rua Alegre tornava suspeita todas as mulheres no mundo"), a pobreza que assolava sua vida periodicamente, a morte e a desgraça imerecida sobre as pessoas mais queridas, tudo isso é tema crucial, e eu diria que essas memórias demonstram perfeitamente o quão estigmatizado foi o menino Nelson por essas questões e como tudo isso influenciou os seus escritos.
Digo que é o melhor livro já escrito em nossa língua. Uma experiência que perpassa entre a santidade e a podridão, o desejo e o remorso, o bom e o mal, a vida e a morte com a calma de um lago, a fluidez de um rio e a perspicácia de um gênio.
Relendo, porque uma vez não é o suficiente para Nelson Rodrigues. De longe, o livro de memórias mais divertido e, ironicamente, memorável que eu já li. Tudo do Nelson tá nele: o sarcasmos, o humor, a provocação. Magnum Opus devia ter esse livro pregado em seu significado.
(PT) As memórias de Nelson Rodrigues, escritas em diversas crónicas ao longo do ano de 1967, desde a sua infância, a sua entrada no jornalismo, bem precoce - aos 13 anos de idade - e inspiração para algumas das suas mais emblemáticas peças de teatro, como "Vestido de Noiva" e "A Mulher Sem Pecado", "Álbum de Família" e outros, e as tragédias pessoais, bem como a vida que assistiu, tal qual como é.
"A Menina Sem Estrela" é uma crónica algo invulgar, do qual não pode ser lida de forma cronológica, mas sem como episódios de uma vida que ele se recorda, e conta aos seus leitores. De uma certa forma, a principio, pode ser complicado a algo dificil de ler, mas com o tempo, torna-se fluido e fácil, como que o leitor já tenha "cutucado" o escritor para que não de disperse e conte os factos mais importantes da sua vida longa e bem recheada de casos - na altura, Rodrigues tinha já 54 anos e iria viver por mais treze.
Em suma, é um livro que, para quem goste ou tenha alguma vez ficado curioso sobre ele, é uma boa entrada. Se colocarmos de lado a sua ideologia e as suas ideias, vemos que ele tem uma bela capacidade para contar histórias e sabe cativar o leitor. Vale a pena.
Nelson Rodrigues é aclamado como teatrólogo, contista e cronista esportivo. Mas as suas memórias, relatadas em forma de crônicas, e iniciadas neste livro, são suficientes para colocá-lo também entre os grandes do gênero de Rubem Braga.
Nelson é criador de um estilo, marcado pela extrema agilidade da linguagem, por um intenso fluxo de ideias e, naturalmente, pelas frases de efeito. E em "A Menina Sem Estrela" enxergamos uma sinceridade incomum nos relatos autobiográficos, com Nelson não hesitando em revelar deslizes morais da sua vida no teatro, por exemplo.
Em muitos momentos, também é emocionante. A crônica-título é uma "coisa".
Li um ebook organizado por Ruy Castro e que contém todos os capítulos destas “Memorias “. São recordações avulso, que ora nos levam à infância ora à idade adulta . Dá-nos a conhecer a sua vida de alegrias e desgostos (muitos) duma forma muito “ sui generis “ e interessante. Assistimos aos seus triunfos , conhecemos as suas obsessões e as profundas amarguras maravilhosamente escritas. Nelson Rodrigues tem uma graça especial que ora é exaltada por muitos ora é rejeitada por muita gente . E ele , como repete ao longo do livro é muitas vezes “Humilhado e Ofendido” . Gostei muito
Uma das obras fundamentais da humanidade e o melhor ponto de partida para conhecer — e entender — Nelson e sua obra. Não morra sem antes ler este livro.
"Mas eu me permitiria insinuar que, em 1919, não foi bem assim. Começou o Carnaval e, de repente, da noite para o dia, usos, costumes e pudores tornaram-se antigos, obsoletos, espectrais. As pessoas usavam a mesma cara, o mesmo feitio de nariz, o mesmo chapéu, a mesma bengala (naquele tempo, ainda se lavava a honra a bengaladas). Mas algo mudara. Sim, toda a nossa íntima estrutura fora tocada, alterada e, eu diria mesmo, substituída. Éramos outros seres e que nem bem conheciam as próprias potencialidades. Cabe então a pergunta: - e por quê? Eu diria que era a morte, sim, a morte que desfigurava a cidade e a tornava irreconhecível. A Espanhola trouxera no ventre costumes jamais sonhados. E, então, o sujeito passou a fazer coisas, a pensar coisas, a sentir coisas inéditas e, mesmo, demoníacas". (página 81)