Uma viagem onírica pela Cordilheira sul-americana, em que ancestralidade e identidade se confundem – e se confirmam – através dos muitos fragmentos que recompõem o passado, o presente e o futuro.
"Sua primeira memória é uma memória em trânsito. Tem três anos de idade e o avião onde está sobrevoa a Cordilheira dos Andes. Fala espanhol. É o único idioma que conhece. Mas a memória não é de palavras. É uma imagem. Olha pela janela, a Cordilheira está coberta de neve. Não sabe para onde vai."
Prosa, diário, teatro – são esses gêneros narrativos a contornar a Cordilheira que atravessa este romance. Em uma incursão introspectiva, que perpassa a América Latina e seu passado marcado por invasões, massacres e lutas, Carola Saavedra se volta para questões individuais ao mesmo tempo em que se expande para um universo coletivo. Como escreve Julie Dorrico na orelha desta edição, a "Cordilheira, essa personagem não humana, expõe uma antiga ferida que perdura neste continente: a farsa da identidade nacional singular já combalida de tantas mentiras". Com este livro intenso e provocativo, Carola Saavedra mais uma vez se confirma como uma das grandes escritoras brasileiras do século XXI. "Quanto a mim, ficarei onde sempre estive, atravessando a Cordilheira."
"Aqui a Cordilheira é gente. Isto não é uma metáfora, é um princípio indígena empregado na linguagem de Carola Saavedra para dizer, entre tantas outras, que a terra lembra das guerras travadas sobre seu corpo; da máquina colonial ininterrupta que produz mortos, que de alguma forma é reativada outra vez e outra vez." – Julie Trudruá Dorrico
"É preciso confiar nas vozes que nos guiam e que guiam as personagens pelas veredas desta ficção. Em O manto da noite, de Carola Saavedra, nada é somente o que diz ser, as narradoras e os narradores investem uns contra os outros, se precipitam, correm de mãos dadas e em tempos distintos, amam. A história é a trama, e isso é o mais bonito de se compreender. Não são fragmentos, mas um exercício de conexão, um modo de compreender a vida, o tempo, as grandes e as pequeníssimas narrativas, e como elas nos enredam." – Natalia Borges Polesso
Romancista e contista. Aos 3 anos de idade, muda-se com a família para o Brasil, fixando-se no Rio de Janeiro. Na infância e na adolescência estuda em um colégio alemão. Na década de 1990, após se formar em jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), transfere-se para a Europa, morando na Espanha, França e Alemanha, onde conclui mestrado em comunicação social. Trabalha como tradutora de alemão e espanhol. Publica seu primeiro livro em 2005, o volume de contos Do Lado de Fora. Entre 2005 e 2006, publica microcontos no blog Escritoras Suicidas. Seu romance Flores Azuis (2008) recebe o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 2008. (Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural)
Nota pós-resenha: Esse livro só cresce dentro de mim depois da leitura. Pesquisei textos, vídeos, podcasts, entrevistas... Não canso de me maravilhar com as possibilidades que a obra oferece. Enquanto alguém que se incomodava quando não entendia o que um livro ou uma história queria dizer, está sendo interessante abraçar o desconhecido que "O manto da noite" oferece. As perguntas sem resposta. Estou MALUCO para ler mais da autora!
Resenha original: Nunca tinha ouvido falar em "realismo onírico" até ler "O manto da noite", da chileno-brasileira Carola Saavedra. O livro acompanha uma pessoa caminhando pela Cordilheira dos Andes (que também é uma personagem) rumo ao Sul, em busca de suas origens.
Os capítulos são escritos como se tudo acontecesse em um sonho mesmo: com chegadas repentinas de personagens, mudanças bruscas de cenários e diálogos improváveis de acontecer. Não é um livro para todo mundo, mas é uma experiência literária sem igual pra quem compra a ideia!
A autora explica o conceito assim: "A ideia principal, baseada nos saberes indígenas, é que não haveria uma diferença ontológica entre o mundo dos sonhos, do transe, da alucinação e o da vigília, que tudo ali teria o mesmo peso, a mesma verdade."
No livro, "tudo é sonho, é alucinação, e ao mesmo tempo, tudo é real". É complexo e, pra mim, valeu a pena cada página. A pessoa/espírito se metamorfoseia em diversos seres, incluindo um monstro marítimo, a narrativa também assume diferentes formas: prosa, diário, teatro...
Eu fiquei obcecado com as notas da autora sobre o processo criativo. Ela conta que, na pandemia, começou a anotar os sonhos que tinha. Quanto mais anotava, mais sonhava. E os sonhos passaram a fazer referências aos sonhos anteriores.
Um sonho em especial virou cena de "O manto da noite" e, a partir disso, ela começou a sonhar com soluções pro texto. Um livro escrito entre a vigília e o sonho. Minha mente explodiu e comecei a anotar meus sonhos também, vai que, né?
Carola, que nasceu no Chile e veio para o Brasil aos três anos, fala que escreveu um capítulo em espanhol e o traduziu para o português. Conta que não reconheceu a voz no papel quando traduziu, como se tivesse acesso a uma criança desconhecida. Virou o capítulo da infância.
Enfim, recomendo demais o texto da autora sobre o processo criativo. É bem diferente de tudo que eu já tinha lido de outros escritores: https://blogdacompanhia.com.br/conteu...
O livro é curtinho, li numa tarde. Foi uma viagem massa, minha primeira experiência com a autora. Quero ler mais dela e depois voltar nessa leitura que me deixou fascinado.
e mesmo que tudo já tenha acontecido inúmeras vezes é sempre como se fosse novo. a criação e a destruição do mundo, essa sequência de esperanças e mal-entendidos.
O manto da noite . Carola Saavedra. 156 pgs | editora companhia das letras.
Conheci a literatura de Carola há dois anos atrás, foi uma das minhas últimas leituras que fiz fora do período de quarentena. Estava numa ressaca literária absurda e pedi a uma amiga uma recomendação que, não só a fez, quanto me emprestou o livro "Com Armas Sonolentas". Lembro de ter simplesmente devorado o livro tão rapidamente, de sentir muita coisa e refletir sobre a maternidade, família e identidade, de pensar "isso aqui é boa literatura, hein?" no meio de alguns parágrafos. Depois dessa experiência, sempre que algo da Carola passava por perto dos meus olhos eu pegava pra ler. Nesse embalo eu acabei lendo depois Flores Azuis, O Inventário das Coisas Ausentes e finalmente alguns ensaios de O Mundo Desdobrável: ensaios para depois do fim.
Nesta oportunidade e graças a também um empréstimo de minha amiga Joana, chega até mim um exemplar do novo livro de Carola. Quando comecei a ler o livro confesso que li as primeiras páginas mais de uma vez até entender que existia uma voz narradora acima de mim que estava disposta a me pegar pela mão e me levar por uma viagem cósmica através das páginas seguintes.
Carola já deixou claro seu interesse pela visão de mundo dos povos originários e seu anseio por se aproximar desta, e "O Manto da Noite" é uma declaração ao mundo sobre o que Saavedra está disposta a fazer para garantir essa aproximação. Num gênero que ela denomina "realismo onírico" (e que é importante diferenciar do realismo fantástico/mágico), Carola nos faz refletir quase numa sequência de movimentos efervescentes sobre a nossa origem como latinoamericanos através da voz da Cordilheira, uma narradora eloquente disposta a guiar, mas não a explicar muita coisa. E grande parte da beleza da escrita e do fio narrativo desta história está nessa dança feita por Carola na qual nada é muito explícito, grande parte da interpretação vai vir da ressonância textual criada pela obra de Saavedra no coração do leitor - entender isso foi o momento "isso aqui é boa literatura, hein?" nesta leitura.
Talvez se trate da obra mais "experimental" (não só pelo caráter onírico do texto mas também por trazer um texto em prosa, teatro e diários) das que li da Carola, um movimento extremamente sagaz que começou lá atrás com a escrita maravilhosa de "Com Armas Sonolentas" e parece estar longe de terminar.
Estava na expectativa de ler esse livro depois de ter lido O Mundo Desdobrável. Ando lendo muita literatura latina, lendo e descobrindo autores como Asturias, Juan Rulfo, Mariana Enriquez e Carola. O sul é nosso norte, o desenho de Torres Garcia, o Popol Vuh, o tempo cíclico, a metamorfose, o Nanhual, os homens de milho, o veado das sete queimas. Lendo e descobrindo as possibilidades da literatura. O narrar, o caminhar, a busca. Pedro Páramo: passado, presente ou futuro? Nossos ancestrais: de antes, de agora, do depois, do que virá. O livro tibetano dos mortos, a experiencia psicodélica. Somos unos, mas conectados, raízes, fungos. A expansão da mente, do universo, das possibilidades da narrativa e não narrativa. O contar agora o antes e o depois. O depois de antes de agora. A cordilheira.
te acompanhei nessa jornada, Carola, obrigada. há tempos fazemos parte de uma manada desde o princípio do SOM até o último suspiro, seguiremos, em batalha. [O MANTO DA NOITE um mantra sobre corpos que não se apagam]
“[…] é que estou muito só, diz finalmente, por tanto tempo, e é uma dor tão grande. Eu sei. Tenho medo, um medo tão grande. Eu sei. De onde vem nossa solidão? Não sei. O que fazemos com ela? Não sei, eu não sei.”
Que livro, senhoras e senhores! Que livro! É um livro para ser experienciado, não para ser entendido. Esquece tua racionalidade e vai com corpo, alma e coração.
não sei como falar desse livro. ele me prendeu e me entreteve. me fez sentir coisas e refletir a respeito de muitas coisas. uma coisa posso dizer: que livro BOM!
A linguagem acessível de O Manto da Noite contrasta com sua estrutura complexa, que combina gêneros, estilos e referências literárias diversas. Em seu romance mais recente, a autora chileno-brasileira Carola Saavedra caminha entre mortos por meio de uma jornada de volta ao que nunca viveu. Como resultado de uma escrita intensamente experimental, surge uma espécie de mito fundador, amarrando memória coletiva e individual, e ilustrando a força de mitologias perdidas ou exterminadas na história do povo latinoamericano. Para nós, leitores, irrompe a lição sobre o poder da reconexão com "mundos anteriores" como vias para futuros possíveis.